Isabelle Drummond vive personagem vítima de assédio e afirma: "Todas já passamos por alguma situação" (original) (raw)
*por Vítor Antunes
Uma nova Isabelle Drummond. A princípio pode parecer que trata-se de uma frase clichê, repetida sempre que uma atriz ou um ator estão num momento de renovação de carreira, de atualização de linguagem. Mas, efetivamente, Isabelle entra nos 30 anos com uma lufada de renovação. Está investindo em outras linguagens de seu fazer artístico, lançando-se como diretora, produtora, e voltando ao teatro como atriz em uma peça que trata sobre um assunto delicado, que é o assédio sexual. Na montagem dirigida por Mauro Sousa e que conta com Marina Sousa, Inês Aranha e Leandro Martins na equipe**,** a personagem aborda essa agenda. “É o projeto mais adulto da Maurício de Sousa Produções. Eles ainda não tinham feito um teatro assim com linguagem mais adulta. É claro que tem alguns limites pré-estabelecidos por abordar assuntos um pouco mais fortes”.
Isabelle celebra também o seu reencontro com os palcos. Há muitos anos, a atriz não fazia teatro. “O lugar do ator é o palco. Eu acho que é um a gente vive num ciclo e eu, particularmente, sou uma pessoa que foi criada no audiovisual, mas tive contato com teatro desde a minha infância e acabei fazendo menos peças por uma questão de tempo, então acho que é um caminho muito natural”. Para ela, tão importante quanto voltar ao palco é abordar um assunto urgente: a violência contra a mulher. “É um grande foco assim para mim, voltar ao teatro para falar sobre mulheres e sobre uma questão que está ali presente, infelizmente”.
Uma busca simples sobre o tema do assédio no Google, aponta que esta é uma violência ainda longe de ser exterminada. Nem mesmo as violências mais contumazes. Enquanto essa matéria era escrita, um caso de violência brutal contra uma ex-miss Suíça repercutiu no mundo todo, não só pelo crime mas pela brutalidade dele. O que faz urgente a necessidade da discussão contínua sobre o tema.
Isabelle também opinou, e lastimou, o incidente recente envolvendo o ex-Ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida, e a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. “Olho com um tanto de tristeza, tal como todo mundo, porque a gente tem que se compadecer do sofrimento de uma outra mulher, e com o entendimento de que essa é uma pauta que não podia ser mais atual e mais importante e necessária de ser falada”.
Isabelle Drummond em nova fase da vida e da carreira (Foto: Divulgação)
UM TEMA IMPORTANTE
Isabelle, com a força da sua voz e a suavidade do seu coração, traz à tona um posicionamento firme no feminismo, carregado de ternura e propósito. Ela abraça esse compromisso com a defesa e o respeito à mulher, especialmente na obra “_Tina – Respeito_“, onde sua arte se entrelaça com sua missão de vida e expõe seu desejo profundo de contar histórias a partir do olhar feminino, ecoando um clamor que atravessa gerações e contextos. “É um momento que eu quero muito falar sobre a mulher sábia, contar histórias de mulheres do ponto de vista das mulheres, e eu acho que é alguma coisa que me atravessa e eu tinha muita vontade de dar vida a assuntos que eu acho que não só são relevantes, mas que dizem sobre mim, sobre o feminismo saudável e a questão da defesa da mulher da questão da proteção e do respeito a elas.”
Ao escolher a peça “_Tina – Respeito_” como veículo para esse discurso, Isabelle se reconecta ao teatro com uma pauta que reverbera nas novas gerações. Ela revela que a escolha de retornar aos palcos não foi por acaso, mas fruto de uma profunda reflexão sobre o momento certo para unir arte e ativismo. “Essa peça é uma coisa que, além de eu já querer voltar ao teatro há um tempo, tava pensando como eu faria isso. Alguns projetos passaram na minha mão, mas eu acho que quando chegou, achei que era um momento pertinente para eu também voltar ao teatro com essa pauta e eu acho que é super importante para a nova geração.”
