Henrique Finco | Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (Federal University of Santa Catarina) (original) (raw)

Papers by Henrique Finco

Research paper thumbnail of Fronteiras entre ficção e realidade nos relatos audiovisuais

No cinema, e por conseqüência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem ... more No cinema, e por conseqüência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem desde suas origens: a da ficção e a da não-ficção, que tradicionalmente nos estudos de cinema são tratadas respectivamente como “filmes ficcionais” e “filmes documentários”. Por outro lado, a quase totalidade dos estudos sobre cinema se concentra sobre os filmes ficcionais e, quando volta seu foco para os filmes documentários, tem sempre no horizonte, ou como referência, o cinema ficcional.Organização, execução e patrocínio: UNILA e Itaipu-Paraguay - Parceria: NELOOL/UFSC & Universidad de VIG

Research paper thumbnail of Imagem intensa e performance como testemunho em filmes documentários no Brasil

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Pro... more Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-Graduação em Literatura.Problematizar a relação do filme documentário com a realidade é o objeto desta tese, que se organiza a partir de um recorte espacial definido no Brasil, país em que a imersão de novos atores sociais também exige novos modos de narrar. Assim, utiliza-se como corpus dois filmes de João Moreira Salles para discutir os relatos fílmicos e suas estratégias: Notícias de uma guerra particular (1999), que têm, na denominação de Fernão Ramos (2005b), a "cicatriz da tomada" e que é um filme que tem um caráter fundacional no cinema, que, por sua vez, reverbera em filmes ficcionais como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), em contraste com outro procedimento, tendência a que Bill Nichols (2005) classifica de "documentários performáticos", presente em Santiago (2007). Ao perceber o documentário como antiespetáculo, este estudo entende ...

Research paper thumbnail of O Paradoxo Benetton: um estudo antropologico da publicidade

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias H... more Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias Humanas, 1996Analisa as relações de significação social que existem entre o discurso publicitário, os objetos industrializados comentados neste discurso e o consumo destes objetos. Aparentemente a publicidade Benetton causa uma desidentificação entre seus produtos e o público potencialmente consumidor. Sendo assim, está configurado um paradoxo: esta empresa estaria empenhada em diminuir o consumo de seus produtos, ao invés de aumentá-lo. Este trabalho, através da análise de relações de significação desvenda este aparente paradoxo

Research paper thumbnail of O uso como significado

As representações como significante e o uso como significado 1. Henrique Finco, julho de 2017 Dou... more As representações como significante e o uso como significado 1. Henrique Finco, julho de 2017 Douglas (1979) mostra como as pessoas se significam através dos objetos. Desta forma, vamos encontrar significados nos usos que as pessoas fazem dos produtos que, por sua vez, são representados em peças publicitárias. Desta forma, o uso de um produto 2 representado em anúncios, tendo um significado, é uma interpretação de um significante publicitário que diz alguma coisa sobre quem está fazendo este uso. Este "alguma coisa" pode ser um signo de pertencimento, de idade, de gênero, de profissão, de preferências religiosas, etc, compondo assim o que podemos chamar de "discurso"; ou seja: podemos ver o uso das coisas como compondo um discurso. Por outro lado, o uso é uma prática social e como tal, abrange subjetividades, costumes, convicções, gostos-entre outros fatores, o que mostra que o uso não é um discurso racionalizado. É um discurso que só se deixa ler tal como é, e nunca como poderia ser 3 , embora ele possa também enganar: os estelionatários, por exemplo e como se sabe pela imprensa, se apresentam "vestidos como pessoas de bem" (ou como padres, caso apliquem o "conto do vigário"). Mas, mesmo esta possibilidade de enganar é uma prova da eficácia e inserção social deste tipo de discurso que é o uso das coisas. Tive um demonstração de como acontece este "discurso do uso das coisas" quando estava entrevistando uma mulher que usa apenas objetos de marca 4. Ela me falava que sabe reconhecer as pessoas de "bom gosto" e de "sua classe" pelas marcas que usam e pela forma como usam estas marcas. Relacionou marcas que são harmoniosas entre si: Lacoste, M.Officer, Rolex, TKTS, Nike, Reebock. Hugo Boss, Chanel. Estava nisto quando passou por nós uma outra mulher que vestia roupas M.Officer e tênis Reebock, maquiadíssima, de unhas vermelhas e com o cabelo entre o laranja e o vermelho. 1 Palestra proferida por ocasião da exibição do filme EgoSum! 2 O uso de um produto representado ou o uso de uma marca representada. No caso do uso de uma marca, significa o uso de qualquer produto significado por aquela marca particular. 3 Douglas (1979) argumenta que as pessoas não usam objetos-quaisquer que sejam, incluídas as roupas-somente para suprir "necessidades básicas materiais"(p.22) como matar a fome, descansar, proteger-se do frio ou calor, saciar a sede, aplacar a dor, etc. Conforme ele, os objetos "(...) are needed for making visible and stable the categories of culture"(p.59), sugerindo que eles (objetos e mercadorias) sejam tratados "(...) as a nonverbal medium for the human creative faculty"(p.62). Mais adiante, ela defende que os objetos, através de seu uso (ou consumo) servem prioritariamente para estabelecer ("to fix") significados públicos, compondo (os objetos, através de seu uso) assim um dos sistemas de informação ("information system") de que um dado grupo social se utiliza em seu cotidiano. Assim, deste ponto de vista, faz sentido afirmar que o uso dos objetos componha um discurso. 4 Marca é uma categoria "nativa" dos consumidores que classifica os objetos, sejam automóveis, água ou serviços, numa hierarquia equivalente à hierarquia de classificação social. Mais adiante desenvolverei melhor este conceito.

Research paper thumbnail of SANTIAGO E A BUSCA COMO NARRATIVA. Florianópolis, abril de 2018

Resumo Neste artigo é discutido como o processo de busca pode estruturar a narrativa de filmes do... more Resumo Neste artigo é discutido como o processo de busca pode estruturar a narrativa de filmes documentários, discussão feita a partir da proposta classificatória enunciada por Jean Claude Bernardet, tendo como objeto de análise três filmes documentários brasileiros. O terceiro deles, Santiago, normalmente não é classificado como um "filme de busca", o que também será objeto deste texto. Palavras-chave: documentário, linguagem audiovisual, memória. Em 2004, Jean Claude Bernardet, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo 2 , enunciou a proposta de uma nova classificação para alguns filmes documentários, que estavam surgindo como tendência-e os denominou como "documentários de busca". Estes tipos de filme surgiram com maior visibilidade no início da década de 2000, e dois deste tipo de filmes documentários, no Brasil, foram Um passaporte húngaro (2002), de Sandra Kogut, e 33 (2003), de Kiko Goifman, filmes que Bernardet utilizou como exemplo para sua classificação, como filmes paradigmáticos, sendo que o que eles têm em comum é a narrativa de uma busca-e uma característica tão marcante que foi o que Jean Claude Bernardet (2005) propor esta nova categoria no domínio do documentário no Brasil. Neles, o autor/diretor sai em busca de alguma coisa que diga respeito à sua identidade. Como também trata-se da filmagem de uma performance dos autores, estes filmes, além de servirem à definição de Bernardet (2005), marcadamente são documentários performáticos e reflexivos. Em Um passaporte húngaro, Sandra, neta de judeus húngaros que chegaram ao Brasil da década de 1930, fugidos do nazismo, filma durante dois anos o processo de obtenção de um passaporte húngaro em seu nome, o que implica em solicitar simultaneamente a nacionalidade daquele país. Neste processo, vai surgindo a história vivida pelos avós, praticamente expatriados, o que aconteceu com muitos europeus que chegaram ao Brasil na década de 1930 como fugitivos ou refugiados de uma Europa em convulsão. O filme é feito sem planejamento; ela não sabe o que vai acontecer a seguir e o resultado é a narrativa da busca de uma parte da identidade da autora: O processo administrativo será o fio condutor do filme. Ele levanta questões sobre o que é uma nacionalidade, para que serve um passaporte, sobre o que somos porque queremos ser e o que somos porque herdamos (KOGUT, 2007) No filme 33, Kiko, que à época tinha 33 anos, se dá 33 dias para buscar sua mãe biológica, filmando este processo de busca, para o qual ele contrata até um detetive particular. Como no filme de Sandra, ele não sabe o que irá acontecer a seguir. Selecionamos algumas características que Jean Claude Bernardet (2005) elencou como sendo comuns aos "documentários de busca" (o texto original não está numerado): 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012). 2 "33" traz novos horizontes aos documentários, em: https

