Isabel Cluny - Academia.edu (original) (raw)
Qual seria o olhar do nobre-diplomata sobre a corte onde exerceu a sua Missão? A esta proposta de... more Qual seria o olhar do nobre-diplomata sobre a corte onde exerceu a sua Missão? A esta proposta de comunicação procurarei responder com os dados que recolhi na investigação realizada, anos atrás, sobre os dois diplomatas, D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, que participaram nas negociações da Paz de Utreque. Porém, antes de contrapor o olhar de duas figuras cimeiras da diplomacia portuguesa do princípio do século XVIII, sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII, terei de esclarecer dois ou três aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, é fundamental distinguir História da Diplomacia, da História Diplomática. De facto, enquanto a História Diplomática se limitou a recolher e interpretar dados sobre todas as negociações oficiais que os Estados realizaram entres si, recorrendo para tal a uma profusão de fontes existente e tendo como objectivo transmitir uma narrativa racional e explicativa das orientações políticas adoptadas por cada Estado, em matéria de política externa, a História da Diplomacia, procura entender o diálogo entre os Estados, no tocante à técnicas, aos métodos e às ideias que estão associadas às negociações. Ora, ao dar relevo à observação dos principais agentes das negociações, quer fossem soberanos, embaixadores ou informadores, a História da Diplomacia permitiu-nos perscrutar o olhar do diplomata sobre a corte onde desempenhava a sua missão. Neste caso, tanto D. Luís da Cunha e como Conde de Tarouca, observaram as cortes onde exerceram as missões e para as quais foram nomeados pelo seu soberano. Em segundo lugar, convém esclarecer que o olhar do diplomata sobre as cortes onde viveu, não deve ser confundido com a sua análise da política externa. De facto a diplomacia é em si mesma um métier, uma função e seu exercício obrigava a um conjunto de "competências" das quais faziam parte a representação, a informação e a negociação. Ora, é muito fácil, para nós investigadores, confundirmos a informação prestada pelos ministros público sobre as cortes onde desempenham uma missão e a sua visão sobre a mesma corte. A distinção entre uma e outra é, por vezes, ténue e para as distinguir é necessário cotejar a correspondência oficial e a particular, a formal e a informal, ou seja verificar, em cada momento, o que cada representante escreve, enquanto diplomata para a Secretaria de Estado que o tutela e as informações que envia, enquanto observador estrangeiro, numa corte diferente da sua. 2 Por último, não podemos apresentar os olhares dos diplomatas sobre as cortes europeias, como se o corpo diplomático fosse um conjunto homogéneo. Para além das diferenças individuais, essa forma de olhar para o outro depende também da qualidade do ministro público em estudo. Na altura, as nomeações dependiam do monarca e, grosso modo, este cingia as nomeações a dois tipos : negociação ou representação, conforme o tipo de missão que pretendia que os seus representantes desempenhassem. Se a missão exigia determinados conhecimentos na área do Direito, geralmente escolhia entre os homens de letras com experiência nas magistraturas, sendo-lhe atribuído o título de Enviado. Por sua vez, se o que estava em causa era a representação do soberano numa solenidade, era escolhido um nobre de uma Casa titular que prestigiasse a pessoa do monarca que o nomeou. Ora, esclarecidas estas questões, podemos debruçar-mo-nos sobre o olhar que os dois diplomatas, D.Luís da Cunha e o Conde de Tarouca, tiveram sobre as cortes e a diplomacia europeias do século XVIII. Ambos pontuaram no congresso da Paz de Utreque, mas um e outro têm características distintas. João Gomes da Silva, Conde Tarouca, nomeado Embaixador Extraordinário de Portugal ao Congresso da Paz, correspondia ao modelo de diplomata de Representação. Descendente de uma Casa titular, Vilar Maior / Alegrete, pertencendo a uma rede clientelar de corte, manifestou cedo uma capacidade invulgar para se adaptar aos contextos culturais diferentes do seu. Ainda jovem acompanhou o pai numa digressão diplomática, em 1687,a Heidelberg, a fim de negociar o segundo casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia de Neubourg. A união, com Joana de Menezes, 4ª condessa de Tarouca 1 , em 1688, permitiu-lhe o acesso ao título de 4º Conde de Tarouca, que pertencera à família Menezes e remontava a D. João de Menezes, 1º Conde de Tarouca 2 . Seguindo a tradição familiar, o conde de Tarouca em Maio de 1694, habilitou-se a Familiar do Santo Ofício Governador do forte de Lisboa em Alcântara, em 1701, o Conde de Tarouca seria um dos nobres presentes na recepção oferecida ao arquiduque Carlos (III) quando este desembarcou em Lisboa. Decorria ainda o ano de 1704 quando João Gomes da Silva foi nomeado capitão de cavalaria da Guarda Real para as campanhas da Beira e deputado da Junta dos Três Estados. Contava então trinta e três anos. Em de 1705 vamos encontrar o Conde de Tarouca, como Sargento Mor de