Atriz é voz ativa do protagonismo feminino (foto: Divulgação)
Isabelle Drummond (Foto: Divulgação)
Ao trazer a ONU para o projeto, na opinião da atriz há um reforço no compromisso com a causa das mulheres, usando a arte como um poderoso instrumento de transformação. “A ONU entrou no projeto também junto com a gente. Esse é um compromisso meu como artista. A peça é um instrumento de dizer para as mulheres que existe um caminho possível, acessível e claro. Existe muita coisa a avançar ainda, mas estamos nesse caminho da informação e eu acho que é um dos papéis fundamentais da arte.”
Sim eu estou muito muito focada nesse lugar das histórias femininas, das diferentes histórias das mulheres à frente do seu tempo mulheres reais, dando voz a mulheres reais, mas também inspiradoras para esse meu momento tanto como atriz como produtora – Isabelle Drummond
Ao discutir o feminismo e o legado teatral, evoca com profundidade a importância de duas grandes artistas: Nathalia Timberg e Irene Ravache, símbolos de talento, resistência e consciência social no teatro brasileiro. Ao resgatar suas memórias e ensinamentos, Isabelle entrelaça suas falas com a responsabilidade de carregar adiante o bastão de gerações que lutaram por espaço e reconhecimento, não apenas no palco, mas na vida.
Nathalia Timberg lhe confiou um legado honroso: a continuidade da jornada artística. A força desse momento se cristaliza na fala de Isabelle: “A Nathalia Timberg me disse que fica tranquila em poder passar o bastão para mim. Isso foi assim tão emocionante e eu sinto essa responsabilidade também, de não perder essa conexão que uma geração inteira que construiu a história do teatro, e eu quero ser também essa pessoa na minha geração que carrega isso”. Isabelle vê com admiração essa tradição artística que, com imensos sacrifícios, pavimentou o caminho para as mulheres no palco e fora dele.
Isabelle Drummond em “Tina”, no teatro (Foto: Divulgação)
Por outro lado, Irene Ravache, com sua voz crítica e contundente, serve como um espelho para as questões mais espinhosas e silenciosas que perpassam a história das mulheres nas artes e na sociedade. Isabelle menciona Irene para trazer à luz uma reflexão sobre o assédio, que por tanto tempo foi naturalizado e invisível: “Numa reportagem, a Irene Ravache fala que na época dela as mulheres não percebiam o assédio. Então eu acho que é isso, é super importante esse discurso da Irene, que inclusive vai estar presente no meu novo trabalho, ‘Laura’, que é essa mulher que eu estou trazendo e que é uma mulher de uma época em que ser atriz não era bem aceito pela sociedade.”
A inserção de “Laura”, personagem que Isabelle encarnará num próximo filme, que está em pré produção, marca um elo entre o presente e o passado. A narrativa de uma mulher impedida de seguir sua vocação artística por imposições sociais ressoa profundamente com as lutas femininas contemporâneas. A atriz reflete sobre a resistência que as atrizes do passado enfrentaram e a evolução do papel da mulher nas artes, sem esquecer que, embora avanços tenham sido conquistados, ainda há muito a ser transformado. “O ‘Laura’ a gente vai rodar também no ano que vem. Ela queria ser atriz e não pôde porque a família dela não aceitou isso. Então, eu acho que hoje a gente conquistou um lugar onde ser atriz é a nossa profissão, é respeitada e eu acho que isso já é um grande avanço, mas precisamos entender que essa questão estrutural ainda está aí, e a gente tem um caminho grande pela frente.”
Isabelle Drummond, ao refletir sobre as realidades que envolvem o assédio, faz uma constatação dolorosa, porém verdadeira, ao reconhecer que toda mulher, em algum nível, já se deparou com esse tipo de violência. Mesmo sem ter vivenciado uma experiência explícita, ela afirma com sensibilidade: “Toda mulher já passou por alguma situação de assédio. Isso aí é um fato, ainda que seja explícito ou aquela coisa implícita.” Suas palavras revelam o quão universal é essa experiência, que se manifesta de formas diversas, mas igualmente danosas. Ela posiciona-se com clareza ao abordar a temática de sua peça Tina – Respeito, e destaca que, embora não tenha vivido pessoalmente a mesma situação que sua personagem, reconhece que o assédio permeia a vida de todas as mulheres, em graus variados: “A situação da Tina especificamente, da peça, explicitamente não é uma situação que eu vivi, mas toda mulher já viveu alguma situação de assédio, e isso aí é um fato.”
