Nas asas do vento (original) (raw)
Selaginella kraussiana (Kunze) A. Braun
Selaginella é um diminutivo de selago, nome latino para o musgo-dos-druidas. Nos primórdios da ciência botânica, as duas plantas, Huperzia e Selaginella, foram incluídas por Lineu no género Lycopodium, mas hoje em dia nem sequer pertencem à mesma família. São ambas plantas vasculares primitivas, reproduzindo-se por esporos tal como os fetos, ainda que recentemente tenham querido arrumá-las numa outra divisão do reino vegetal que não a das pteridófitas. Uma particularidade da Selaginella é a de produzir esporos de dois modelos diferentes, os macrosporos e os microsporos, que cumprem também diferentes funções. Ambos dão origem àquelas plantículas de vida efémera, os gametófitos, que têm por missão propagar a espécie. Os macrosporos, porém, dão gametófitos femininos, que serão fecundados pelos gametófitos masculinos produzidos pelos microsporos. O tamanho joga aqui um papel crucial, pois é importante saber se estes organismos tão exíguos, quase microscópicos, podem ser transportados pelo vento a milhares de quilómetros de distância sem perderem as suas qualidades reprodutoras.
Quando uma planta se faz muito abundante, há fortes probabilidades de se tratar de uma espécie exótica: a multiplicação desregrada seria então o resultado da ausência de competidoras ou de outras formas de controle natural que existem nos habitats de origem. Por essa razão, vários autores consideraram que nos Açores a Selaginella kraussiana foi introduzida por mão humana. A planta forma extensos tapetes em todos os lugares — jardins, matos, florestas — onde a água faz companhia à sombra, desde o nível do mar até aos picos mais elevados. E o facto de se tratar de uma espécie nativa da África tropical e austral tornava pouco plausível que ela tivesse migrado para o arquipélago pelos seus próprios meios.
Até que um artigo de 2005 da autoria de um grupo de biólogos alemães e suecos veio esclarecer que, afinal, o vento também faz das suas. A Selaginella kraussiana existe no Pico há pelo menos 6000 anos — 5500 anos antes de a ilha ser habitada —, facto comprovado pela grande quantidade de esporos seus detectada em sedimentos extraídos do fundo de uma lagoa. A presença constante dos esporos em todo o intervalo temporal abrangido pelos sedimentos torna indubitável a existência, já nessa remota época, de uma população local estabilizada. Dito de outro modo: alguns esporos pioneiros terão vindo de longe, mas só depois de a planta colonizar as ilhas é que ela pôde gravar uma assinatura tão legível no solo.
Os autores do artigo admitem que o salto directo da África tropical para os Açores seja um feito improvável. Terá havido, especulam eles, uma etapa intermédia na Madeira, o que reduziria para metade, não muito mais que 800 quilómetros, a amplitude do voo migratório. É pois de supor que também na Madeira, onde foi igualmente tratada como exótica, a Selaginella kraussiana seja uma planta nativa.
A Selaginella kraussiana também existe nalguns países da Europa ocidental — mas, até que se demonstre o contrário, trata-se de populações naturalizadas. Um dos lugares (haverá muitos) onde é possível observá-la é no Parque de Serralves, no pequeno muro que delimita o lameiro logo abaixo do lago. As hastes ramificadas da planta podem atingir um metro de comprimento, e as folhas têm cerca de 4 mm.
Selaginella denticulata (L.) Spring
Não muito diferente é a Selaginella denticulata, que é cidadã europeia de pleno direito e, segundo a Flora Ibérica, ocorre em todas as províncias portuguesas (embora, de facto, seja pouco comum — nós vimo-la num prado em Sicó, abrigada sob rochas calcárias). Distingue-se da sua prima africana pelas hastes de menor comprimento, e pelas folhas mais arredondadas e mais densamente dispostas ao longo do caule.