Research paper thumbnail of ELE E O OUTRO: ANÁLISE EM DECUPAGEM Florianópolis, agosto de 2016

Resumo: Este ensaio analisa o conto El y El Otro, de Augosto Roa Bastos, utilizando a decupagem, ... more Resumo: Este ensaio analisa o conto El y El Otro, de Augosto Roa Bastos, utilizando a decupagem, como método de análise, uma ferramenta que normalmente é usada para analisar obras cinematográficas. Palavras-chave: Literatura, Cinema, Análise textual, Roa Bastos. Roteirização O escritor Paraguaio Augusto Roa Bastos foi também roteirista, em seus anos de exílio na Argentina, tendo se aprofundado no estudo da fotografia cinematográfica como forma de auxílio para os trabalhos de roteirização em que se envolveu, influência que é perceptível especialmente em seus contos, onde é comum encontrar construções literárias que remetem à estrutura narrativa cinematográfica, tais como Ilusão-Aparência-Engano; Ritmo; Burla. Neste conto em particular, ainda encontramos s seguintes estruturas semânticas que auxiliam a compor a obra: Multidão/Solidão; Ligação/Repulsão; Dança com um par Involuntário; Perseguição/Tragédia; Burla. Este conto contém três histórias independentes que apenas se relacionam porque alguma coisa em uma delas desperta no narrador a lembrança de uma das outras-que então passa a ser contada. O que as três têm em comum (o que não implica em relação de interdependência) é o par ligação/repulsão entre os personagens delas. A história que dá o fio narrativo do conto é o encontro, visto por um voyeur, de dois homens em um metrô e que acaba em punga e linchamento. A esta história estão entremeadas a história já contada no conto "El aserradero" e a história de um casal de anões paraguaios que acabam por trabalhar em um circo-história tão trágica quanto a do "El aserradero". O conto propriamente dito começa com um homem não identificado relatando o que ouviu de um outro homem conhecido como "o gordo". Portanto o narrador toma a palavra do gordo e através dela, conta a história que compõe o conto-mas não é tão simples assim, pois em vários momentos é muito difícil identificar o verdadeiro narrador.... 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC.

Research paper thumbnail of REALIDADE E REPRESENTAÇÃO NO CINEMA DOCUMENTÁRIO. Florianópolis, julho de 2018

Resumo: O artigo discute os cânones de representação que foram-e são-utilizados pelo cinema e sua... more Resumo: O artigo discute os cânones de representação que foram-e são-utilizados pelo cinema e suas relações com a realidade e subjetividade. Palavras-chave: fotografia, representação, realidade, cinema, documentário. Representar uma ação ou contar uma história de forma dramática, procurando dar a impressão "do acontecido" (impressão de realidade) não é uma invenção do cinema. Mas, considerando a tradição figurativa da arte ocidental, que é naturalista, o cinema foi um escoadouro quase natural para esta tradição artística: a mimesis quase perfeita; ou por outra: a quase abolição da mimesis, pelo menos do jeito que os gregos (e a arte ocidental até o final do século XIX) a consideravam: não havia mais a necessidade representar a coisa e a ação: elas 'estavam lá', projetadas na tela. A representação mimética encontrou no cinema uma forma quase total, pois a mimesis no cinema pode se tornar invisível ao espectador, tornando a fronteira entre personagem e ator muito difícil de ser traçada. Em alguns casos, impossível, como em filmes documentários. Ou seja: em termos de representação, o cinema não inventou nada: tudo já estava lá. Ele apenas encontrou uma forma mais aperfeiçoada, no que diz respeito à tradição artística ocidental, que é de forte tendência naturalista pelo menos desde os gregos. Assim, o cinema estaria para o teatro como a fotografia estaria para a pintura naturalista. Ao ver uma peça de teatro, está-se quase participando dela: sabe-se que é uma peça de teatro: os cenários são construídos e os atores estão lá, fisicamente. É exigido do espectador uma grande dose de cumplicidade e boa vontade para que seja transportado ao clima, cenário e ações que acontecem no palco: a descontinuidade do palco em relação ao mundo físico é radical. Também há, evidente, uma descontinuidade entre a performance e o espectador. Mas, no teatro esta descontinuidade convive sempre com a possibilidade de seu rompimento-e é tão possível que algumas peças de teatro chegam a provocar este rompimento entre a performance e os espectadores. No cinema, isto é impossível, pois a descontinuidade entre a performance e a espectação é radical, já que ele se mostra como uma janela para o mundo, no qual o espectador não pode ter outro papel que o de espectador, só restando a ele a possibilidade de re-significar o que já está significado na tela. De forma análoga, esta relação acontece entre a fotografia e a pintura naturalista ocidental: ao vermos um quadro, sabemos que aquilo é uma pintura que tenta ser o mais fiel possível à realidade, sem nunca o conseguir de fato. Com a fotografia, esta relação acontece de outra forma: tem-se a impressão de estar-se vendo a coisa, e não a representação da coisa. As fronteiras entre 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012).

Research paper thumbnail of O ANTROPÓFAGO E O OSSO

Quanto mais pessoais são os filmes, mais dizem coisas sobre o país onde foram feitos. 2 Rainer Fa... more Quanto mais pessoais são os filmes, mais dizem coisas sobre o país onde foram feitos. 2 Rainer Fassbinder 1. Personagem autor crítico ensaísta revolucionário performático Quanto mais se conhece a obra de Glauber Rocha, maior a convicção de que para compreender qualquer aspecto dela, como por exemplo, um de seus filmes, é necessário ter presente todas as dimensões de sua obra como crítico, agitador cultural, ensaísta, cineasta, militante político, ator performático. De uma forma ou outra, cada um destes aspectos estará presente no que for analisado. Em alguns de seus filmes, ele próprio dá a entender isto, como em Claro, de 1975: ao aparecer em cena dirigindo a câmera e também dirigindo a si próprio (em imagem justaposta), parece estar dizendo que ele e sua obra são inseparáveis. Embora vários diretores tenham aparecido fisicamente em seus filmes, no caso de Glauber Rocha, acredito que isto seja mais do que marca autoral: é uma marca de realidade, de intervenção física na realidade: em Claro, o de um cineasta de terceiro mundo que quer-e está-intervindo na política mundial. É pessoa e personagem simultaneamente; pessoa-personagem que dirige um filme, personagem-pessoa que participa da ação.

