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Papers by Paula Gomes

Research paper thumbnail of Diálogos entre a vida e a morte nos filmes de zumbis: aproximações e disrupções

"O único mito moderno é o mito dos zumbis" (2010: 445), anunciaram Gilles Deleuze e Félix Guatta... more "O único mito moderno é o mito dos zumbis" (2010: 445), anunciaram Gilles Deleuze e Félix Guattari em 1972. Esta ideia adquire novo fôlego atualmente, um momento marcado pela presença quase ubíqua do mito do zumbi nas mais variadas instâncias significativas do cenário cultural global. Mas, se considerarmos apenas a trajetória da representação cinematográfica dessas criaturas, podemos observar uma produção bastante extensa e heterogênea, que se inicia logo nas primeiras décadas do século 20. Desde as primeiras aparições do zumbi nos cinemas até a sua quase onipresença em todas as mídias nos dias atuais, muitas mudanças podem ser observadas nessas criaturas. Neste artigo iremos tratar especificamente de uma delas. A natureza da relação estabelecida entre os personagens e os zumbis sempre se caracterizou pela noção de proibição: não era possível estabelecer qualquer tipo de vínculo entre eles além da abjeção que essas criaturas causavam aos vivos. No entanto, podemos observar um movimento recente de diluição dessas fronteiras em histórias de zumbis contemporâneas que seguem explorando diferentes possibilidades de diálogo entre esses dois tipos de personagens. Quando assistimos aos primeiros filmes de zumbis realizados nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, é bastante perceptível que nessas histórias a relação entre os zumbis e os humanos é marcada pela ideia de impedimento, de impossibilidade de interação afetiva. Podemos observar isto muito claramente em Zumbi branco (Victor Halperin, 1932) e A morta-viva (Jacques Tourneur, 1943). Estes filmes são ambientados no Caribe, e suas tramas giram em torno do mito do zumbi haitiano, figura da cultura do Haiti que pode ser descrita como um indivíduo que, por meio de feitiços, morre e retorna à vida para servir a um mestre (1). As tramas giravam em torno de personagens norte-americanos que abandonavam seus territórios familiares com destino a uma ilha do Caribe que, no decorrer dos filmes, revelava-se um local perigoso, regido por forças sobrenaturais, de modo que o espaço era bipartido simbolicamente entre o domínio da racionalidade (os Estados Unidos) e o espaço dominado pelo sobrenatural e numinoso (o Caribe). A entrada dos norte-americanos no espaço caribenho é representada como um movimento transgressor que coloca em risco suas vidas, e a retaliação se materializa por meio da ameaça de que as personagens norte-americanas femininas sejam transformadas em zumbis. Segundo o mito haitiano, a transformação de um indivíduo em zumbi corresponde a um "roubo" de sua alma e, deste modo, resulta na impossibilidade de estabelecer qualquer vínculo afetivo com outra pessoa. No entanto, nesses filmes, a transformação de uma personagem feminina em um zumbi também representava a ameaça de que ela pudesse ser possuída sexual e simbolicamente por um caribenho. A premissa de que uma mulher branca pudesse se tornar um zumbi sob o domínio de um caribenho era particularmente assustadora nesse período, na medida em que simbolizava o temor norte-americano em relação ao contato com essa cultura, e com a miscigenação racial, de modo que "o verdadeiro horror desses filmes estava centrado da possibilidade de um ocidental se tornar

Research paper thumbnail of O novo cinema de Pernambuco

Research paper thumbnail of Her, Mr. Robot: as representações da subjetividade e da tecnologia no audiovisual contemporâneo

