Variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com anemia ferropriva (original) (raw)
ARTIGO ORIGINAL
HOLTER/ LOOPER
Variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com anemia ferropriva
Mustafa TuncerI; Yilmaz GunesI; Unal GuntekinI; Hasan Ali GumrukcuogluI; Beyhan EryonucuI; Niyazi GulerI; Imdat DilekII; Cengiz DemirII
IUniversidade Yuzunci Yil, Faculdade de Medicina, Departamento de Cardiologia, Van - Turquia
IIUniversidade Yuzunci Yil, Faculdade de Medicina, Departamento de Hematologia, Van - Turquia
Correspondência Correspondência: Mustafa Tuncer Kazim Karabekir Street Yuzuncu Yil University Research Hospital Cardiology Department 9065100 TURKEY-Van E-mail: drmtuncer66@yahoo.com
RESUMO
FUNDAMENTO: A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) está associada com aumento do fator de risco cardíaco em várias condições. As concentrações de ferro apresentadas por um indivíduo podem ter um papel importante na saúde cardiovascular.
OBJETIVO: Avaliar a VFC em pacientes com anemia ferropriva.
MÉTODOS: Vinte e três pacientes com anemia ferropriva (hemoglobina (Hb) média = 8,6±2,2 g/dl) e 10 indivíduos saudáveis ( Hb média = 13,9±1,2 g/dl) foram avaliados através de monitoramento ambulatorial por 24 horas (Sistema Holter) durante estadia hospitalar com atividade física limitada.
RESULTADOS: Embora a frequência cardíaca (FC) média tenha sido significantemente mais alta em pacientes com anemia, não houve diferença significativa em relação aos parâmetros da VFC quando comparados ao grupo saudável.
CONCLUSÃO: Não há diferença significativa nos parâmetros da VFC entre pacientes com anemia ferropriva e indivíduos saudáveis.
Palavras-chave: Frequência cardíaca, anemia ferropriva.
Introdução
A anemia é um fator de risco independente para resultados cardiovasculares adversos em pacientes com doença renal1 e possivelmente na população em geral2. Uma diminuição na variabilidade da frequência cardíaca (VFC) está associada com aumento da mortalidade e morbidade em várias formas de doença cardíaca, incluindo infarto do miocárdio, cardiomiopatia, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e regurgitação mitral crônica3-7.
Os níveis de ferro sérico de um indivíduo podem ter um papel importante na saúde cardiovascular, considerando que o excesso ou a deficiência de ferro podem levar a problemas significativos8. Já foi sugerido que a anemia está associada com baixa VFC em pacientes ambulatoriais com doença cardíaca coronariana estável e que a baixa VFC poderia potencialmente mediar a associação da anemia com aumento do risco cardiaco9. A anemia e sua associação com VFC têm sido estudadas em vários tipos de anemia, tais como talassemia10, deficiência de vitamina B12 e anemia megaloblástca11, e traço falciforme12.
O objetivo do presente estudo foi estudar a associação entre parâmetros de VFC e anemia ferropriva.
Métodos
Hemograma completo, esfregaço de sangue periférico, ferritina sérica, ferro sérico, capacidade de ligação do ferro e saturação de transferrina foram examinados. O diagnóstico de anemia ferropriva foi estabelecida como níveis de hemoglobina < 12 g/dl em mulheres e < 13 g/dl em homens, ferritina sérica < 12 ng/ml, valores de volume corpuscular médio (VCM) e concentração média de hemoglobina corpuscular (CMHC) abaixo da faixa normal (83 a 97 fl e 32 a 36 g/dl, respectivamente)13.
Com um nível alfa de 0,05 e um poder de teste de 0,80, um tamanho de amostra de 32 participantes foi considerado adequado para definir uma diferença de 15 ms em VFC entre os grupos. Um total de 23 pacientes hospitalizados diagnosticados como tendo anemia ferropriva [hemoglobina (Hb) média: 8,6±2,2 g/dl] e dez pessoas saudáveis foram incluídas no estudo. Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia transtorácica. Pacientes com sangramento agudo, malignidades, com sangramento crônico conhecido, talassemia, doença falciforme, doença cardíaca estrutural, diabete, hipertensão, insuficiência renal, hipo ou hipertireoidismo, ou qualquer outra doença sistêmica foram excluídos do estudo. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e informado e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital.