Research paper thumbnail of Notícias de uma guerra: apontamentos

Florianópolis, maio de 2014. 1. Resumo Aqui estão alguns apontamentos sobre um dos filmes mais im... more Florianópolis, maio de 2014. 1. Resumo Aqui estão alguns apontamentos sobre um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro contemporâneo, o Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Salles e Katia Lund, de 1999. Após uma breve resenha, será esboçada uma discussão sobre a relação entre campo e extracampo em filmes documentários e filmes de ficção-e sua diegese. Em seguida, serão discutidas algumas estratégias narrativas utilizadas no filme. Palavras-Chave: Cinema documentário, cinema brasileiro. 2. Uma resenha possível do filme Inicialmente produzido para ser veiculado pela televisão 1 , o documentário Notícias de uma guerra particular enfoca o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, especialmente no que acontece com sua ponta mais visível, que é o do varejo em larga escala enraizado em favelas e periferias, tendo sido filmado, em sua maior parte, no Morro Santa Marta, que na época tinha Marcinho VP como o gerente do tráfico. A estrutura narrativa predominante no filme é a dos documentários clássicos, como os define, por exemplo, Nichols (1994 e 2005), e é construída através de três diferentes tipos de relatos: o dos traficantes, o de policiais responsáveis pelo combate ao tráfico e, finalmente, o relato de moradores do Santa Marta. Reforçando estes relatos, ou completando eles, há várias imagens de arquivo, como trechos de telejornais e fotografias. Em cada tipo de relato (traficantes, policiais e moradores) são destacados um ou dois entrevistados que aprofundam o ponto de vista daquele segmento. Pelo lado dos traficantes, é Adriano quem faz este papel; pelos moradores, é principalmente o casal Janete e Adão; pelos policiais, são o capitão Rodrigo Pimentel (do Batalhão de Operações Especiais-BOPE) e o então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Hélio Luz. Além destes, há depoimentos que situam e contam a história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a gênese e 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC, graduado em

Research paper thumbnail of O QUE CONSIDERAR NA ROTEIRIZAÇÃO DE UMA OBRA LITERÁRIA PARA O CINEMA: O CASO DA ROTEIRIZAÇÃO DO CONTO "EL Y EL OTRO" DE

VII Semana Acadêmica de Letras da UFSC, 2013

Florianópolis, maio de 2013. 1. Resumo: A partir da pergunta "é possível transpor o conto 'El y e... more Florianópolis, maio de 2013. 1. Resumo: A partir da pergunta "é possível transpor o conto 'El y el otro', de Augusto Roa Bastos para o cinema?", abordamos os problemas a serem enfrentados em uma roteirização cinematográfica deste conto, especialmente no que diz respeito às dimensões espaciais e temporais da obra literária e da obra fílmica. Para que estes problemas sejam melhores visualizados, também será feito um primeiro estudo de roteirização deste conto, uma vez que o "como" transpor um conto para o cinema passa por uma fase intermediária-o roteiro-onde é necessário que um léxico próprio da narrativa cinematográfica seja empregado (léxico este que indica as posições e movimentos de câmera, os tipos de enquadramento, de corte, as marcações temporais e espaciais, etc). Para maior compreensão, junto com esta abordagem será apresentado um trabalho através do software "power point", onde estarão descritos os principais termos que compõem o que pode ser chamado de léxico cinematográfico, exemplificados por trechos de filmes. 2. Considerações: Inúmeros são os filmes pensados e feitos a partir de um texto literário. Em cada caso destes, sempre surgem as questões da relação daquele determinado filme com o texto literário que o precedeu. Uma das primeiras questões é a se o filme é uma adaptação, uma transposição, uma tradução ou se a obra literária apenas serviu de inspiração para aquele filme. Com exceção da tradução, que implicaria em reescrever o texto em uma linguagem homóloga-e é muito problemático fazer 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC,

Research paper thumbnail of Imagem Intensa e Performance como testemunho em Filmes Documentários no Brasil

Talks by Henrique Finco

Research paper thumbnail of IMAGINÁRIOS DE GUERRA OU UMA ESTÉTICA MIGRANTE

VII Congresso Internacional Roa Bastos, 2013

Florianópolis, abril de 2013 1. O Cenário, ou a diegese dos documentários diretos O Cenário é a A... more Florianópolis, abril de 2013 1. O Cenário, ou a diegese dos documentários diretos O Cenário é a América Latina, suas fronteiras e suas periferias, locais onde se trava uma "guerra contra as drogas" e onde são produzidas inúmeras narrativas audiovisuais por equipes de televisão, por documentaristas e outros atores sociais. Considerando os filmes em si, como obras audiovisuais prontas a serem exibidas em uma tela, CAMPO é o que aparece na tela, o que o espectador vê concretamente, e EXTRA-CAMPO é o que, embora tenha relação com o que está sendo visto na tela, não é visto pelo espectador. Portanto, quando se fala em extra-campo, especialmente para filmes de ficção, fala-se de uma cenografia provável e, importante, de algo que a rigor não faz parte da diegese daquele filme específico; ou seja: não está contido no espaço onde a narrativa se desenvolve. Um exemplo clássico é quando uma personagem fala se dirigindo a uma das margens da tela (ou olha para uma das margens da tela): o espectador sabe que ela está olhando ou se dirigindo a algo ou alguém já visto ou ainda por ver. Para os filmes de ficção, como regra geral isto é apenas ilusão: o alguém a quem a personagem se dirige não está lá de fato, ou a paisagem (ou coisa) que pretensamente deveria estar localizada na direção do olhar da personagem, provavelmente não está lá. Mas aqui, temos um paradoxo lógico: se o extra-campo não está contido na narrativa, como explicar que ele faça parte da narrativa? Se em um plano as personagens A e B aparecem lado a lado e no plano seguinte aparece apenas a personagem B, em close, olhando para o lado onde pretensamente está a personagem A, se dirigindo a ela, às vezes a chamando pelo nome (já conhecido do espectador), é possível afirmar que a personagem A, naquela fração de tempo que dura o close apenas na personagem B, tenha deixado de fazer parte da narrativa? Evidentemente não se pode afirmar isto; muito pelo contrário. Assim, e para evitar confusão, acredito que seja melhor falar em ESPAÇO DIEGÉTICO, que seria o espaço que abrange TODOS os elementos que compõem o relato audiovisual, aí incluídos a trilha sonora e o extra-campo. Para os filmes ficcionais, como regra geral-ressalto-este espaço fora de campo é apenas ilusão, mesmo quando as locações acontecem fora de estúdio, pois todo o entorno do plano captado pela filmadora foi "ajeitado", composto, remendado, iluminado de forma diferente, os sons foram isolados, etc, etc. Existe, porém, uma classe de filmes em que o extra-campo é de fato uma continuação física e temporal do campo: são os filmes documentários de um gênero muito específico: os que dispensam reconstituições históricas ou simulações cenográficas. Pertencem ao que se pode chamar uma tradição do cinema direto e do cine vérite, onde o representado corresponde 1 Artigo apresentado na palestra "Cinema de Fronteira", durante o VII Congresso Internacional Roa Bastos: Estéticas Migrantes, que aconteceu na UFSC em abril de 2013. 2 Professor do Curso de Cinema da UFSC, graduado em