A tecnologia é assunto naturalmente onipresente no audiovisual, um meio que tem a própria existên... more A tecnologia é assunto naturalmente onipresente no audiovisual, um meio que tem a própria existência condicionada a dispositivos tecnológicos, como a película fotográfica, ou o conjunto de pixels da imagem digital. Dessa maneira, a temática da relação entre humanos e artefatos como máquinas, robôs, sistemas digitais e inteligências artificiais, já era explorada desde os primeiros anos do cinema, com a comédia Gugusse et l´automate (1897) de Georges Méliès, sobre um palhaço de circo que produz um robô e este passa a persegui­lo. Pode­se dizer, inclusive, que esse tipo de trama, na qual algum tipo de tecnologia desenvolvida para potencializar a capacidade humana acaba subjugando­a, gerando resultados catastróficos, sempre esteve presente no horizonte do cinema narrativo, passando por clássicos como Metropolis (Fritz Lang, 1927) até célebres filmes contemporâneos como Matrix (Andy Wachowski e Lana Wachowski, 1999). O questionamento da clássica polarização humano­tecnologia, já muito abordado por teóricos como Félix Guattari (1987), é bastante presente no cinema, em particular a questão da subjetividade, na medida em que, segundo André Parente, "uma máquina que não fosse investida de desejo e alimentada de subjetividade seria um corpo sem vida" (Parente, 2004: 93). Muitos filmes (em frequente diálogo com a literatura) lidam diretamente com esse tema: em 2001­Uma odisseia no espaço (Stanley Kubrick, 1968) o supercomputador de bordo da espaçonave Discovery, HAL 9000, enquanto está sendo desligado, emite suas icônicas últimas palavras "eu posso sentir" e "eu estou com medo". Em Blade runner (Ridley Scott, 1982), o replicante Roy Batty, ao não conseguir evitar a sua própria morte, lamenta­se: "Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque ardendo no ombro de Órion. Eu vi raios­c brilharem na escuridão próximos ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer". Já nos filmes A.I. Inteligência artificial (Steven Spielberg, 2001) e O homem bicentenário (Chris Columbus, 1999) a busca dos robôs David e Andrew pelo amor materno e romântico, respectivamente, faz com que eles caminhem voluntariamente ao encontro da mortalidade. O tema também foi explorado de forma satírica no filme O guia do mochileiro das galáxias, (Garth Jennings, 2005) que nos apresenta o robozinho Marvin, uma máquina que, por considerar que suas capacidades intelectuais estão sendo subutilizadas em tarefas medíocres, sofre de depressão crônica. Ainda que muitos filmes contemporâneos continuem explorando a questão da subjetividade em inteligências artificiais como Chappie (Neill Blomkamp, 2015), podemos observar nas produções recentes Her e Ex Machina uma inversão de foco, na medida em que esses filmes parecem mais interessados em questionar como a interação com robôs ou inteligências artificiais estão redefinindo a subjetividade humana. O filme Her (Spike Jonze, 2013) passa­se em uma futura Los Angeles e é sobre Theodore, um homem comum que trabalha em uma empresa especializada em escrever e enviar cartas sob encomenda. Após o término de seu casamento, Theodore se encontra cada vez mais solitário e recluso, apresentando um comportamento introspectivo que contrasta com a facilidade que demonstra em produzir cartas extremamente afetivas em nome de outras pessoas. A trama se inicia quando o personagem decide testar um novo sistema operacional lançado no mercado que consiste em uma inteligência artificial personalizável e com grande capacidade de evolução que, segundo o anúncio, é capaz de organizar e facilitar imensamente a vida de seus clientes. Após Theodore responder rapidamente a algumas perguntas sobre sua vida e seu perfil, e optar por um sistema de gênero feminino, esse rapidamente começa a operar sob o nome de Samantha. O software é tão avançado que é capaz de manter horas de diálogo com o seu cliente, e essa interação com o usuário e com a rede em que está conectado proporciona uma espécie de "evolução" dessa

Research paper thumbnail of O APOCALIPSE COMPARTILHADO EM THE WALKING DEAD

RESUMO Esse artigo visa explorar o mundo ficcional da história em quadrinhos The Walking Dead e o... more RESUMO Esse artigo visa explorar o mundo ficcional da história em quadrinhos The Walking Dead e o processo de adaptação desta narrativa para uma série televisiva. Para atingir tal objetivo iremos analisar o subgênero do Apocalipse Zumbi e sua relação com a narrativa seriada; as mudanças narrativas operadas na adaptação sob uma perspectiva de compartilhamento de universos ficcionais em uma franquia de mídia; e a dinâmica de compartilhamento do universo entre os criadores e os fãs.

