Graciella Hanf - Academia.edu (original) (raw)
EDITORA UNICENTRO 260 exemplares Nota: O conteúdo da obra é de exclusiva responsabilidade do auto... more EDITORA UNICENTRO 260 exemplares Nota: O conteúdo da obra é de exclusiva responsabilidade do autor. A história (brasileira ou universal) pode ser vista sob diversos prismas e, dependendo dos interesses, geralmente, o esforço para didatizar e simplificar a volta consciente ao passado se restringe à delimitação de linhas cronológicas, muitas vezes legitimadas como fontes exclusivas de um passado consagrado como oficial. Provavelmente, todo jovem brasileiro em idade escolar já teve ou ainda terá contato com a clássica sistematização da história universal, que se fragmenta a partir de acontecimentos considerados relevantes, a saber: • Pré-história • História Antiga • História Medieval • História Moderna • História Contemporânea No entanto, essa divisão não pode ser considerada como a única aceitável para estudar história. Ela é apenas uma entre as várias maneiras de estudá-la, herdada da tradição historiográfica francesa, que considera, por exemplo, como marco referencial da História Contemporânea, a tomada da Bastilha, em 1789, ato que simbolizou a efetivação da Revolução Francesa. Por isso, com o intuito de facilitar a leitura e a contextualização histórica, o presente trabalho retrata as INTRODUÇÃO 10 diversas fases do teatro ocidental, inclusive o brasileiro, divididas didaticamente num esforço de torná-las minimamente compreensíveis. Porém, é importante alertar que tais momentos não podem ser concebidos de maneira estanque, nos moldes da já citada tradição historiográfica francesa. Muitos autores viveram em épocas em que estéticas diferentes afloraram sem, contudo, eliminar a existência daquelas já vigentes. Desse modo, estilos e tendências dialogaram e conviveram entre si numa dialética de efetivação ou de não aceitação de uma determinada modalidade teatral. Tais fatores fizeram e ainda fazem do teatro uma instigante manifestação do ser humano em sua totalidade. Certamente, este trabalho -cujo objetivo é aprofundar os conhecimentos sobre o universo teatral -servirá como uma leitura preliminar para futuras pesquisas acadêmicas. A palavra teatro remete a dois significados diferentes: a um gênero da arte ou também a edifício ou casa, ou seja, ao espaço no qual podem ser representados vários tipos de espetáculos. Etimologicamente, teatro deriva do grego theatron (theaomai = ver; thea = vista; panorama), mas a forma atual da palavra tem origem latina (theatrum). Porém, não é correto afirmar que o teatro é uma invenção grega. Procurar conhecer a trajetória do teatro ocidental implica, num primeiro momento, em buscar as suas origens, o que nos leva ao Mar Mediterrâneo, em cujas margens, na Antiguidade, desenvolveram-se diversas civilizações às quais podemos relacionar a existência de representações teatrais, primordialmente aquelas ligadas às cerimônias religiosas. No Egito Antigo, durante a XI dinastia, inaugurada pelo poderoso Mentuhotepe I, já se atesta a presença de variadas representações teatrais cujo objetivo era cultuar as divindades, e que perdurariam por todo o Médio Império (2000-1700 a.C.). Para os deuses Osíris e Ísis eram feitas procissões na cidade de Abidos, às quais acorriam peregrinos vindos de todos os domínios do reino egípcio. Nessa ocasião, as sacerdotisas e sacerdotes reviviam o martírio do deus e a sua ressurreição. Além disso, o calendário egípcio reservava, para cada divindade, uma data considerada sagrada, e os cerimoniais religiosos contemplavam momentos de grande dramaticidade, O TEATRO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA 12 em que a preocupação era reverenciar e agradecer os benefícios divinos. Mais tarde, em território grego, essa tradição, aliada à intenção dos seus dirigentes de proclamar uma identidade política e cultural, mesclando as histórias das famílias reais, das batalhas travadas com outros povos, deu origem ao teatro grego, considerado o berço do teatro ocidental. É importante ressaltar, que em toda a Antiguidade fervilhavam representações teatrais entre os diferentes povos margeados no Mediterrâneo -os povos mais tarde considerados "ocidentais" -ou entre as civilizações orientais. Embora com características diferentes, o teatro já existia no continente asiático mesmo antes de o teatro grego se estabelecer, e suas singularidades persistem até nossos dias. Na Índia, por exemplo, cinco séculos antes de Cristo, os poemas épicos Mahabharata e Ramayana foram fonte de inspiração para os dramaturgos hindus, principalmente no teatro de sombras. Na China, durante a dinastia Hsia (2205 a 1766 a.C.), celebrações de caráter religioso, acontecimentos nas cortes reais e feitos militares eram dramatizados de forma pomposa e grandiloquente por companhias reais, ou ainda que de maneira singela, por grupos que perambulavam por entre as pequenas aldeias e as grandes cidades do império. TEATRO GREGO As formas dramáticas gregas -a tragédia e a comédia -tiveram tamanha força e intensidade no seu tempo, que atravessaram os