Conference Presentations by Henrique Finco

Research paper thumbnail of DOCUMENTÁRIO GUATAHA: KURURU É A CHAVE? 1

VIII Congresso Internacional Roa Bastos: Po(éticas) e Políticas do Caribe Andino ao Grande Chaco, 2015

Florianópolis, novembro de 2015. RESUMO: Este artigo é sobre o filme documentário brasileiro Guat... more Florianópolis, novembro de 2015. RESUMO: Este artigo é sobre o filme documentário brasileiro Guataha, um média-metragem de Clarissa Knoll de 2014, com ideia e argumento de Alai Garcia Diniz. Nele o Xamã guarani Nhevangaju ,da aldeia Ocoy, constituída por guaranis deslocados da aldeia Jacutinga, que foi coberta pelas águas do lago que alimenta a Hidrelétrica de Itaipu, conta a saga mítica dos Ava Guarani. O relato épico do Xamã é interpretado como metáfora por sua neta Delia. Para construir o relato fílmico, a diretora utilizou dois tipos distintos de registros, para dar conta de duas realidades distintas, embora complementares. Palavras-chave: Cinema documentário, estética fílmica, índios guaranis, Itaipu. 1. Introdução Em 2012, ao conhecer o já centenário Xamã guarani Guilherme Tupã Nhevangaju, a Doutora Alai Garcia Diniz percebeu a necessidade de criar uma narrativa sobre a história dele e a de Ocoy, sua aldeia, decidindo realizar um filme. Para isto, procurou a cineasta Clarissa Knoll, já com o argumento e com uma ideia de roteiro. Clarissa abraçou o projeto. A documentarista acabou por encontrar uma realidade complexa, onde dois tipos de relatos se entrelaçavam e se complementavam: um relato histórico e um relato mitológico. Este artigo discute como ela conseguiu resolver o problema narrativo colocado por esta realidade complexa. A resolução do problema é o filme documentário GUATAHA, com edição finalizada em 2014. 2. GUATAHA: A CHAVE DE UM RELATO CINEMATOGRÁFICO No site da produtora Saracura Filmes, responsável pela produção deste média metragem, encontramos a seguinte sinopse do filme: Guataha mistura narrativas míticas Ava-Guarani da Destruição e da Criação do mundo contadas pelo principal xamã da aldeia Ocoy, Tupã Nevangaju, com os resquícios do alagamento da aldeia Jacutinga pela usina hidroelétrica de Itaipu em 1982, e com a jornada de Délia, neta do xamã, pela fronteira entre o Brasil e o Paraguai interpretando Ñandecy, a primeira mulher que carrega os heróis gêmeos no ventre.1 Antes de falar especificamente das escolhas narrativas feitas pela diretora, é importante 1 Artigo apresentado no VIII Congresso Internacional Roa Bastos: Po(éticas) e Políticas do Caribe Andino ao Grande Chaco, que aconteceu em novembro de 2015 na UFSC. Este artigo foi reapresentado em outros eventos, em que o filme Guataha foi exibido. Entre estes eventos está uma exibição/mesa redonda na sede do BADESC Cultural, em Florianópolis, no dia 08 de junho de 2017.

Drafts by Henrique Finco

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Florianópolis, maio de 2012. No cinema, e por consequência em todas as formas de relatos audiovis... more Florianópolis, maio de 2012. No cinema, e por consequência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem desde suas origens: a da ficção e a da não-ficção, que tradicionalmente nos estudos de cinema são tratadas respectivamente como "filmes ficcionais" e "filmes documentários". Por outro lado, a quase totalidade dos estudos sobre cinema se concentra sobre os filmes ficcionais e, quando volta seu foco para os filmes documentários, tem sempre no horizonte, ou como referência, o cinema ficcional. Isto é assim porque os dois tipos de cinema partilham a mesma forma de expressão: algo que podemos chamar (e que tem sido chamado) de "linguagem cinematográfica"-termo que na verdade não é muito preciso, pois o que de mais notável esta forma de expressão tem em comum com as formas de linguagem (pelo menos as consideradas tradicionalmente assim) é exatamente a capacidade de compor relatos, frisando que o uso do termo "relato", aqui, é feito em sua acepção mais ampla, que engloba as narrativas em prosa e as narrativas poéticas, com uma vasta gama de nuances entre elas. Assim, e de forma geral, a matéria de que trata tanto os estudos sobre cinema ficcional e os sobre cinema documentário é basicamente a mesma: fotografia (ou freime) 2 em movimento, com som sincronizado ou não, colados em séries, em que cada série destas é chamada de plano. Ao final, o resultado desta colagem de uma determinada quantidade destas séries de imagens e sons, ou planos, é o filme. Como o que se vê na tela projetado, o resultado final, quase sempre também inicia por um roteiro (que equivale, aproximadamente, à parte literária de uma peça de teatro), é resultado de interpretações e/ou atuações de atores e como há um cenário (ou vários, o que é mais comum) com iluminação controlada, além de figurinos, direção de atores, etc., também há um parentesco com o teatro. Com este parentesco do cinema com a literatura (capacidade de narrar) e com o teatro, a crítica cinematográfica e os estudos sobre cinema "importaram" e adaptaram termos e conceitos utilizados pela crítica teatral e pela crítica literária, como misancene 3. Todas estas contribuições, além das advindas da psicologia, antropologia e história, entre outras, ao mesmo tempo em que auxiliaram a formar um corpo teórico sobre o cinema, simultaneamente contribuíram para criar uma espécie de "cortina" que turvou (e turva) a crítica e os estudos sobre o que há de específico no fenômeno "cinema", ou por outra: sobre o que o cinema é em sua singularidade, diegese, opacidade, estrutura e séries narrativas, personagem, ator, cenário, etc. Como, além disto, também há um parentesco com as artes plásticas-especialmente com as artes figurativas e em especial a pintura-também houve a contribuição da crítica pictórica, em especial no que diz respeito ao conceito de estilo 4. Um dos aspectos que ajudam a compor esta singularidade do cinema, no âmbito das artes (representativas ou não, mas especialmente das representativas) é que, diferente da pintura representativa, de quase todo o teatro e da literatura, o cinema produz uma peça "transparente" 5 , aqui no sentido de uma analogia com a janela e até, forçando um pouco, com o espelho: o que o 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012). 2 Como relatos audiovisuais englobam os produzidos por vídeo, o termo adequado para nominar uma unidade discreta do plano em vídeo é freime (do inglês "frame") e não o fotograma. O freime pode ser de natureza analógica ou digital. 3 Aqui sempre será utilizada a forma aportuguesada misancene ao invés da original mise-en-scène. 4 Christian Metz, sentindo a necessidade de recursos de análise próprios do cinema, ou mais adequados ao cinema, propõe que a semiologia seja o campo que contempla melhor os estudos e críticas sobre o cinema. 5 Os conceitos de transparência e opacidade, aplicados à teoria cinematográfica, podem ser encontrados em XAVIER (1984).