Research paper thumbnail of independência multiplataforma e auto-sustentabilidade no audiovisual de ficção: entrevista com joel caetano e mariana zani (rzp filmes)

Research paper thumbnail of A PUNIÇÃO NO AUDIOVISUAL NORTE- AMERICANO E BRASILEIRO: ENTRE O TRIBUNAL E A PRISÃO

Research paper thumbnail of Dissonâncias entre Nelson Freire e o documentário musical brasileiro convencional

Introdução O crescente interesse do documentário brasileiro pela música produziu de-zenas de film... more Introdução O crescente interesse do documentário brasileiro pela música produziu de-zenas de filmes, dos quais, uma parcela significativa trata de reconstruir a tra-jetória de emblemáticos personagens da música brasileira. Esses documentá-rios-que resgatam memórias e fatos relacionados aos personagens retratados-constituem uma tendência dentro do documentário musical brasileiro con-temporâneo, a qual intitulamos de biografia convencional, caracterizada pela linearidade discursiva, que seleciona certos acontecimentos significativos e es-tabelece entre eles conexões que lhes conferem coerência. Parece-nos que a principal preocupação dos filmes alinhados a esta tendência é a de extrair uma lógica dos múltiplos acontecimentos que compõem a trajetória de um artista, de modo a construir uma narrativa que busca dar a essa trajetória uma unidade coerente. É a partir de entrevistas com pessoas ligadas aos personagens biografados que estes filmes constroem uma biografia cronologicamente linear, cerimonial e enaltecedora. A formulação chave dessa tendência biográfica costuma dar preferência ao caráter informativo da palavra falada. É combinando diversas

Research paper thumbnail of Emprego doméstico e a arquitetura da desigualdade

clusivamente nos núcleos cômicos de telenovelas, nos últimos anos al­ guns filmes têm colocado a ... more clusivamente nos núcleos cômicos de telenovelas, nos últimos anos al­ guns filmes têm colocado a empre­ gada em muitos outros cenários pro­ pondo interessantes reflexões sobre o tema e explorando, entre outras questões, a arquitetura da desigual­ dade no Brasil, caracterizado por ambientes como a "área de serviço", o "quarto de empregada" e o "eleva­ dor de serviço". Como revelou Joel Zito Araújo, no livro A negação do Brasil: o ne-gro na telenovela brasileira (2004), o papel da empregada era qua­ se sempre interpretado por uma atriz negra, único espaço que elas tinham na televisão. Os primeiros sinais de mudança aparecem com o lançamento da comédia Domés-ticas (2001), dirigida pelo, então estreante, Fernando Meirelles e por Nando Olival. Apesar da inovação de trazer para as telas um grupo social até então ignorado, o filme foi bastante criticado por produzir um retrato estereotipado das em­ pregadas domésticas que aparecem cometendo equívocos gramaticais e culturais. Além disso, o fato de o filme não mostrar as empregadoras foi entendido como uma maneira de poupá­las de qualquer crítica. Após esta primeira incursão humo­ rística, a empregada doméstica vol­ ta a protagonizar uma obra audio­ visual no documentário de Gabriel Mascaro Doméstica (2013). Para produzir o filme, Mascaro adotou um procedimento inusitado: pediu para que sete adolescentes previa­ mente selecionados filmassem as funcionárias de suas casas durante uma semana. O resultado da edi­ ção desse material é um retrato in­ timista e dramático da vida dessas sete pessoas e a sua relação com os "patrões­mirins". Ainda que em muitos momentos o filme tenha um tom bem humorado, há uma grande distância do tom cômico e estereotipado que encontramos no filme de Meirelles e Olival. Também vem de Pernambuco ou­ tras duas produções que abordaram a questão da empregada doméstica no país, sob diferentes aspectos. Recife frio e O som ao redor, ambos do di­ retor Kleber Mendonça Filho (2009 e 2012). Em Recife frio uma brusca alteração climática transforma a ca­ pital pernambucana em uma região de baixíssimas temperaturas. A situ­ ação inusitada provoca uma inversão de valores arquitetônicos no aparta­ mento de uma família de classe mé­ dia, na medida em que o filho passa a cinema eMprego doMéstico e a arquitetura da desigualdade O quarto de empregada faz parte de uma tradição arquitetônica bra­ sileira, de segregação, que remonta ao período de escravidão. Ele surge como uma solução para separar em­ pregados e patrões que permanece­ ram vivendo juntos após a abolição, em 1888. A delimitação de espaços de circulação a partir da condição social vem se alterando lentamen­ te, entre avanços e retrocessos. Um bom exemplo foi a aprovação da Lei nº 11.995/1996, que veda a discri­ minação no acesso aos elevadores segundo a condição social das pes­ soas na cidade de São Paulo. Antes de ser aprovado, o projeto de lei gerou bastante discussão e foi tema de uma coluna do jornal Folha de S. Paulo, em que a promoter Danie­ la Diniz dizia: "não é uma questão de discriminação, mas de respeito. Acho que cada um deve ter o seu es­ paço". Outra importante conquista dos empregados domésticos veio em 2013, com a aprovação da "PEC das domésticas", que estende os bene­ fícios trabalhistas já existentes para essa classe de trabalhadores. Essas mudanças acabaram por colo­ car a empregada doméstica também na pauta da produção audiovisual brasileira. Se até os anos 2000, era uma figura retratada quase que ex­ Cinema brasileiro recente traz novas visões sobre o empregado doméstico Divulgação 7_Cultura_p60a68_68_2.indd 64 5/9/16 5:17 PM