séculos inspirando criações e fornecendo modelos teatrais vindouros até chegar à contemporaneidade. Tratava-se de um teatro cívico, organizado pelo Estado, com a finalidade de promover o sentimento de responsabilidade e o zelo pelas coisas públicas entre os cidadãos da pólis, bem como a unidade entre os diversos povos que compunham a sociedade grega. A grandiosidade do espetáculo mobilizava todos os povos 13 helênicos, que acorriam aos teatros ao ar livre para ver e ouvir encenadas as histórias dos seus reis, rainhas, heróis, deuses e deusas, além dos seres sobrenaturais que povoavam suas crenças religiosas, dando origem ao que hoje conhecemos por mitologia grega. Conhecer o teatro grego implica em adentrar, ainda que timidamente, no labiríntico e fascinante mundo da mitologia, percorrendo a trajetória humana na sua busca por compreender a origem e o movimento que rege todas as coisas. Nessa tentativa, foram criados códigos e símbolos cada vez mais fascinantes e complexos -os mitos. Junito de Souza Brandão (1986, p.39) afirma que: "Rememorando os mitos, reatualizandoos, renovando-os por meio de certos rituais, o homem torna-se apto a repetir o que os deuses e os heróis fizeram 'nas origens', porque conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas". Assim, a afirmação de Aristóteles "[...] o filósofo é também amante do mito, pois o mito consiste em coisas admiráveis", muito bem se aplica à tragédia grega, lugar por excelência próprio para abordar as questões humanas de forma viva, pulsante, sendo o próprio homem o protagonista e espectador das histórias que lhe são pertinentes, através do mito ou não, na busca pela completude do seu ser. Para o filósofo, no culto ao deus Dioniso está a origem do teatro grego: em sua forma ditirâmbica, a tragédia, e nos solistas dos cantos fálicos, a comédia. Em tempos remotos, por ocasião do outono, após a vindima, os povos helênicos cultuavam o deus que lhes mostrara os segredos do cultivo da uva e da sua transformação em vinho, a bebida dos deuses. Também denominado "deus bode", em sua homenagem ostentavam um grande falo, ornamento em procissão, símbolo da fertilidade. Na celebração do deus, o ritual -regado a vinho e danças lascivas permitidas pela liberação dos sentidos, e provido de sacrifícios e de cânticos salmodiados, nos ARISTÓTELES, Metafísica, I, 2. 982b, p.12 e ss. 14 quais eram narrados os feitos divinos -era finalizado de forma orgiástica. Na sua evolução, tal ritual assumiu uma forma prédramática, transformando-se nos ditirambos, nos quais, sob o comando de um líder e regente -o corifeu -cinquenta membros de um coro entoavam um cântico, a partir de poemas líricos escritos em honra a Dioniso. Aristóteles afirma que, no ditirambo, reside uma das fontes da tragédia, fruto do diálogo estabelecido entre o coro e o corifeu transformado em protagonista. A festividade transpõe os limites do campo e passa a vigorar no calendário da pólis no governo de Psístrato, durante as chamadas dionisíacas urbanas comemoradas na primavera, numa das quais uma tragédia escrita por Téspis, criador da figura do primeiro ator que dialogaria com o coro, o corifeu, foi pela primeira vez representada. A partir de 534 a.C., o governo democrático ateniense estabelece os concursos públicos realizados durante três festivais anuais, em honra a Dioniso: os de Lenaia, a dionísia rural e a dionísia urbana. A administração desses festivais ficava a cargo de um arconte, o principal magistrado civil de Atenas. O custo da produção era dividido entre o Estado, responsável pela manutenção do teatro, pelo pagamento do coro e dos prêmios e os coregos, espécie de mecenas da época, escolhidos entre os poderosos da cidade, que subvencionavam os atores, os cenários e os figurinos. Cada concurso comportava três concorrentes trágicos e cinco cômicos. Os prêmios eram destinados aos poetas e, mais tarde, também aos atores e coregos. Não é conhecido, porém, o critério que estabelecia quem recorria à premiação (VASCONCELLOS, 1987, p. 196). 15 A adoração a Dioniso era notadamente popular, pois estava ligada a todos os rituais de fertilidade, do crescimento, do milagroso espetáculo da primavera, e mais tarde, aos do vinho, após a colheita da uva no outono. Tal adoração foi um dos substratos temáticos das obras de grandes tragediógrafos como Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, e era representada nos festivais de teatro primaveris e outonais, principalmente, na Grande Dionísia, em Atenas. Tais festivais duravam em torno de quatro a cinco dias e eram realizados em teatros feitos ao ar livre, aproveitando a geografia acidentada da Grécia. Com acústica perfeita, ofereciam de trinta a oitenta mil lugares, sendo que o público era composto por gente de toda ordem: cidadãos gregos, escravos e estrangeiros que vinham de todos os rincões do território helênico. Nas tragédias, no máximo três atores se revezavam em cena para interpretar os personagens. O figurino era composto por robes acolchoados, feitos de matelassés para alongar suas figuras no palco, além de coturnos (sapatos de sola bem alta) e...