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No cinema, e por conseqüência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem ... more No cinema, e por conseqüência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem desde suas origens: a da ficção e a da não-ficção, que tradicionalmente nos estudos de cinema são tratadas respectivamente como “filmes ficcionais” e “filmes documentários”. Por outro lado, a quase totalidade dos estudos sobre cinema se concentra sobre os filmes ficcionais e, quando volta seu foco para os filmes documentários, tem sempre no horizonte, ou como referência, o cinema ficcional.Organização, execução e patrocínio: UNILA e Itaipu-Paraguay - Parceria: NELOOL/UFSC & Universidad de VIG

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Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Pro... more Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-Graduação em Literatura.Problematizar a relação do filme documentário com a realidade é o objeto desta tese, que se organiza a partir de um recorte espacial definido no Brasil, país em que a imersão de novos atores sociais também exige novos modos de narrar. Assim, utiliza-se como corpus dois filmes de João Moreira Salles para discutir os relatos fílmicos e suas estratégias: Notícias de uma guerra particular (1999), que têm, na denominação de Fernão Ramos (2005b), a "cicatriz da tomada" e que é um filme que tem um caráter fundacional no cinema, que, por sua vez, reverbera em filmes ficcionais como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), em contraste com outro procedimento, tendência a que Bill Nichols (2005) classifica de "documentários performáticos", presente em Santiago (2007). Ao perceber o documentário como antiespetáculo, este estudo entende ...

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Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias H... more Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias Humanas, 1996Analisa as relações de significação social que existem entre o discurso publicitário, os objetos industrializados comentados neste discurso e o consumo destes objetos. Aparentemente a publicidade Benetton causa uma desidentificação entre seus produtos e o público potencialmente consumidor. Sendo assim, está configurado um paradoxo: esta empresa estaria empenhada em diminuir o consumo de seus produtos, ao invés de aumentá-lo. Este trabalho, através da análise de relações de significação desvenda este aparente paradoxo

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As representações como significante e o uso como significado 1. Henrique Finco, julho de 2017 Dou... more As representações como significante e o uso como significado 1. Henrique Finco, julho de 2017 Douglas (1979) mostra como as pessoas se significam através dos objetos. Desta forma, vamos encontrar significados nos usos que as pessoas fazem dos produtos que, por sua vez, são representados em peças publicitárias. Desta forma, o uso de um produto 2 representado em anúncios, tendo um significado, é uma interpretação de um significante publicitário que diz alguma coisa sobre quem está fazendo este uso. Este "alguma coisa" pode ser um signo de pertencimento, de idade, de gênero, de profissão, de preferências religiosas, etc, compondo assim o que podemos chamar de "discurso"; ou seja: podemos ver o uso das coisas como compondo um discurso. Por outro lado, o uso é uma prática social e como tal, abrange subjetividades, costumes, convicções, gostos-entre outros fatores, o que mostra que o uso não é um discurso racionalizado. É um discurso que só se deixa ler tal como é, e nunca como poderia ser 3 , embora ele possa também enganar: os estelionatários, por exemplo e como se sabe pela imprensa, se apresentam "vestidos como pessoas de bem" (ou como padres, caso apliquem o "conto do vigário"). Mas, mesmo esta possibilidade de enganar é uma prova da eficácia e inserção social deste tipo de discurso que é o uso das coisas. Tive um demonstração de como acontece este "discurso do uso das coisas" quando estava entrevistando uma mulher que usa apenas objetos de marca 4. Ela me falava que sabe reconhecer as pessoas de "bom gosto" e de "sua classe" pelas marcas que usam e pela forma como usam estas marcas. Relacionou marcas que são harmoniosas entre si: Lacoste, M.Officer, Rolex, TKTS, Nike, Reebock. Hugo Boss, Chanel. Estava nisto quando passou por nós uma outra mulher que vestia roupas M.Officer e tênis Reebock, maquiadíssima, de unhas vermelhas e com o cabelo entre o laranja e o vermelho. 1 Palestra proferida por ocasião da exibição do filme EgoSum! 2 O uso de um produto representado ou o uso de uma marca representada. No caso do uso de uma marca, significa o uso de qualquer produto significado por aquela marca particular. 3 Douglas (1979) argumenta que as pessoas não usam objetos-quaisquer que sejam, incluídas as roupas-somente para suprir "necessidades básicas materiais"(p.22) como matar a fome, descansar, proteger-se do frio ou calor, saciar a sede, aplacar a dor, etc. Conforme ele, os objetos "(...) are needed for making visible and stable the categories of culture"(p.59), sugerindo que eles (objetos e mercadorias) sejam tratados "(...) as a nonverbal medium for the human creative faculty"(p.62). Mais adiante, ela defende que os objetos, através de seu uso (ou consumo) servem prioritariamente para estabelecer ("to fix") significados públicos, compondo (os objetos, através de seu uso) assim um dos sistemas de informação ("information system") de que um dado grupo social se utiliza em seu cotidiano. Assim, deste ponto de vista, faz sentido afirmar que o uso dos objetos componha um discurso. 4 Marca é uma categoria "nativa" dos consumidores que classifica os objetos, sejam automóveis, água ou serviços, numa hierarquia equivalente à hierarquia de classificação social. Mais adiante desenvolverei melhor este conceito.

Research paper thumbnail of SANTIAGO E A BUSCA COMO NARRATIVA. Florianópolis, abril de 2018

Resumo Neste artigo é discutido como o processo de busca pode estruturar a narrativa de filmes do... more Resumo Neste artigo é discutido como o processo de busca pode estruturar a narrativa de filmes documentários, discussão feita a partir da proposta classificatória enunciada por Jean Claude Bernardet, tendo como objeto de análise três filmes documentários brasileiros. O terceiro deles, Santiago, normalmente não é classificado como um "filme de busca", o que também será objeto deste texto. Palavras-chave: documentário, linguagem audiovisual, memória. Em 2004, Jean Claude Bernardet, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo 2 , enunciou a proposta de uma nova classificação para alguns filmes documentários, que estavam surgindo como tendência-e os denominou como "documentários de busca". Estes tipos de filme surgiram com maior visibilidade no início da década de 2000, e dois deste tipo de filmes documentários, no Brasil, foram Um passaporte húngaro (2002), de Sandra Kogut, e 33 (2003), de Kiko Goifman, filmes que Bernardet utilizou como exemplo para sua classificação, como filmes paradigmáticos, sendo que o que eles têm em comum é a narrativa de uma busca-e uma característica tão marcante que foi o que Jean Claude Bernardet (2005) propor esta nova categoria no domínio do documentário no Brasil. Neles, o autor/diretor sai em busca de alguma coisa que diga respeito à sua identidade. Como também trata-se da filmagem de uma performance dos autores, estes filmes, além de servirem à definição de Bernardet (2005), marcadamente são documentários performáticos e reflexivos. Em Um passaporte húngaro, Sandra, neta de judeus húngaros que chegaram ao Brasil da década de 1930, fugidos do nazismo, filma durante dois anos o processo de obtenção de um passaporte húngaro em seu nome, o que implica em solicitar simultaneamente a nacionalidade daquele país. Neste processo, vai surgindo a história vivida pelos avós, praticamente expatriados, o que aconteceu com muitos europeus que chegaram ao Brasil na década de 1930 como fugitivos ou refugiados de uma Europa em convulsão. O filme é feito sem planejamento; ela não sabe o que vai acontecer a seguir e o resultado é a narrativa da busca de uma parte da identidade da autora: O processo administrativo será o fio condutor do filme. Ele levanta questões sobre o que é uma nacionalidade, para que serve um passaporte, sobre o que somos porque queremos ser e o que somos porque herdamos (KOGUT, 2007) No filme 33, Kiko, que à época tinha 33 anos, se dá 33 dias para buscar sua mãe biológica, filmando este processo de busca, para o qual ele contrata até um detetive particular. Como no filme de Sandra, ele não sabe o que irá acontecer a seguir. Selecionamos algumas características que Jean Claude Bernardet (2005) elencou como sendo comuns aos "documentários de busca" (o texto original não está numerado): 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012). 2 "33" traz novos horizontes aos documentários, em: https

