Mônica Simioni - Academia.edu (original) (raw)
Uma vida dedicada ao desenvolvimento É sempre necessário registrar o papel estratégico que a prof... more Uma vida dedicada ao desenvolvimento É sempre necessário registrar o papel estratégico que a professora Maria da Conceição Tavares desempenhou tanto na luta política por um Brasil mais justo quanto na desconstrução dos mitos-muitos deles importados-da economia política nacional. Sempre ativa na nossa vida política e intelectual, Conceição Tavares-juntamente com pensadores da envergadura de Celso Furtado, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro-nos ajudou, e ajuda, a identificar as singularidades do desenvolvimento brasileiro. A experiência recente, inaugurada e aprofundada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está nos mostrando que grandes transformações socioeconômicas são possíveis sem que precisemos transplantar modelos de outras latitudes ou que desperdicemos nossos esforços lamentando nosso "atraso". Uma das muitas coisas que a professora Conceição Tavares nos ensinou foi que o desenvolvimento, como a efetivação de um Brasil com melhores oportunidades que assegurem mobilidade social para todos, não será nem obra da ação espontânea da "mão invisível" do mercado, nem cópia caricatural dos padrões de acumulação e de consumo da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. Um Brasil desenvolvido não será resultado apenas do livre comércio ou de uma industrialização sem definição estratégica. Não existe uma fórmula simples para solucionar os nossos complexos desafios. As benéficas transformações Maria da ConCeição Tavares 20 que vivemos nos últimos anos são resultado da combinação de ousadia para fazer diferente, liderança, criatividade e vontade. O professor Celso Furtado nos ensinou, ao longo da sua bela obra, que só poderíamos vencer a dependência e o subdesenvolvimento com criatividade. E mais, ele afirmava que nenhuma sociedade se desenvolveria se assim não o quisesse. A prática do otimismo da vontade-conceito caro a um filósofo do quilate de Antonio Gramsci-é o que nos permite reconhecer a complexidade do real, não abrindo mão da nossa capacidade de transformá-lo. A atual conjuntura social, econômica e política do nosso Brasil é a prova disso: de que, ao contrário do que ocorria em sombrios tempos pretéritos, é possível crescer incluindo cada vez mais pessoas na esfera da cidadania e do gozo dos direitos constitucionais. Agora o bolo em crescimento já está sendo servido à mesa de todos os brasileiros. Como a professora Conceição Tavares sempre diz: "estou lutando pela igualdade desde que cheguei aqui... e só agora acho que estamos no rumo certo." Essa conjuntura é baseada no crescimento econômico continuado, na redução da pobreza e das desigualdades, na valorização real do salário-mínimo como política de Estado, na expansão da renda do trabalho, nos sucessivos recordes na geração de empregos formais (melhor distribuídos geograficamente, como atestam os excepcionais resultados do Nordeste e da Bahia) e no ingresso de cada vez mais pessoas nos estratos médios de renda. Todas essas metamorfoses, nunca antes sentidas na história do nosso país, são o resultado da livre e soberana escolha popular por um projeto político-capitaneado pelo presidente Lula-antenado com a necessidade de construir um Brasil desenvolvido; e que teve, sem dúvida, a obstinada colaboração de "intelectuais orgânicos do povo" como a professora Conceição Tavares. De fato, nosso Brasil está passando por diversas transformações que estão fazendo virar realidade o nosso caminho para uma nação desenvolvida. Estamos assistindo ao reencontro entre o Estado e a nação brasileira: não mais uma nação sem Estado (aprisionada por disputas particulares) e não mais um Estado sem nação, governando de costas para o povo. Contudo, ainda restam muitos obstáculos a serem superados, a exemplo da erradicação da pobreza. A construção das condições sociais para a igualdade de oportunidades entre gêneros talvez seja um dos desafios nacionais de mais difícil solução. O certo é que esse tema é muito oportuno. Não só pela merecida homenagem que prestamos à professora Conceição Tavares-exemplo de mulher corajosa que sempre defendeu suas ideias, ignorando injustas "convenções eva Chiavon desenvolviMenTo e igualdade 21 de gênero"-mas também pela recente publicação do comunicado nº 65 (Ipea) que investiga a chefia feminina nas famílias brasileiras a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns fatos chamam a atenção no referido documento. Um deles diz respeito ao aumento da proporção de famílias chefiadas por mulheres no Brasil entre 2001 e 2009, que passou de aproximadamente 27% para 35%, representando hoje mais de 21 milhões de famílias que identificaram uma mulher como principal responsável pelo sustento familiar. Outro se refere à manutenção de ampla desigualdade nos rendimentos obtidos. A renda média do trabalho principal das mulheres chefes em casais sem filhos representa cerca de 80% da renda dos homens