A atriz ainda enaltece a importância de dados e estatísticas para fundamentar o debate, ressaltando a parceria com a ONU que, segundo ela, “vai trazer muitos dados sobre questões sociais, percentuais, e tudo mais”. Esses números, para Isabelle, são fundamentais para evidenciar a dimensão do problema: “Os dados estão aí para dizer que isso é uma questão que está tanto nos pequenos atos quanto nos atos mais extremos.”
CORAGEM
Isabelle Drummond, ao refletir sobre sua personagem Cida em Cheias de Charme, mergulha numa análise madura e sensível sobre o papel que representou e como ele ressoa nas questões sociais que hoje, com mais experiência, consegue enxergar com clareza. Com um olhar que ultrapassa a superficialidade da narrativa, Isabelle reconhece os traumas e abusos que marcaram a jornada de sua personagem e a força que emergiu dessas dores. “Se eu assistir Cheias de Charme hoje, eu vou enxergar várias coisas que na época eu não vi, que eu não percebia. Isso faz parte do nosso amadurecimento social. Eu acho que a Cida foi uma menina que sofreu todo tipo de abuso e machismo, e várias coisas. Ela sofre vários traumas, mas eu acho que isso também é um lugar da força da personagem, daí que ela tira o impulso delade crescer, de se tornar uma Empreguete, uma artista como as outras. Essa é uma novela super feminina, traz três mulheres, e as três empregadas domésticas, o que é muito disruptivo, moderno, transgressor.”
Ao refletir sobre sua trajetória de crescimento diante das câmeras, Isabelle revela a dualidade de seu processo de amadurecimento, exposto ao olhar de um país inteiro. Com uma sensibilidade profunda, ela reconhece os privilégios e os desafios dessa jornada singular. “Eu acho que a gente aprende a lidar com a nossa circunstância. Eu sou do ponto de vista que a gente é adaptável, então esse é um ambiente que eu conhecia desde sempre. O meu processo foi dentro desse ambiente. Poderia ter sido em outro, mas foi dentro desse. Sem dúvida tive vários privilégios e oportunidades, de conhecer pessoas incríveis, aprender com pessoas. Teve também o ônus da exposição. Com certeza a minha adolescência foi uma adolescência desafiadora, assim, por vários aspectos, mas eu considero que eu sobrevivi, e com um suporte, atravessei esse lugar. Sou grata, obviamente, por isso.”
Se eu tivesse uma filha que me dissesse querer ser atriz, eu a deixaria. Estaria presente, claro. Acho que temos dons, assim como o da arte, aparecem, não tem como impedir. Meus pais tomaram muito cuidado comigo. Ser atriz foi algo que fluiu de mim, está presente em mim, e eles estimularam meu talento – Isabelle Drummond
Isabelle Drummond era Cida, a “Empreguete” romântica (Foto: Divulgação Rede Globo/Matheus Cabral)
Quando perguntada sobre o que a emociona, Isabelle revela seu apreço pela literatura, poesia e música, ancorando suas respostas em autoras femininas poderosas que influenciam sua sensibilidade artística. “Eu tenho lido várias coisas. Nesse momento, estou lendo Clarice Lispector, que de tempos em tempos eu volto. Eu acho que Clarice é uma coisa que não passa. A Bíblia eu leio sempre. Tenho descoberto música instrumental, lido Adélia Prado e Hilda Hilst“. Vozes femininas de grande potência na literatura brasileira, ela destaca seu comprometimento com a leitura de obras que refletem sobre a condição feminina de forma sensível e transgressora, ecoando seu próprio compromisso com o feminismo e a arte. A sensibilidade artística de Isabelle é, assim, formada por uma simbiose de textos clássicos e contemporâneos, literatura e música, espiritualidade e feminismo, todos elementos que moldam sua jornada criativa e pessoal.