Eu não sou eu nem sou o outro (original) (raw)

A oportunidade de ficarmos sós, pela primeira vez em toda a semana, coincidiu com o passeio dos meus pais. Ainda me perguntaram se queria acompanhá-los e ajudar a escolher uns presentes para a família. Tentei que os meus nãos fossem firmes, evitando, contudo, uma espécie de prontidão enérgica que me trairia, seguramente (ou talvez não). Desculpei-me com o torneio de snooker, a opção recorrente do hotel nos dias mais nublados.
Assim que avistei o carro na última curva abrangida pela linha do horizonte, subi as escadas de três em três degraus, escorreguei, magoei-me, voltei a descer correndo, fui ao salão de jogos, disse aos nossos amigos que não nos esperassem, subi novamente, bati à porta do quarto 2310, ela abriu, entrei. Assim que atentei na cama por fazer, na toalha molhada à entrada da casa-de-banho, assim que inspirei o ar abafado, soube que me adiantara às senhoras da limpeza. Ela esperava-me, sentada no cadeirão de leitura, toalha (igual à do chão) envolvendo os seios, a pélvis e parte das coxas. Os cabelos molhados e os braços e testa perlados de gotículas denunciavam banho acabado de tomar. Estupidamente, mal contendo um desejo de nervos, ainda duvidei da sua nudez.
Não estou totalmente segura, mas creio que me mandou sentar na cama, porque foi o que fiz, obedecendo a uma voz que não soube identificar e que nem hoje sei se era voz. O que é certo é que as horas que se seguiram foram dedicadas ao silêncio. Ao longo da semana conversáramos fervorosamente. Sobretudo, antecipáramos o momento prestes a ser vivido; tudo imaterial, frágil discurso apenas. As palavras estavam acabadas para nós.
Foi ela que se aproximou de mim e me beijou. Pela primeira vez na vida dos meus beijos, soube que os lábios superior e inferior desempenhavam papéis distintos, consegui reconhecê-los e saboreá-los separadamente. Descobri que a boca de uma mulher é húmida e morna, como a sua me parecia, como a minha devia ser. Beijámo-nos durante quase metade de uma hora, sugando suavemente as línguas, sentido a carne doce dos lábios tocando a pele limítrofe, trocando saliva como alguém sequioso se sacia no deserto escaldante; entretanto, roçavam-se e misturavam-se os braços, os cabelos, as mamas; as mãos navegavam para logo se atirarem à perdição, naufrágio dos sentidos.
Não sei se fui eu que a despi, se ela. Só sei que, diante de mim, ela estava nua e eu ainda tinha todo o vestuário no lugar adequado. Agarrei-lhe a mão e coloquei-a no meu pescoço, para que tomasse a iniciativa de me baixar as alças do vestido.
Em vez de fazê-lo, levantou-o até à barriga, percorreu-me as nádegas com as pontas dos dedos de uma só mão, enquanto a outra me puxava as cuecas para o lado. E ela tocou-me! A mão quente, moldando-me os lábios da cona sem dificuldade, espalhando os fluídos ferventes pelas pernas, quentes; a mão dela, tão quente! E ela levou os dedos à boca e eu beijei-lhe os lóbulos das orelhas, o pescoço, o peito, os mamilos, cobri-lhe o umbigo com a língua...
Em breve estávamos envolvidas num beijo mútuo, infinito, escorrendo saliva e tudo o que havia dentro de nós.
Eu deixaria o hotel no dia seguinte. Creio que foi pensando nisso que inseri nela dois dos meus dedos.
Eu fodi aquela mulher e nunca mais voltei a vê-la.