Research paper thumbnail of ELE E O OUTRO: ANÁLISE EM DECUPAGEM Florianópolis, agosto de 2016

Resumo: Este ensaio analisa o conto El y El Otro, de Augosto Roa Bastos, utilizando a decupagem, ... more Resumo: Este ensaio analisa o conto El y El Otro, de Augosto Roa Bastos, utilizando a decupagem, como método de análise, uma ferramenta que normalmente é usada para analisar obras cinematográficas. Palavras-chave: Literatura, Cinema, Análise textual, Roa Bastos. Roteirização O escritor Paraguaio Augusto Roa Bastos foi também roteirista, em seus anos de exílio na Argentina, tendo se aprofundado no estudo da fotografia cinematográfica como forma de auxílio para os trabalhos de roteirização em que se envolveu, influência que é perceptível especialmente em seus contos, onde é comum encontrar construções literárias que remetem à estrutura narrativa cinematográfica, tais como Ilusão-Aparência-Engano; Ritmo; Burla. Neste conto em particular, ainda encontramos s seguintes estruturas semânticas que auxiliam a compor a obra: Multidão/Solidão; Ligação/Repulsão; Dança com um par Involuntário; Perseguição/Tragédia; Burla. Este conto contém três histórias independentes que apenas se relacionam porque alguma coisa em uma delas desperta no narrador a lembrança de uma das outras-que então passa a ser contada. O que as três têm em comum (o que não implica em relação de interdependência) é o par ligação/repulsão entre os personagens delas. A história que dá o fio narrativo do conto é o encontro, visto por um voyeur, de dois homens em um metrô e que acaba em punga e linchamento. A esta história estão entremeadas a história já contada no conto "El aserradero" e a história de um casal de anões paraguaios que acabam por trabalhar em um circo-história tão trágica quanto a do "El aserradero". O conto propriamente dito começa com um homem não identificado relatando o que ouviu de um outro homem conhecido como "o gordo". Portanto o narrador toma a palavra do gordo e através dela, conta a história que compõe o conto-mas não é tão simples assim, pois em vários momentos é muito difícil identificar o verdadeiro narrador.... 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC.

Research paper thumbnail of REALIDADE E REPRESENTAÇÃO NO CINEMA DOCUMENTÁRIO. Florianópolis, julho de 2018

Resumo: O artigo discute os cânones de representação que foram-e são-utilizados pelo cinema e sua... more Resumo: O artigo discute os cânones de representação que foram-e são-utilizados pelo cinema e suas relações com a realidade e subjetividade. Palavras-chave: fotografia, representação, realidade, cinema, documentário. Representar uma ação ou contar uma história de forma dramática, procurando dar a impressão "do acontecido" (impressão de realidade) não é uma invenção do cinema. Mas, considerando a tradição figurativa da arte ocidental, que é naturalista, o cinema foi um escoadouro quase natural para esta tradição artística: a mimesis quase perfeita; ou por outra: a quase abolição da mimesis, pelo menos do jeito que os gregos (e a arte ocidental até o final do século XIX) a consideravam: não havia mais a necessidade representar a coisa e a ação: elas 'estavam lá', projetadas na tela. A representação mimética encontrou no cinema uma forma quase total, pois a mimesis no cinema pode se tornar invisível ao espectador, tornando a fronteira entre personagem e ator muito difícil de ser traçada. Em alguns casos, impossível, como em filmes documentários. Ou seja: em termos de representação, o cinema não inventou nada: tudo já estava lá. Ele apenas encontrou uma forma mais aperfeiçoada, no que diz respeito à tradição artística ocidental, que é de forte tendência naturalista pelo menos desde os gregos. Assim, o cinema estaria para o teatro como a fotografia estaria para a pintura naturalista. Ao ver uma peça de teatro, está-se quase participando dela: sabe-se que é uma peça de teatro: os cenários são construídos e os atores estão lá, fisicamente. É exigido do espectador uma grande dose de cumplicidade e boa vontade para que seja transportado ao clima, cenário e ações que acontecem no palco: a descontinuidade do palco em relação ao mundo físico é radical. Também há, evidente, uma descontinuidade entre a performance e o espectador. Mas, no teatro esta descontinuidade convive sempre com a possibilidade de seu rompimento-e é tão possível que algumas peças de teatro chegam a provocar este rompimento entre a performance e os espectadores. No cinema, isto é impossível, pois a descontinuidade entre a performance e a espectação é radical, já que ele se mostra como uma janela para o mundo, no qual o espectador não pode ter outro papel que o de espectador, só restando a ele a possibilidade de re-significar o que já está significado na tela. De forma análoga, esta relação acontece entre a fotografia e a pintura naturalista ocidental: ao vermos um quadro, sabemos que aquilo é uma pintura que tenta ser o mais fiel possível à realidade, sem nunca o conseguir de fato. Com a fotografia, esta relação acontece de outra forma: tem-se a impressão de estar-se vendo a coisa, e não a representação da coisa. As fronteiras entre 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; Bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012).

Research paper thumbnail of O ANTROPÓFAGO E O OSSO

Quanto mais pessoais são os filmes, mais dizem coisas sobre o país onde foram feitos. 2 Rainer Fa... more Quanto mais pessoais são os filmes, mais dizem coisas sobre o país onde foram feitos. 2 Rainer Fassbinder 1. Personagem autor crítico ensaísta revolucionário performático Quanto mais se conhece a obra de Glauber Rocha, maior a convicção de que para compreender qualquer aspecto dela, como por exemplo, um de seus filmes, é necessário ter presente todas as dimensões de sua obra como crítico, agitador cultural, ensaísta, cineasta, militante político, ator performático. De uma forma ou outra, cada um destes aspectos estará presente no que for analisado. Em alguns de seus filmes, ele próprio dá a entender isto, como em Claro, de 1975: ao aparecer em cena dirigindo a câmera e também dirigindo a si próprio (em imagem justaposta), parece estar dizendo que ele e sua obra são inseparáveis. Embora vários diretores tenham aparecido fisicamente em seus filmes, no caso de Glauber Rocha, acredito que isto seja mais do que marca autoral: é uma marca de realidade, de intervenção física na realidade: em Claro, o de um cineasta de terceiro mundo que quer-e está-intervindo na política mundial. É pessoa e personagem simultaneamente; pessoa-personagem que dirige um filme, personagem-pessoa que participa da ação.