Research paper thumbnail of POR UM CINEMA INFILTRADO: ENTREVISTA COM ADIRLEY QUEIRÓS E MAURÍLIO MARTINS A PROPÓSITO DE BRANCO SAI, PRETO FICA (2014)

DOC ONLINE, 2015

Branco sai, preto fica (2014), de Adirley Queirós, mescla documentário e ficção científica para d... more Branco sai, preto fica (2014), de Adirley Queirós, mescla documentário e ficção científica para discutir a cidadania e os direitos civis sob a alça de mira do estado. Vencedor do Festival de Brasília de 2014, este longa-metragem recorre ao artifício da viagem no tempo para tratar de um fato real ocorrido em meados dos anos 1980, quando policiais invadiram o Quarentão, baile de black music organizado na cidade de Ceilândia, na periferia da capital federal, e agrediram violentamente os jovens negros que se encontravam no local. O título do filme remete à ordem de um dos policiais agressores, o qual teria ordenado que apenas os brancos deixassem o recinto do baile. O filme de Queirós é ambientado num futuro próximo indeterminado em que a segregação centro-periferia persiste e se intensifica. As populações periféricas são excluídas da capital, notícias de rádio e comunicados sugerem um estado policial racista e o trânsito de pessoas no plano piloto de Brasília só é permitido mediante apresentação de um passaporte. Branco sai, preto fica se estrutura em torno do seguinte eixo: um viajante do tempo, Dimas Cravalanças (Dilmar Durães), chega a Ceilândia num futuro próximo, mas indeterminado, onde vivem dois personagens

Research paper thumbnail of Um estudo sobre construção de mundos no cinema de terror: representações das multidões nos filmes de zumbi

Revista Eco Pos, May 7, 2013

Research paper thumbnail of TERRA DOS MORTOS: O ESPAÇO NARRATIVO NOS FILMES DE ZUMBIS

Este estudo pretende analisar o gênero dos filmes de zumbis estabelecendo um diálogo entre os esp... more Este estudo pretende analisar o gênero dos filmes de zumbis estabelecendo um diálogo entre
os espaços narrativos destas obras, os contextos históricos nos quais elas estão situadas, e as
suas conexões com outras obras em diferentes mídias, em uma perspectiva intermidiática.
Neste sentido, esta pesquisa procurou estudar três espaços narrativos que foram bastante
utilizados nos filmes do gênero: o espaço caribenho, utilizado em filmes norte-americanos do
zumbi haitiano das décadas de 1930-1940; os espaços internos e externos dos Estados Unidos,
ambientes dos filmes de zumbis canibalistas criados por George Romero na segunda metade
do século 20; e grandes capitais mundiais destruídas, presentes em muitos filmes de zumbis
contemporâneos de diversos países Neste contexto, este estudo tem como principal objetivo
propor uma análise espacial dos filmes de zumbis, visando explorar as possíveis
correspondências e inter-relações entre as dicotomias espaciais metrópole/colônia,
interior/exterior e nacional/global, com os contextos históricos e sociais nos quais estas obras
estão contidas.

Thesis Chapters by Paula Gomes

Research paper thumbnail of HUMOR EM CURTO-CIRCUITO: IRONIA E RIDICULARIZAÇÃO NO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

This research aims at the analysis of Brazilian documentaries Violência S.A (Newton Cannito, Edua... more This research aims at the analysis of Brazilian documentaries Violência S.A (Newton Cannito, Eduardo Benaim and Jorge Jafet, 2005); Jesus no mundo maravilha (Newton Cannito, 2007); Um lugar ao sol (Gabriel Mascaro, 2009); Pacific (Marcelo Pedroso, 2009); Banco imobiliário (Miguel Antunes Ramos, 20016) and Turn off (Carlos Segundo, 2013). When looking at these films, which present ironic or sarcastic assertions about social issues and/or the discourse of their interviewees,
the research intends to reflect on fundamental themes in documentary theory. The main questions that will be addressed are: how these discursive strategies diverge from the tradition of "speeches of
sobriety"; what are the specificities of the contract established between the documentary filmmaker and the social actors of ironic and/or sarcastic documentaries and what are the causes and consequences of using humor to discuss social issues.
Keywords: Brazilian Cinema. Documentary. Humor