cônjuges nas mesmas famílias. No caso dos casais com filhos, a renda das mulheres chefes representa 73% da renda média de seus maridos. Apesar dessas desigualdades, a maior participação das mulheres brasileiras no mercado de trabalho tem se traduzido em maior autonomia e empoderamento feminino. A eleição da primeira mulher presidente do Brasil-a companheira Dilma Roussef-é mais um belíssimo exemplo que simboliza esses novos tempos de ares mais democráticos, mais justos e mais humanos, construídos e conquistados por todas as brasileiras e todos os brasileiros. Em um dos seus livros mais famosos-Brasil, a Construção Interrompida-, o professor Celso Furtado mostrava-se preocupado com a interrupção do processo de formação econômica brasileira e a perda de nossa esperança de desenvolvimento. Alguns anos depois, a angústia do mestre Furtado foi-para a felicidade dele também, onde quer que esteja-substituída pela esperança vivida na construção cotidiana de um Brasil desenvolvido, onde a garantia do pleno exercício da cidadania e a igualdade de oportunidades são a regra e não mais uma exceção. RicaRdo Bielschowsky A gradeço a João Sicsú e ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pelo convite para falar sobre a obra de Maria da Conceição Tavares: uma honra, uma alegria, e excelente ocasião para traduzir, em sua presença, a admiração que tenho-e todos nós aqui-por ela. Algumas palavrinhas sobre a Conceição no plano humano: integridade, lealdade para com a família, os amigos e as causas políticas (e nisto, disciplina); um espírito humanista e universalista, no qual sempre coube também paixão pelo Brasil, e coragem para a exposição pública de ideias raramente convencionais e frequentemente "hereges" (que expunha mesmo durante o período mais duro da ditadura). Além disso, a energia. Conceição é uma guerreira no front intelectual da luta política por uma sociedade mais democrática e mais justa. No plano intelectual: mente brilhante, solidez teórica em economia, cultura histórica, e perspectiva multidisciplinar. Nunca pretendeu fazer análises "totalizantes"-ao contrário, sempre fez burla disso-mas sempre teve a sensibilidade que os economistas tradicionais não possuem para as disciplinas afins, como a sociologia, a ciência política, a história. Para ela, a economia é uma disciplina social e histórica que para ser bem empregada requer, é claro, conhecimento teórico, mas requer também análises que saiam do âmbito restrito das aborrecidas tecnicalidades e ajudem a entender a história e a sociedade em toda sua complexidade. E, não menos importante, a poderosa combinação entre criatividade e rebeldia: mexe com a cabeça dos alunos e dos colegas, obrigando todo mundo a "pensar grande". As preferências teóricas e metodológicas são conhecidas de todos nós: admiração pelos clássicos e por Marx; e, entre os autores do século XX, Keynes, Kalecki, Schumpeter e, talvez, Steindl. Maria da ConCeição Tavares 24 Mas Conceição é, essencialmente, uma economista do desenvolvimento, heterodoxa, eclética. Suas abordagens dão-se de forma ad hoc, de acordo com as necessidades da reflexão que está realizando-que é como fazem aqueles que pensam de forma livre, dando espaço para a criatividade para organizar ideias, formular hipóteses e transformá-las em teses. Para exercer esta função, sua principal ferramenta é o método histórico-estrutural da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), inspirado em Raul Prebisch, Celso Furtado e em Aníbal Pinto. Outro pensador que exerceu influência sobre Conceição, por sua originalidade e liberdade, foi Ignácio Rangel. Por que o método histórico-estrutural? Porque contém uma teorização sobre os movimentos de médio e longo prazos das economias periféricas latino-americanas, entendidos como peculiares, processados sobre estruturas produtivas, financeiras, institucionais e sociais relativamente subdesenvolvidas. E porque é adequado à personalidade intelectual de Conceição, como livre pensadora da teoria estruturalista das condições de desenvolvimento da nossa periferia. É um método que abre espaço para o "indutivo", que lhe permite acomodar e organizar com grande flexibilidade as intuições que sua mente rebelde, irrequieta e criativa exige. Numa entrevista para o livro Conversas com Economistas Brasileiros, ela disse o seguinte: (...) o método que utilizo é sempre histórico-estrutural. Eu e todos os demais, os mais velhos que fizeram alguma coisa de relevante, neles incluído Delfim Netto. Ninguém ficou imune a um Furtado, a um Caio Prado, a um Rangel, a um Gilberto Freyre. Ninguém ficou imune aos grandes pensadores brasileiros, e todos são histórico-estruturalistas, todos" (BIDERMAN; COZAC; REGO, 1996, p. 138). Sua obra escrita pode ser dividida em dois grandes períodos: até as proximidades de 1980, na era desenvolvimentista, e depois dela. Ou seja, o primeiro diz respeito à presença do crescimento, e o segundo trata de elementos que causam sua ausência. Nesta apresentação, vou me ater, principalmente, ao primeiro período. Com relação ao...