Murilo Carrara Guedes | Universidade Estadual de Londrina (original) (raw)
Mérito como pretensão. 2.2. Modalidades de cognição. 3. A cognição judicial nas tutelas antecipat... more Mérito como pretensão. 2.2. Modalidades de cognição. 3. A cognição judicial nas tutelas antecipatórias e no artigo 285-A do Código de Processo Civil. 3.1. Cognição na tutela antecipatória concedida com respaldo no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. 3.2. Cognição na tutela antecipatória concedida com respaldo no abuso do direito de defesa. 3.3. Cognição na tutela antecipatória concedida com fundamento na parte incontroversa do pedido. 3.4. Cognição na tutela antecipatória concedida na sentença. 3.5. A cognição no artigo 285-A do Código de Processo Civil. 4. Conclusões. BIBLIOGRAFIA 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE COGNIÇÃO. O processo civil tem por escopo a prestação da tutela jurisdicional. O Poder Judiciário, outrossim, somente se movimenta quando impulsionado (princípio da inércia). O interessado cuja esfera de direitos foi molestada, porque vedada a autotutela, deve buscar o Judiciário para satisfação de sua pretensão. A partir da análise da pretensão do autor, da resposta do requerido e das provas produzidas é que o julgador formará seu convencimento. A solução para o conflito de interesses contrapostos exige que o juiz analise toda essa conjuntura. Não basta, porém, afirmar-se que o juiz deve analisar os argumentos das partes e as provas produzidas. Há, também, aspectos processuais que devem ser considerados e que, inclusive, podem obstar a análise da própria pretensão do autor. Superadas as questões processuais, estará o juiz autorizado a imiscuir-se no conflito de interesses propriamente dito. Esse amplo leque de possibilidade e de aspectos que devem ser considerados pelo juiz ao proferir qualquer decisão é que compõe a cognição. A cognição, pois, é uma importante técnica de correlação entre o direito material e o direito processual. Uma cognição apurada e realizada com minúcia conduz a uma tutela jurisdicional mais adequada à pretensão de direito material deduzida em juízo. O processo é um instrumento a serviço da realização do direito material. A propósito, o escólio de Antônio Cláudio da Costa MACHADO: Na verdade, a cognição funciona como um ponto de contato, ou uma 'ponte', que permite a ligação entre a realidade do direito material e a de um processo que proponha a realizá-lo o mais plenamente possível. Talvez, melhor do que 'ponte' seja a ideia culinária de 'ingredientes' para identificar a cognição como elemento integrante do modus faciendi dos procedimentos judiciais, uma vez que o fenômeno cognitivo, ao se expressar ritualmente desta ou daquela maneira por meio da regulamentação dos atos do juiz, dará este ou aquele colorido ao procedimento como um todo, tornando-o mais ou menos habilitado para a realização satisfatória da vontade do direito material numa ótica sócio-jurídica. 1 O termo cognição é utilizado indistintamente pela doutrina pátria. Ora quer indicar a modalidade de processo, como processo de conhecimento ou cognitivo ou de cognição; ora reflete todo o trabalho intelectual desenvolvido pelo juiz para decidir o conflito de interesses contrapostos deduzido em juízo. A cognição é, portanto, um ato de inteligência, de lógica do juiz. Mas não se limita a isto. É, também, uma atividade fortemente marcada pela ingerência de outros elementos, intitulados de componentes de caráter não-intelectual pelo professor Kazuo WATANABE. 2 Assim, condicionanes culturais, econômicos, políticos, sociais, axiológicos, volitivos, ocasionam os mais diversos reflexos na atividade cognoscente desenvolvida pelos juízes. O professor Eduardo J. COUTURE perfilha o mesmo entendimento: Em face de tudo quanto já foi sustentado anteriormente, não parece difícil admitir que a sentença não se esgota em uma pura operação lógica. A avaliação da prova exige, além do esforço lógico, a contribuição das 'máximas de exigência' (309), apoiadas no conhecimento que o juiz tem do mundo e das coisas. A eleição de premissa maior, ou seja, a determinação da norma legal aplicável, tampouco é uma pura operação lógica, porquanto reclama do magistrado uma opinião histórica quanto à vigência ou à derrogação das leis, quanto à condenação destas, quanto à determinação dos seus efeitos. A lógica desempenha um papel preponderante em toda essa atividade intelectual; mas a sua função não é exclusiva. Nem o juiz é uma máquina de raciocinar, nem a sentença uma cadeia de silogismos. É, antes, uma operação humana, de sentido primordialmente crítico, mas na qual a função mais importante cabe ao juiz, como homem e como sujeito de volições. Trata-1 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela antecipada. 2ª ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 74. 