Análise da variabilidade de frequência cardíaca
Monitorização ambulatorial eletrocardiográfica de 24 horas pelo sistema Holter foi realizada usando um equipamento gravador Del Mar Avionics 483 de 3 canais (Del Mar Medical Systems; Irvine, CA). Os registros foram analisados com um software especial (Del Mar Holter Analysis System; Del Mar Medical Systems). Todos os registros foram visualmente examinados e lidos manualmente para verificar a classificação do batimento por um cardiologista com experiência. Batimentos anormais e áreas de artefato foram automaticamente e manualmente identificados e excluídos da análise. Além disso, os intervalos normal-a-normal (NN) verdadeiros mais longos e mais curtos foram identificados para cada registro a fim de excluir todos os batimentos fora dessa faixa da análise de VFC. Os intervalos dentro da faixa foram cuidadosamente editados.
Os seguintes parâmetros foram usados na avaliação da VFC no domínio tempo:
Desvio padrão (DP) de todos os intervalos NN (DPNN);
DP da média de todos os intervalos NN em todos os segmentos, de 5 minutos consecutivos do total gravado (DPTNN) [milissegundos];
valor quadrático médio das diferenças entre intervalos NN adjacentes (VQMDP) [milissegundos];
média do desvio padrão em todos os intervalos de 5 minutos (MVFC) [milissegundos]; e
desvio padrão em todos os intervalos de 5 minutos (DPVFC) [milissegundos].
Análise estatística
Os resultados são expressos em médias e DP. Usando o software SPSS versão 10.0, os dados dos grupos foram comparados através do teste t de Student para variáveis contínuas, teste do Qui-quadrado para variáveis dicotômicas e Teste U de Mann-Whitney para variáveis sem distribuição normal. Um p bicaudal < 0,05 foi considerado significante.
Resultados
As características clínicas do Holter de 24 horas da população estudada estão resumidas nas Tabelas 1 e 2. Todos os pacientes estavam em ritmo sinusal durante os registros. Nenhuma alteração de segmento ST foi registrada na população em geral. Não foram observadas patologias no exame ecocardiográfico, exceto por leve regurgitação valvar dentro dos limites normais. A frequência cardíaca (FC) média era significantemente mais alta em pacientes anêmicos quando comparados ao grupo controle (84,4±22,4 bpm vs. 72,6±13,2 bpm; p=0,005). Não houve diferença significativa entre o grupo saudável e os pacientes com deficiência de ferro em relação aos parâmetros de VFC.
Discussão
Há um aumento das evidências de que a anemia contribui para a doença cardíaca e morte14,15. Em pacientes com doença renal crônica, por exemplo, a anemia é um fator de risco independente para o desenvolvimento de doença cardiovascular1. Em pacientes com insuficiência cardíaca (IC), a anemia está associada com aumento na morbidade7.
Os registros de monitorização por Holter têm um papel essencial na identificação de arritmias; sua amplamente disponível associação com a análise da VFC fornece informações sobre as influências do sistema nervoso autônomo (SNA) e balanço simpático-vagal. A VFC é um método que determina os efeitos do SNA sobre o coração e as mudanças espontâneas na frequência cardíaca. Uma diminuição na variabilidade da frequência cardíaca reflete uma disfunção autonômica. A VFC diminui após IM e em neuropatia diabética e IC. Atualmente, a VFC é considerada um preditor de parada cardíaca súbita e arritmias3-6.
A deficiência de ferro é a deficiência nutricional mais comum em regiões desenvolvidas e em desenvolvimento do mundo. A resposta fisiológica à anemia é um aumento compensatório no débito cardíaco através de aumentos no volume de sangue, pré-carga, FC e volume de derrame, junto com uma diminuição na pós-carga. Dessa forma, o aumento na atividade simpática, que se reflete como palpitação e taquicardia, é freqüente em pacientes com anemia13.