Research paper thumbnail of Diálogos entre a vida e a morte nos filmes de zumbis: aproximações e disrupções

"O único mito moderno é o mito dos zumbis" (2010: 445), anunciaram Gilles Deleuze e Félix Guatta... more "O único mito moderno é o mito dos zumbis" (2010: 445), anunciaram Gilles Deleuze e Félix Guattari em 1972. Esta ideia adquire novo fôlego atualmente, um momento marcado pela presença quase ubíqua do mito do zumbi nas mais variadas instâncias significativas do cenário cultural global. Mas, se considerarmos apenas a trajetória da representação cinematográfica dessas criaturas, podemos observar uma produção bastante extensa e heterogênea, que se inicia logo nas primeiras décadas do século 20. Desde as primeiras aparições do zumbi nos cinemas até a sua quase onipresença em todas as mídias nos dias atuais, muitas mudanças podem ser observadas nessas criaturas. Neste artigo iremos tratar especificamente de uma delas. A natureza da relação estabelecida entre os personagens e os zumbis sempre se caracterizou pela noção de proibição: não era possível estabelecer qualquer tipo de vínculo entre eles além da abjeção que essas criaturas causavam aos vivos. No entanto, podemos observar um movimento recente de diluição dessas fronteiras em histórias de zumbis contemporâneas que seguem explorando diferentes possibilidades de diálogo entre esses dois tipos de personagens. Quando assistimos aos primeiros filmes de zumbis realizados nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, é bastante perceptível que nessas histórias a relação entre os zumbis e os humanos é marcada pela ideia de impedimento, de impossibilidade de interação afetiva. Podemos observar isto muito claramente em Zumbi branco (Victor Halperin, 1932) e A morta-viva (Jacques Tourneur, 1943). Estes filmes são ambientados no Caribe, e suas tramas giram em torno do mito do zumbi haitiano, figura da cultura do Haiti que pode ser descrita como um indivíduo que, por meio de feitiços, morre e retorna à vida para servir a um mestre (1). As tramas giravam em torno de personagens norte-americanos que abandonavam seus territórios familiares com destino a uma ilha do Caribe que, no decorrer dos filmes, revelava-se um local perigoso, regido por forças sobrenaturais, de modo que o espaço era bipartido simbolicamente entre o domínio da racionalidade (os Estados Unidos) e o espaço dominado pelo sobrenatural e numinoso (o Caribe). A entrada dos norte-americanos no espaço caribenho é representada como um movimento transgressor que coloca em risco suas vidas, e a retaliação se materializa por meio da ameaça de que as personagens norte-americanas femininas sejam transformadas em zumbis. Segundo o mito haitiano, a transformação de um indivíduo em zumbi corresponde a um "roubo" de sua alma e, deste modo, resulta na impossibilidade de estabelecer qualquer vínculo afetivo com outra pessoa. No entanto, nesses filmes, a transformação de uma personagem feminina em um zumbi também representava a ameaça de que ela pudesse ser possuída sexual e simbolicamente por um caribenho. A premissa de que uma mulher branca pudesse se tornar um zumbi sob o domínio de um caribenho era particularmente assustadora nesse período, na medida em que simbolizava o temor norte-americano em relação ao contato com essa cultura, e com a miscigenação racial, de modo que "o verdadeiro horror desses filmes estava centrado da possibilidade de um ocidental se tornar

Research paper thumbnail of O novo cinema de Pernambuco

Research paper thumbnail of Her, Mr. Robot: as representações da subjetividade e da tecnologia no audiovisual contemporâneo