Batalha 4 , na Guerra da Sucessão de Espanha. No ano seguinte ainda permanecia na Beira acompanhado o marquês de Fronteira acabando por participar na campanha do marquês de Minas contra a fortaleza de Alcântara. Incumbido pelo Marquês de Minas de redigir os termos da capitulação da praça espanhola de Alcântara, seria umas das primeiras tarefas, ao serviço do rei de Portugal, que lhe valeu notoriedade. A subida de D. João V ao trono abriu a Tarouca a possibilidade de viajar para Inglaterra na qualidade de emissário do rei, tendo este decidido nomeá-lo Embaixador e Plenipotenciário ao Congresso de Paz. Entre 18 de Junho de 1709 e em Agosto de 1709 recebeu três Instruções diferentes. De facto, a ruptura das negociações entre a Secretaria de Estado, então tutelada por Diogo de Mendonça Corte Real, e o Embaixador Extraordinário britânico em Portugal, Lord Gallway , 5 mudaria a natureza da sua missão. As novas circunstâncias obrigá-lo-iam assim a viajar para a Corte inglesa sem carácter e consequentemente sem credencial de Embaixador. Durante algum tempo o Conde de Tarouca permaneceu em Londres, sendo mais tarde nomeado Embaixador Extraordinario e Primeiro Plenipotenciário, na Holanda, a fim de se inteirar sobre os "preliminares do Congresso de Paz ". No mês Julho de 1710 já encontrava-se na Haia, juntamente com cerca de 50 ministros estrangeiros. Apesar de nenhuma das nomeações ter sido do seu agrado, uma vez estabelecido na Haia entendeu que teria desempenhar o melhor possível a sua missão. Tarouca não desconhecia que um desaire seu no Congresso faria perigar o seu bom-nome, o da Casa onde nasceu e o da Casa onde ingressara pelo casamento. Competia-lhe manter o prestígio da Casa Alegrete/Tarouca e essa motivação orientou a sua actuação durante os vários anos em que permaneceu na Holanda, mais tarde em Cambrai ( 1720) e finalmente em Viena onde viria a falecer em 1735. 4 Oposto de Sargento Mor de Batalha equivalia a auxiliar de Mestre de Campo General, superior portanto a coronel. 5 Marquês de Ruvigny. Sairia de Portugal em Setembro de 1710, a pedido de Portugal. A forte personalidade do Conde de Tarouca marcaria toda a sua actuação nas embaixadas pelas quais passou. Audaz nas palavras, nas propostas e atitudes, o seu comportamento deixava adivinhar a sua origem social, a educação erudita e informal mas, sobretudo, a prática militar que adquiriu, ao serviço de D. João V, durante a guerra em Espanha. Homem de afectos, crítico e fogoso, como ele próprio gostava de se definir entabulou a par de uma correspondência oficial em Londres, uma correspondência particular abundante, que manteve ao longo da sua estada na Europa e que nos permite sentir o pulsar dos seus sentimentos durante os diversos momentos em que actuou nas Cortes europeias. Ao contrário de Tarouca, D. Luís da Cunha pertencia ao universo da diplomacia de negociação. Originário da Casa dos Cunhas, nobreza não titular, era filho segundo do Guarda-mor da Torre do Tombo. Estudou em Coimbra, onde se licenciou em Cânones. Nomeado directamente para desempenhar o cargo de desembargador, funções que aliás nunca foram do seu agrado, partiu para Londres, pouco tempo depois, na qualidade de Enviado, a fim de substituir o Visconde da Fonte Arcada. O novo lugar surgiu-lhe recheado de atractivos. Mal chegou a Londres gostou da cidade, da vida em Inglaterra, das mulheres, 6 mas acima de tudo interessou-lhe a diplomacia e o jogo político que esta implicava. Preocupado em desempenhar o cargo com sucesso embrenhou-se a fundo no estudo da História da Diplomacia europeia, tomando contacto com as obras publicadas na Europa e fazendo uma leitura crítica das mesmas. A análise que fez da política inglesa, e mais tarde da política europeia, relevou do interesse que lhe despertaram, conceitos, métodos, práticas políticas e diplomáticas das cortes onde residiu. Cuidadoso, paciente e estudioso, dispor-se-ia imediatamente a aprender os meandros da diplomacia com os ministros das Cortes europeias. Tendo começado a partir do zero, pois segundo confessou, ao sair de Lisboa pouco mais sabia que despachar um "feito" e com uma formação em jurisprudência que lhe foi pouco útil para entrar nos princípios da Política, D. Luís, uma vez em Londres aplicou-se à convivência com os ministros ingleses, o que muito contribuiu para a sua aprendizagem das regras e métodos da política internacional. Ao longo da sua carreira que começou, como se disse, em Londres no ano de 1696 e que viria a terminar em Paris, em 1749, com o seu falecimento, D. Luís da Cunha evidenciou sempre o gosto pela diplomacia, bem como pela análise da situação política internacional. 6 Por esta altura ter-se-ia casado com Catherine Brawn. Conforme provámos em D. Luís da Cunha e a ideia de diplomacia em Portugal, UNL, 1996 pelos dotes." 9 E, por fim, referindo-se à ausência de divertimentos em Londres apontou como causa o luto da rainha, um luto que todos sabiam sentido, pois a morte do Príncipe Jorge (Dinamarca), seu esposo, tinha sido muito dolorosa para ela. Estas apreciações reflectem as impressões de um nobre-diplomata...