Research paper thumbnail of Notícias de uma guerra: apontamentos

Florianópolis, maio de 2014. 1. Resumo Aqui estão alguns apontamentos sobre um dos filmes mais im... more Florianópolis, maio de 2014. 1. Resumo Aqui estão alguns apontamentos sobre um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro contemporâneo, o Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Salles e Katia Lund, de 1999. Após uma breve resenha, será esboçada uma discussão sobre a relação entre campo e extracampo em filmes documentários e filmes de ficção-e sua diegese. Em seguida, serão discutidas algumas estratégias narrativas utilizadas no filme. Palavras-Chave: Cinema documentário, cinema brasileiro. 2. Uma resenha possível do filme Inicialmente produzido para ser veiculado pela televisão 1 , o documentário Notícias de uma guerra particular enfoca o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, especialmente no que acontece com sua ponta mais visível, que é o do varejo em larga escala enraizado em favelas e periferias, tendo sido filmado, em sua maior parte, no Morro Santa Marta, que na época tinha Marcinho VP como o gerente do tráfico. A estrutura narrativa predominante no filme é a dos documentários clássicos, como os define, por exemplo, Nichols (1994 e 2005), e é construída através de três diferentes tipos de relatos: o dos traficantes, o de policiais responsáveis pelo combate ao tráfico e, finalmente, o relato de moradores do Santa Marta. Reforçando estes relatos, ou completando eles, há várias imagens de arquivo, como trechos de telejornais e fotografias. Em cada tipo de relato (traficantes, policiais e moradores) são destacados um ou dois entrevistados que aprofundam o ponto de vista daquele segmento. Pelo lado dos traficantes, é Adriano quem faz este papel; pelos moradores, é principalmente o casal Janete e Adão; pelos policiais, são o capitão Rodrigo Pimentel (do Batalhão de Operações Especiais-BOPE) e o então chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Hélio Luz. Além destes, há depoimentos que situam e contam a história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a gênese e 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC, graduado em

Research paper thumbnail of O QUE CONSIDERAR NA ROTEIRIZAÇÃO DE UMA OBRA LITERÁRIA PARA O CINEMA: O CASO DA ROTEIRIZAÇÃO DO CONTO "EL Y EL OTRO" DE

VII Semana Acadêmica de Letras da UFSC, 2013

Florianópolis, maio de 2013. 1. Resumo: A partir da pergunta "é possível transpor o conto 'El y e... more Florianópolis, maio de 2013. 1. Resumo: A partir da pergunta "é possível transpor o conto 'El y el otro', de Augusto Roa Bastos para o cinema?", abordamos os problemas a serem enfrentados em uma roteirização cinematográfica deste conto, especialmente no que diz respeito às dimensões espaciais e temporais da obra literária e da obra fílmica. Para que estes problemas sejam melhores visualizados, também será feito um primeiro estudo de roteirização deste conto, uma vez que o "como" transpor um conto para o cinema passa por uma fase intermediária-o roteiro-onde é necessário que um léxico próprio da narrativa cinematográfica seja empregado (léxico este que indica as posições e movimentos de câmera, os tipos de enquadramento, de corte, as marcações temporais e espaciais, etc). Para maior compreensão, junto com esta abordagem será apresentado um trabalho através do software "power point", onde estarão descritos os principais termos que compõem o que pode ser chamado de léxico cinematográfico, exemplificados por trechos de filmes. 2. Considerações: Inúmeros são os filmes pensados e feitos a partir de um texto literário. Em cada caso destes, sempre surgem as questões da relação daquele determinado filme com o texto literário que o precedeu. Uma das primeiras questões é a se o filme é uma adaptação, uma transposição, uma tradução ou se a obra literária apenas serviu de inspiração para aquele filme. Com exceção da tradução, que implicaria em reescrever o texto em uma linguagem homóloga-e é muito problemático fazer 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC,

Research paper thumbnail of Imagem Intensa e Performance como testemunho em Filmes Documentários no Brasil

Research paper thumbnail of IMAGINÁRIOS DE GUERRA OU UMA ESTÉTICA MIGRANTE

VII Congresso Internacional Roa Bastos, 2013

Florianópolis, abril de 2013 1. O Cenário, ou a diegese dos documentários diretos O Cenário é a A... more Florianópolis, abril de 2013 1. O Cenário, ou a diegese dos documentários diretos O Cenário é a América Latina, suas fronteiras e suas periferias, locais onde se trava uma "guerra contra as drogas" e onde são produzidas inúmeras narrativas audiovisuais por equipes de televisão, por documentaristas e outros atores sociais. Considerando os filmes em si, como obras audiovisuais prontas a serem exibidas em uma tela, CAMPO é o que aparece na tela, o que o espectador vê concretamente, e EXTRA-CAMPO é o que, embora tenha relação com o que está sendo visto na tela, não é visto pelo espectador. Portanto, quando se fala em extra-campo, especialmente para filmes de ficção, fala-se de uma cenografia provável e, importante, de algo que a rigor não faz parte da diegese daquele filme específico; ou seja: não está contido no espaço onde a narrativa se desenvolve. Um exemplo clássico é quando uma personagem fala se dirigindo a uma das margens da tela (ou olha para uma das margens da tela): o espectador sabe que ela está olhando ou se dirigindo a algo ou alguém já visto ou ainda por ver. Para os filmes de ficção, como regra geral isto é apenas ilusão: o alguém a quem a personagem se dirige não está lá de fato, ou a paisagem (ou coisa) que pretensamente deveria estar localizada na direção do olhar da personagem, provavelmente não está lá. Mas aqui, temos um paradoxo lógico: se o extra-campo não está contido na narrativa, como explicar que ele faça parte da narrativa? Se em um plano as personagens A e B aparecem lado a lado e no plano seguinte aparece apenas a personagem B, em close, olhando para o lado onde pretensamente está a personagem A, se dirigindo a ela, às vezes a chamando pelo nome (já conhecido do espectador), é possível afirmar que a personagem A, naquela fração de tempo que dura o close apenas na personagem B, tenha deixado de fazer parte da narrativa? Evidentemente não se pode afirmar isto; muito pelo contrário. Assim, e para evitar confusão, acredito que seja melhor falar em ESPAÇO DIEGÉTICO, que seria o espaço que abrange TODOS os elementos que compõem o relato audiovisual, aí incluídos a trilha sonora e o extra-campo. Para os filmes ficcionais, como regra geral-ressalto-este espaço fora de campo é apenas ilusão, mesmo quando as locações acontecem fora de estúdio, pois todo o entorno do plano captado pela filmadora foi "ajeitado", composto, remendado, iluminado de forma diferente, os sons foram isolados, etc, etc. Existe, porém, uma classe de filmes em que o extra-campo é de fato uma continuação física e temporal do campo: são os filmes documentários de um gênero muito específico: os que dispensam reconstituições históricas ou simulações cenográficas. Pertencem ao que se pode chamar uma tradição do cinema direto e do cine vérite, onde o representado corresponde 1 Artigo apresentado na palestra "Cinema de Fronteira", durante o VII Congresso Internacional Roa Bastos: Estéticas Migrantes, que aconteceu na UFSC em abril de 2013. 2 Professor do Curso de Cinema da UFSC, graduado em