A tecnologia é assunto naturalmente onipresente no audiovisual, um meio que tem a própria existên... more A tecnologia é assunto naturalmente onipresente no audiovisual, um meio que tem a própria existência condicionada a dispositivos tecnológicos, como a película fotográfica, ou o conjunto de pixels da imagem digital. Dessa maneira, a temática da relação entre humanos e artefatos como máquinas, robôs, sistemas digitais e inteligências artificiais, já era explorada desde os primeiros anos do cinema, com a comédia Gugusse et l´automate (1897) de Georges Méliès, sobre um palhaço de circo que produz um robô e este passa a persegui­lo. Pode­se dizer, inclusive, que esse tipo de trama, na qual algum tipo de tecnologia desenvolvida para potencializar a capacidade humana acaba subjugando­a, gerando resultados catastróficos, sempre esteve presente no horizonte do cinema narrativo, passando por clássicos como Metropolis (Fritz Lang, 1927) até célebres filmes contemporâneos como Matrix (Andy Wachowski e Lana Wachowski, 1999). O questionamento da clássica polarização humano­tecnologia, já muito abordado por teóricos como Félix Guattari (1987), é bastante presente no cinema, em particular a questão da subjetividade, na medida em que, segundo André Parente, "uma máquina que não fosse investida de desejo e alimentada de subjetividade seria um corpo sem vida" (Parente, 2004: 93). Muitos filmes (em frequente diálogo com a literatura) lidam diretamente com esse tema: em 2001­Uma odisseia no espaço (Stanley Kubrick, 1968) o supercomputador de bordo da espaçonave Discovery, HAL 9000, enquanto está sendo desligado, emite suas icônicas últimas palavras "eu posso sentir" e "eu estou com medo". Em Blade runner (Ridley Scott, 1982), o replicante Roy Batty, ao não conseguir evitar a sua própria morte, lamenta­se: "Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque ardendo no ombro de Órion. Eu vi raios­c brilharem na escuridão próximos ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer". Já nos filmes A.I. Inteligência artificial (Steven Spielberg, 2001) e O homem bicentenário (Chris Columbus, 1999) a busca dos robôs David e Andrew pelo amor materno e romântico, respectivamente, faz com que eles caminhem voluntariamente ao encontro da mortalidade. O tema também foi explorado de forma satírica no filme O guia do mochileiro das galáxias, (Garth Jennings, 2005) que nos apresenta o robozinho Marvin, uma máquina que, por considerar que suas capacidades intelectuais estão sendo subutilizadas em tarefas medíocres, sofre de depressão crônica. Ainda que muitos filmes contemporâneos continuem explorando a questão da subjetividade em inteligências artificiais como Chappie (Neill Blomkamp, 2015), podemos observar nas produções recentes Her e Ex Machina uma inversão de foco, na medida em que esses filmes parecem mais interessados em questionar como a interação com robôs ou inteligências artificiais estão redefinindo a subjetividade humana. O filme Her (Spike Jonze, 2013) passa­se em uma futura Los Angeles e é sobre Theodore, um homem comum que trabalha em uma empresa especializada em escrever e enviar cartas sob encomenda. Após o término de seu casamento, Theodore se encontra cada vez mais solitário e recluso, apresentando um comportamento introspectivo que contrasta com a facilidade que demonstra em produzir cartas extremamente afetivas em nome de outras pessoas. A trama se inicia quando o personagem decide testar um novo sistema operacional lançado no mercado que consiste em uma inteligência artificial personalizável e com grande capacidade de evolução que, segundo o anúncio, é capaz de organizar e facilitar imensamente a vida de seus clientes. Após Theodore responder rapidamente a algumas perguntas sobre sua vida e seu perfil, e optar por um sistema de gênero feminino, esse rapidamente começa a operar sob o nome de Samantha. O software é tão avançado que é capaz de manter horas de diálogo com o seu cliente, e essa interação com o usuário e com a rede em que está conectado proporciona uma espécie de "evolução" dessa

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RESUMO Esse artigo visa explorar o mundo ficcional da história em quadrinhos The Walking Dead e o... more RESUMO Esse artigo visa explorar o mundo ficcional da história em quadrinhos The Walking Dead e o processo de adaptação desta narrativa para uma série televisiva. Para atingir tal objetivo iremos analisar o subgênero do Apocalipse Zumbi e sua relação com a narrativa seriada; as mudanças narrativas operadas na adaptação sob uma perspectiva de compartilhamento de universos ficcionais em uma franquia de mídia; e a dinâmica de compartilhamento do universo entre os criadores e os fãs.