2 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo. São Paulo: RT, 1987, p. 42. se, talvez, de uma substituição da antiga lógica, de caráter puramente dedutivo, argumentativo, conclusivo, por uma lógica de caráter positivo, determinativo, definidor (310). (...) Os múltiplos problemas que a vida põe diariamente em frente de cada um de nós reúnem-se também no momento em que o magistrado, sem se despojar de sua condição de homem, examina os fatos, determina o direito aplicável, e extrai a conclusão. 3 Assim, sendo cediço que a cognição é um ato, em sua essência, de inteligência do juiz, pode-se defini-la, parafraseando o professor Kazuo WATANABE, como o método pelo qual o juiz forma juízo de valor sobre os pressupostos autorizadores do julgamento de mérito e sobre as pretensões apresentadas no processo (oriundas do conflito de interesses), com o fim de decidi-las, utilizando-se, para formação de seu convencimento, da consideração, da valoração e da análise das provas e alegações produzidas pelas partes. 4 A cognição judicial não se restringe, portanto, aos aspectos jurídicos. Abarca, também, elementos fáticos que, em verdade, representam a maioria das discussões deduzidas em juízo. A função primordial do julgador é a resolução destes conflitos de interesses. Porque vedada a autotutela, resguardou-se ao Poder Judiciário a prerrogativa de decidir eventuais conflitos instalados no seio social. Para fazê-lo o julgador deve despojar-se de suas pré-concepções e analisar a situação que se lhe apresenta de modo equidistante, imparcial. Em razão desta circunstância é que assume vital importância o comportamento das partes, especialmente no que toca ao ônus probatório. É da análise do conjunto de alegações e das provas produzidas que o magistrado formulará sua decisão. 3 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Tradução: Dr. Rubens Gomes de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1946, p. 215-216. Enrico Tullio LIEBMAN, em sua obra Manuale di Diritto Processuale Civile: Il processo ordinario de cognizione. Milano: Dott A. Giuffré, v. I, p. 148, também apresenta importantes considerações: "(...) Questo sillogismo finale è la sintesi di numerosi altri sollogismi, guidizi classificatori e accertamenti di carattere storico, i quali lo hanno preparato risolvendo via via i vari punti di fatto e di diritto rilevanti nella causa. Ma occorre avvertire che il sillogismo finale è soltanto lo schema logico del guidizio, quale apparirà più o meno esplicitamente nella motivazione della sentenza. L'attività del giudice è molto più complessa e comprende momenti di decisiva importanza che non sono di semplice deduzione logica, e sì d'induzione e di concreto apprezzamento del opportunità e di giustizia, ispirati alle condizioni storiche, economiche, politiche della società. Il giudice, appunto di vista del diritto, cioè a misurarli secondo una scala di valori, e la natura di quest'attività non muta per il solo fatto che quei valori siano stati in parte stabiliti in modo vincolante dal legislatore." (negrito nosso). 4 Para referido professor, cognição "(...) é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são produzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso." WATANABE, Kazuo, op. cit., p. 41. Desde a propositura da petição inicial até a apresentação dos memoriais, sejam orais ou escritos, está em ação a cognição judicial. Durante todo este ínterim o julgador analisa e valora os atos processuais. O momento magno da cognição judicial ocorre, pois, com a prolação da sentença. A cognição, pode-se dizer, está voltada para a decisão final e é peça indispensável ao convencimento judicial. A cognição materializa-se, corporifica-se, na motivação da sentença (artigos 93, IX, da Constituição Federal; 131 e 458, II, do Código de Processo Civil). É neste momento que o julgador apresenta os argumentos jurídicos e fáticos que o conduziram a aceitar determinadas premissas em detrimento de outras. A prestação de uma tutela jurisdicional efetiva e pacificadora pressupõe a técnica de cognição. Não há outra forma legal, num Estado Democrático de Direito, de proferir qualquer decisão judicial sem que o juiz antes analise, valore e mensure fatos, provas e argumentos. A técnica de cognição é imanente e indissociável das decisões judiciais. A cognição consagra, pois, toda a atividade intelectual realizada pelo julgador para decidir qualquer processo. Não existem decisões, salvo quando arbitrárias, despida de cognição (atividade intelectual séria e comprometida). 2. OBJETO DA COGNIÇÃO O objeto da cognição exsurge como um tema bastante complexo e sobre o qual não há consenso doutrinário. O que se pode afirmar, sem muita relutância, é que o objeto da cognição é mais amplo do que o objeto do processo, isto porque este integra aquele. 5 Isso, aliás, é ilustrado pelas seguintes palavras de Kazuo WATANABE: [...]. Basta a constatação de que o objeto da cognição do juiz são todas as questões ligadas as processo em si mesmo. Bem por isso e sendo as demais questões respeitantes ou à ação (para os que aceitam as condições da ação) ou ao mérito da causa, a designação genérica 'questões relativas ao processo', como faz Cândido Dinamarco, dá bem a idéia do...