Research paper thumbnail of DOCUMENTÁRIO GUATAHA: KURURU É A CHAVE? 1

VIII Congresso Internacional Roa Bastos: Po(éticas) e Políticas do Caribe Andino ao Grande Chaco, 2015

Florianópolis, novembro de 2015. RESUMO: Este artigo é sobre o filme documentário brasileiro Guat... more Florianópolis, novembro de 2015. RESUMO: Este artigo é sobre o filme documentário brasileiro Guataha, um média-metragem de Clarissa Knoll de 2014, com ideia e argumento de Alai Garcia Diniz. Nele o Xamã guarani Nhevangaju ,da aldeia Ocoy, constituída por guaranis deslocados da aldeia Jacutinga, que foi coberta pelas águas do lago que alimenta a Hidrelétrica de Itaipu, conta a saga mítica dos Ava Guarani. O relato épico do Xamã é interpretado como metáfora por sua neta Delia. Para construir o relato fílmico, a diretora utilizou dois tipos distintos de registros, para dar conta de duas realidades distintas, embora complementares. Palavras-chave: Cinema documentário, estética fílmica, índios guaranis, Itaipu. 1. Introdução Em 2012, ao conhecer o já centenário Xamã guarani Guilherme Tupã Nhevangaju, a Doutora Alai Garcia Diniz percebeu a necessidade de criar uma narrativa sobre a história dele e a de Ocoy, sua aldeia, decidindo realizar um filme. Para isto, procurou a cineasta Clarissa Knoll, já com o argumento e com uma ideia de roteiro. Clarissa abraçou o projeto. A documentarista acabou por encontrar uma realidade complexa, onde dois tipos de relatos se entrelaçavam e se complementavam: um relato histórico e um relato mitológico. Este artigo discute como ela conseguiu resolver o problema narrativo colocado por esta realidade complexa. A resolução do problema é o filme documentário GUATAHA, com edição finalizada em 2014. 2. GUATAHA: A CHAVE DE UM RELATO CINEMATOGRÁFICO No site da produtora Saracura Filmes, responsável pela produção deste média metragem, encontramos a seguinte sinopse do filme: Guataha mistura narrativas míticas Ava-Guarani da Destruição e da Criação do mundo contadas pelo principal xamã da aldeia Ocoy, Tupã Nevangaju, com os resquícios do alagamento da aldeia Jacutinga pela usina hidroelétrica de Itaipu em 1982, e com a jornada de Délia, neta do xamã, pela fronteira entre o Brasil e o Paraguai interpretando Ñandecy, a primeira mulher que carrega os heróis gêmeos no ventre.1 Antes de falar especificamente das escolhas narrativas feitas pela diretora, é importante 1 Artigo apresentado no VIII Congresso Internacional Roa Bastos: Po(éticas) e Políticas do Caribe Andino ao Grande Chaco, que aconteceu em novembro de 2015 na UFSC. Este artigo foi reapresentado em outros eventos, em que o filme Guataha foi exibido. Entre estes eventos está uma exibição/mesa redonda na sede do BADESC Cultural, em Florianópolis, no dia 08 de junho de 2017.

Research paper thumbnail of Fronteiras entre ficção e realidade nos relatos audiovisuais

Florianópolis, maio de 2012. No cinema, e por consequência em todas as formas de relatos audiovis... more Florianópolis, maio de 2012. No cinema, e por consequência em todas as formas de relatos audiovisuais, há uma divisão que vem desde suas origens: a da ficção e a da não-ficção, que tradicionalmente nos estudos de cinema são tratadas respectivamente como "filmes ficcionais" e "filmes documentários". Por outro lado, a quase totalidade dos estudos sobre cinema se concentra sobre os filmes ficcionais e, quando volta seu foco para os filmes documentários, tem sempre no horizonte, ou como referência, o cinema ficcional. Isto é assim porque os dois tipos de cinema partilham a mesma forma de expressão: algo que podemos chamar (e que tem sido chamado) de "linguagem cinematográfica"-termo que na verdade não é muito preciso, pois o que de mais notável esta forma de expressão tem em comum com as formas de linguagem (pelo menos as consideradas tradicionalmente assim) é exatamente a capacidade de compor relatos, frisando que o uso do termo "relato", aqui, é feito em sua acepção mais ampla, que engloba as narrativas em prosa e as narrativas poéticas, com uma vasta gama de nuances entre elas. Assim, e de forma geral, a matéria de que trata tanto os estudos sobre cinema ficcional e os sobre cinema documentário é basicamente a mesma: fotografia (ou freime) 2 em movimento, com som sincronizado ou não, colados em séries, em que cada série destas é chamada de plano. Ao final, o resultado desta colagem de uma determinada quantidade destas séries de imagens e sons, ou planos, é o filme. Como o que se vê na tela projetado, o resultado final, quase sempre também inicia por um roteiro (que equivale, aproximadamente, à parte literária de uma peça de teatro), é resultado de interpretações e/ou atuações de atores e como há um cenário (ou vários, o que é mais comum) com iluminação controlada, além de figurinos, direção de atores, etc., também há um parentesco com o teatro. Com este parentesco do cinema com a literatura (capacidade de narrar) e com o teatro, a crítica cinematográfica e os estudos sobre cinema "importaram" e adaptaram termos e conceitos utilizados pela crítica teatral e pela crítica literária, como misancene 3. Todas estas contribuições, além das advindas da psicologia, antropologia e história, entre outras, ao mesmo tempo em que auxiliaram a formar um corpo teórico sobre o cinema, simultaneamente contribuíram para criar uma espécie de "cortina" que turvou (e turva) a crítica e os estudos sobre o que há de específico no fenômeno "cinema", ou por outra: sobre o que o cinema é em sua singularidade, diegese, opacidade, estrutura e séries narrativas, personagem, ator, cenário, etc. Como, além disto, também há um parentesco com as artes plásticas-especialmente com as artes figurativas e em especial a pintura-também houve a contribuição da crítica pictórica, em especial no que diz respeito ao conceito de estilo 4. Um dos aspectos que ajudam a compor esta singularidade do cinema, no âmbito das artes (representativas ou não, mas especialmente das representativas) é que, diferente da pintura representativa, de quase todo o teatro e da literatura, o cinema produz uma peça "transparente" 5 , aqui no sentido de uma analogia com a janela e até, forçando um pouco, com o espelho: o que o 1 Professor do Curso de Cinema da UFSC; bacharel em Comunicação Social (UFRGS, 1984); Mestre em Antropologia Social (UFSC, 1996); Doutor em Literatura (UFSC, 2012). 2 Como relatos audiovisuais englobam os produzidos por vídeo, o termo adequado para nominar uma unidade discreta do plano em vídeo é freime (do inglês "frame") e não o fotograma. O freime pode ser de natureza analógica ou digital. 3 Aqui sempre será utilizada a forma aportuguesada misancene ao invés da original mise-en-scène. 4 Christian Metz, sentindo a necessidade de recursos de análise próprios do cinema, ou mais adequados ao cinema, propõe que a semiologia seja o campo que contempla melhor os estudos e críticas sobre o cinema. 5 Os conceitos de transparência e opacidade, aplicados à teoria cinematográfica, podem ser encontrados em XAVIER (1984).