Marco Aur�lio Nogueira: Espa�os, atores e circunst�ncias (original) (raw)

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1 de maio de 2008

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Brasil

Espa�os, atores e circunst�ncias

Marco Aur�lio Nogueira

Gramsci e o Brasil / La Insignia. Brasil, maio de 2008.

N�o � de hoje que A�cio Neves, governador de Minas Gerais, e Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte, mant�m rela��es de proximidade e coopera��o. Sempre que aparecem juntos em p�blico, a interpreta��o � un�ssona: abriu-se novo espa�o para entendimentos entre o PT e o PSDB. O quadro partid�rio treme e se agita todo, sinal evidente de que h� algo naquela aproxima��o que o incomoda.

Pimentel e A�cio falam a l�ngua do entendimento. Dizem que n�o agem com os olhos em interesses pessoais, que desejam armar uma alian�a mineira sem a preocupa��o de saber que impacto nacional ela ter�. Querem ampliar os espa�os de interc�mbio e ganhar mais combust�vel para governar, mas tamb�m melhorar sua posi��o relativa no jogo pol�tico nacional. Andam na contram�o de seus partidos, que vivem em guerra latente ou manifesta. De certa forma, atropelam-nos, superpondo-se aos planos pol�ticos e eleitorais das c�pulas.

Dias atr�s, a dire��o nacional do PT endureceu com o prefeito mineiro, afirmando em nota que "n�o autorizar�, em nenhuma hip�tese, o PT a participar de qualquer coliga��o de que fa�a parte o PSDB em Minas". Alguns dirigentes petistas acreditam que n�o � razo�vel afagar o PSDB num momento em que este partido � o principal p�lo da "oposi��o radical" ao Governo Federal. Acham que alian�as localizadas entre os dois partidos terminam por levar �gua ao moinho de A�cio Neves.

No caso do governador, sua movimenta��o tamb�m indica que ele busca consolidar um espa�o de manobra exclusivo, indiferente a compromissos partid�rios e aberto a articula��es ampliadas, que podem incluir at� uma troca de legenda. No momento, o gestual pol�tico dedica-se a sinalizar, para os que disputam o espa�o pol�tico tucano, que A�cio Neves tem cacife, n�o pode ser deixado de lado, nem minimizado. Ou seja, em poucas palavras, que � mesmo candidato � Presid�ncia.

Em ambos os casos, a justificativa � uma s�: preencher os espa�os pol�ticos, ir al�m das amarras impostas por partidos que j� n�o mais refletem a sociedade, abrir os bra�os para todos os que queiram construir um "grande projeto" para o Brasil. Simultaneamente, luta-se para que Minas volte ao primeiro plano.

Espa�os sempre existem em pol�tica. Raramente s�o desimpedidos e f�ceis de ocupar. Derivam de circunst�ncias objetivas e atos de vontade, de projetos e concep��es, erros e fracassos. Dependem categoricamente dos atores para se converterem em espa�os pol�ticos positivos, ou seja, capazes de produzir efeitos construtivos sobre o processo social e o Estado. Caso contr�rio, ficam ali, vazios e inoperantes, servindo somente, quando muito, como plataformas para manobras de oposi��o, estocadas de advers�rios e sonhos mais ou menos delirantes de contesta��o.

PT e PSDB nasceram de um mesmo veio, a resist�ncia democr�tica � ditadura e o esfor�o para dar voz pol�tica aos novos personagens que surgiam na cena brasileira por volta do in�cio dos anos 1980. Tal veio se bifurcou em um dado trecho da estrada, gerando uma esquerda social, combativa e zelosa de seus credos, e uma esquerda moderada, institucional e despojada de subst�ncia doutrin�ria. Lula e FHC estavam juntos nos com�cios do ABC e na funda��o do PT, do mesmo modo que muitos tucanos de hoje foram petistas ontem e vice-versa. H� entre eles muitos pontos em comum, amadurecidos pelos longos per�odos de exerc�cio do poder. Com o correr do tempo, a pista bifurcada convergiu para um ponto de indiferencia��o, quase a se diluir em uma imponente auto-estrada de m�o �nica. Diferen�as subsistiram, � evidente, e em alguns momentos explodem com virul�ncia. Mas j� n�o h� mais como distinguir com nitidez program�tica e marcas de identidade profunda um tucano de um petista. Eles est�o separados somente por um estoque de interesses, algumas m�goas acumuladas e muitos c�lculos eleitorais. Claro que, por baixo do que aparece, correm rios caudalosos, a carregar id�ias de Estado, utopias pol�ticas, agendas de futuro, modos de governar e compromissos sociais. Isso tudo, por�m, tem pouca for�a para emergir, ditar condutas pr�ticas ou modelar discursos. Est� sendo sugado pela globaliza��o capitalista e pela "vida l�quida". S�o coisas que flutuam sem ter onde ancorar.

Se Fernando Pimentel e A�cio Neves acenam com alian�as eleitorais de curto prazo mas t�m em vista o futuro menos imediato, � porque espa�os reais de entendimento existem. Ambos s�o pol�ticos experientes e expressivos em suas respectivas constela��es pol�ticas. Falam, por�m, sem o aval de seus partidos, o que pode indicar que est�o basicamente a lan�ar bal�es de ensaio para 2010 e a demonstrar for�a perante seus advers�rios. Seus gestos e discursos n�o sugerem categoricamente uma alian�a preferencial entre PT e PSDB, nem muito menos fus�o partid�ria, mas sim o estabelecimento de uma base que suavize o confronto entre as duas principais organiza��es pol�ticas do pa�s e os beneficie como governantes e candidatos.

Mas a vida � din�mica e poder� exigir que se leve a s�rio a id�ia de formar um bloco pol�tico que compense o vazio de lideran�as efetivas que tipifica o Brasil magnetizado pelo carisma de Lula. Se vier a ser este o caso, ser� inaugurado um novo caminho, cujos desdobramentos poder�o beneficiar a governabilidade e democratiza��o do pa�s, ainda que n�o contenham necessariamente isso. Ser�, por�m, um caminho explosivo, pois tender� a conter, mais que um reencontro entre PT e PSDB, a completa dilui��o desses partidos em constela��es pol�ticas mais ou menos invertebradas e sem alma. Cristalizar-se-� assim uma institucionalidade pol�tica mais suscet�vel a personalidades e movimentos que a organiza��es, cuja efic�cia democr�tica n�o d� para prever.