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Research paper thumbnail of Dissonâncias entre Nelson Freire e o documentário musical brasileiro convencional

Introdução O crescente interesse do documentário brasileiro pela música produziu de-zenas de film... more Introdução O crescente interesse do documentário brasileiro pela música produziu de-zenas de filmes, dos quais, uma parcela significativa trata de reconstruir a tra-jetória de emblemáticos personagens da música brasileira. Esses documentá-rios-que resgatam memórias e fatos relacionados aos personagens retratados-constituem uma tendência dentro do documentário musical brasileiro con-temporâneo, a qual intitulamos de biografia convencional, caracterizada pela linearidade discursiva, que seleciona certos acontecimentos significativos e es-tabelece entre eles conexões que lhes conferem coerência. Parece-nos que a principal preocupação dos filmes alinhados a esta tendência é a de extrair uma lógica dos múltiplos acontecimentos que compõem a trajetória de um artista, de modo a construir uma narrativa que busca dar a essa trajetória uma unidade coerente. É a partir de entrevistas com pessoas ligadas aos personagens biografados que estes filmes constroem uma biografia cronologicamente linear, cerimonial e enaltecedora. A formulação chave dessa tendência biográfica costuma dar preferência ao caráter informativo da palavra falada. É combinando diversas

Research paper thumbnail of Emprego doméstico e a arquitetura da desigualdade

clusivamente nos núcleos cômicos de telenovelas, nos últimos anos al­ guns filmes têm colocado a ... more clusivamente nos núcleos cômicos de telenovelas, nos últimos anos al­ guns filmes têm colocado a empre­ gada em muitos outros cenários pro­ pondo interessantes reflexões sobre o tema e explorando, entre outras questões, a arquitetura da desigual­ dade no Brasil, caracterizado por ambientes como a "área de serviço", o "quarto de empregada" e o "eleva­ dor de serviço". Como revelou Joel Zito Araújo, no livro A negação do Brasil: o ne-gro na telenovela brasileira (2004), o papel da empregada era qua­ se sempre interpretado por uma atriz negra, único espaço que elas tinham na televisão. Os primeiros sinais de mudança aparecem com o lançamento da comédia Domés-ticas (2001), dirigida pelo, então estreante, Fernando Meirelles e por Nando Olival. Apesar da inovação de trazer para as telas um grupo social até então ignorado, o filme foi bastante criticado por produzir um retrato estereotipado das em­ pregadas domésticas que aparecem cometendo equívocos gramaticais e culturais. Além disso, o fato de o filme não mostrar as empregadoras foi entendido como uma maneira de poupá­las de qualquer crítica. Após esta primeira incursão humo­ rística, a empregada doméstica vol­ ta a protagonizar uma obra audio­ visual no documentário de Gabriel Mascaro Doméstica (2013). Para produzir o filme, Mascaro adotou um procedimento inusitado: pediu para que sete adolescentes previa­ mente selecionados filmassem as funcionárias de suas casas durante uma semana. O resultado da edi­ ção desse material é um retrato in­ timista e dramático da vida dessas sete pessoas e a sua relação com os "patrões­mirins". Ainda que em muitos momentos o filme tenha um tom bem humorado, há uma grande distância do tom cômico e estereotipado que encontramos no filme de Meirelles e Olival. Também vem de Pernambuco ou­ tras duas produções que abordaram a questão da empregada doméstica no país, sob diferentes aspectos. Recife frio e O som ao redor, ambos do di­ retor Kleber Mendonça Filho (2009 e 2012). Em Recife frio uma brusca alteração climática transforma a ca­ pital pernambucana em uma região de baixíssimas temperaturas. A situ­ ação inusitada provoca uma inversão de valores arquitetônicos no aparta­ mento de uma família de classe mé­ dia, na medida em que o filho passa a cinema eMprego doMéstico e a arquitetura da desigualdade O quarto de empregada faz parte de uma tradição arquitetônica bra­ sileira, de segregação, que remonta ao período de escravidão. Ele surge como uma solução para separar em­ pregados e patrões que permanece­ ram vivendo juntos após a abolição, em 1888. A delimitação de espaços de circulação a partir da condição social vem se alterando lentamen­ te, entre avanços e retrocessos. Um bom exemplo foi a aprovação da Lei nº 11.995/1996, que veda a discri­ minação no acesso aos elevadores segundo a condição social das pes­ soas na cidade de São Paulo. Antes de ser aprovado, o projeto de lei gerou bastante discussão e foi tema de uma coluna do jornal Folha de S. Paulo, em que a promoter Danie­ la Diniz dizia: "não é uma questão de discriminação, mas de respeito. Acho que cada um deve ter o seu es­ paço". Outra importante conquista dos empregados domésticos veio em 2013, com a aprovação da "PEC das domésticas", que estende os bene­ fícios trabalhistas já existentes para essa classe de trabalhadores. Essas mudanças acabaram por colo­ car a empregada doméstica também na pauta da produção audiovisual brasileira. Se até os anos 2000, era uma figura retratada quase que ex­ Cinema brasileiro recente traz novas visões sobre o empregado doméstico Divulgação 7_Cultura_p60a68_68_2.indd 64 5/9/16 5:17 PM