Um resultado extremo da deficiência de ferro é a cardiomiopatia. A patogênese da cardiomiopatia associada com anemia ainda não foi constatada. Várias hipóteses têm sido propostas para explicar como a anemia ferropriva causa a cardiomiopatia. Tem sido sugerido que, como em outros tipos de IC, a insuficiência cardíaca de alto débito seja dirigida por um aumento contínuo da atividade nervosa simpática. A fim de testar essa hipótese, um estudo utilizou beta-bloqueio em uma tentativa de impedir os efeitos deletérios do tônus simpático aumentado nos corações de ratos de laboratório com anemia ferropriva. Os betabloqueadores, entretanto, falharam na prevenção da descompensação cardíaca naqueles animais8.
A análise da VFC é uma técnica confiável e reprodutível para avaliar a atividade autonômica em pacientes com doença cardiovascular. Entretanto, seu uso em pacientes com anemia ferropriva ainda não foi totalmente investigado.
A anemia foi associada com baixa VFC em pacientes ambulatoriais com doença cardíaca coronariana estável9. De Chiara e cols.10 relatou que uma VFC anormal pode representar as primeiras características da doença cardíaca em pacientes talassêmicos, sem evidência de disfunção ventricular em exames de rotina. Aytemir e cols.11 relatou que os parâmetros da VFC estavam associados com deficiência de vitamina B12 e que esses parâmetros melhoraram com a reposição dessa vitamina em pacientes com deficiência de vitamina B12 e anemia megaloblástica. Connes e cols.12 mostraram que a variabilidade global (DPNN, MVFC) e parassimpática (PNN50, VQMDP, domínio de alta frequência (AF), os índices de VFC eram significantemente mais baixos em indivíduos portadores de traço falciforme e tentaram explicar esse fato como uma adaptação fisiológica para aumentar a frequência do batimento cardíaco, fornecendo um suprimento adequado de oxigênio para os tecidos a despeito das alterações hemorreológicas tais como deformabilidade do eritrócito e aumento da viscosidade do sangue.
Em um estudo recente, Yokusoglu e cols.16 relataram uma deficiência nos índices globais (DPNN, DPANN) da VFC que poderiam ser causados por um aumento na atividade simpática ou diminuição na atividade parassimpática e uma diminuição no PNN50 (um índice de atividade parassimpática) em anemia ferropriva. Eles sugeriram que a baixa tensão de oxigênio nos tecidos com resultante aumento da atividade simpática pode ser responsável pela alteração na função autonômica na anemia ferropriva. Em contraste com estudos prévios, entretanto, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre pacientes com anemia ferropriva e o grupo controle saudável, exceto pela FC média.
Entretanto, em nosso estudo, a monitorização por Holter foi realizada durante uma avaliação hospitalar. Portanto, a atividade física de nossos pacientes era limitada; isso se refletiu na média relativamente baixa de FC, quando comparada com os pacientes do estudo de Yokusoglu e cols.16 (84,4±22,4 bpm vs. 117±19 bpm). Sendo assim, ao combinar nossos resultados com os de estudos prévios, podemos concluir que o aumento na atividade física, com o conseqüente aumento da demanda tecidual de oxigênio, pode resultar em aumento da atividade simpática e diminuição da atividade parassimpática.
Limitações
O número de pacientes do estudo é relativamente pequeno para generalizar nossos resultados. Não fomos capazes de usar parâmetros de domínio da frequência da VFC devido à razões técnicas. Um seguimento teria sido mais informativo. Além disso, a reavaliação dos parâmetros da VFC, após o tratamento da deficiência de ferro, poderia ser importante no caso de melhora desses parâmetros.
Conclusão
Em conclusão, em pacientes com anemia ferropriva com atividade física restrita, a variabilidade da frequência cardíaca não se altera, de acordo com nossos resultados. Estudos adicionais, com maior número de pacientes, incluindo dados de seguimento são necessários para melhor entender o impacto da deficiência de ferro no sistema autonômico e as implicações clínicas do balanço autonômico alterado.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 19/11/07; revisado recebido em 28/03/08; aceito em 07/04/08.