Research paper thumbnail of POR UM CINEMA INFILTRADO: ENTREVISTA COM ADIRLEY QUEIRÓS E MAURÍLIO MARTINS A PROPÓSITO DE BRANCO SAI, PRETO FICA (2014)

DOC ONLINE, 2015

Branco sai, preto fica (2014), de Adirley Queirós, mescla documentário e ficção científica para d... more Branco sai, preto fica (2014), de Adirley Queirós, mescla documentário e ficção científica para discutir a cidadania e os direitos civis sob a alça de mira do estado. Vencedor do Festival de Brasília de 2014, este longa-metragem recorre ao artifício da viagem no tempo para tratar de um fato real ocorrido em meados dos anos 1980, quando policiais invadiram o Quarentão, baile de black music organizado na cidade de Ceilândia, na periferia da capital federal, e agrediram violentamente os jovens negros que se encontravam no local. O título do filme remete à ordem de um dos policiais agressores, o qual teria ordenado que apenas os brancos deixassem o recinto do baile. O filme de Queirós é ambientado num futuro próximo indeterminado em que a segregação centro-periferia persiste e se intensifica. As populações periféricas são excluídas da capital, notícias de rádio e comunicados sugerem um estado policial racista e o trânsito de pessoas no plano piloto de Brasília só é permitido mediante apresentação de um passaporte. Branco sai, preto fica se estrutura em torno do seguinte eixo: um viajante do tempo, Dimas Cravalanças (Dilmar Durães), chega a Ceilândia num futuro próximo, mas indeterminado, onde vivem dois personagens

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Revista Eco Pos, May 7, 2013

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Este estudo pretende analisar o gênero dos filmes de zumbis estabelecendo um diálogo entre os esp... more Este estudo pretende analisar o gênero dos filmes de zumbis estabelecendo um diálogo entre
os espaços narrativos destas obras, os contextos históricos nos quais elas estão situadas, e as
suas conexões com outras obras em diferentes mídias, em uma perspectiva intermidiática.
Neste sentido, esta pesquisa procurou estudar três espaços narrativos que foram bastante
utilizados nos filmes do gênero: o espaço caribenho, utilizado em filmes norte-americanos do
zumbi haitiano das décadas de 1930-1940; os espaços internos e externos dos Estados Unidos,
ambientes dos filmes de zumbis canibalistas criados por George Romero na segunda metade
do século 20; e grandes capitais mundiais destruídas, presentes em muitos filmes de zumbis
contemporâneos de diversos países Neste contexto, este estudo tem como principal objetivo
propor uma análise espacial dos filmes de zumbis, visando explorar as possíveis
correspondências e inter-relações entre as dicotomias espaciais metrópole/colônia,
interior/exterior e nacional/global, com os contextos históricos e sociais nos quais estas obras
estão contidas.

Research paper thumbnail of HUMOR EM CURTO-CIRCUITO: IRONIA E RIDICULARIZAÇÃO NO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

This research aims at the analysis of Brazilian documentaries Violência S.A (Newton Cannito, Edua... more This research aims at the analysis of Brazilian documentaries Violência S.A (Newton Cannito, Eduardo Benaim and Jorge Jafet, 2005); Jesus no mundo maravilha (Newton Cannito, 2007); Um lugar ao sol (Gabriel Mascaro, 2009); Pacific (Marcelo Pedroso, 2009); Banco imobiliário (Miguel Antunes Ramos, 20016) and Turn off (Carlos Segundo, 2013). When looking at these films, which present ironic or sarcastic assertions about social issues and/or the discourse of their interviewees,
the research intends to reflect on fundamental themes in documentary theory. The main questions that will be addressed are: how these discursive strategies diverge from the tradition of "speeches of
sobriety"; what are the specificities of the contract established between the documentary filmmaker and the social actors of ironic and/or sarcastic documentaries and what are the causes and consequences of using humor to discuss social issues.
Keywords: Brazilian Cinema. Documentary. Humor