Jaime Sbonga | Universidade Pedagógica de Moçambique (original) (raw)

Drafts by Jaime Sbonga

Research paper thumbnail of Temática do Realismo: Como é que nós somos, afinal de contas?

Faltavam duas horas para o meio-dia quando propositadamente saí da minha casa para um pequeno pas... more Faltavam duas horas para o meio-dia quando propositadamente saí da minha casa para um pequeno passeio pela capital do país. Ainda a sair de casa, ouviam-se berros na casa ao lado, era o Júlio, um rapaz de 17 anos que se encontra a estudar na Escola Secundária da Polana, ele estava a pedir 100 meticais à mãe para que pudesse contribuir e, portanto, participar dum evento festivo que teria lugar algures nas apetrechadas e belas pastelarias da cidade, contudo, sua mãe dizia repetidamente:-Meu filho, você sabes que tua mãe não tem dinheiro, só vendo alface e couve, e com esse pouco dinheiro fazemos o jantar e pago-te chapa... Nada daquilo parecia fazer sentido, o rapaz exaltava-se insinuando que a sua mãe nada fazia para o agradar, palavras tenebrosas para uma mãe, mas o rapaz não parou por aí e disse mais:-Não sei por que tive que sair do teu ventre. Ouvindo aquilo, cumprimentei de longe à senhora, como forma de atenuar a tensão e gravidade das palavras que o canhão do Júlio disparavam e, de facto, verificou-se um minuto de silêncio tradicional, sem mais ofensas a disparar para a senhora o rapaz foi à escola. Continuei a minha caminhada, mas aquela situação tinha sido muito triste, não saía da minha mente, só que eu não queria pensar naquilo, cada família enfrenta os seus problemas, quem seria eu para questionar a forma como cada um educa os seus filhos, eu pensava isso mas ao mesmo tempo considerava o rapaz, no mínimo, abusado por falar daquela maneira com a própria mãe, lembrei-me que uma vez tinha ouvido um ancião a dizer: " nunca critiques, nem fales de uma situação sem ter os dados todos, do contrário, vais quebrar a cara " logo decidi parar de pensar naquele assunto. Continuei o meu percurso, cheguei à uma paragem de transportes semi-colectivo de passageiros o que passarei a chamar " chapa " , entrei num que ia ao mítico bairro do Museu, o interior do chapa é muito interessante, jovens conversando em voz alta sobre assuntos eróticos, outros gritando aos celulares, fazendo questão de ficar bem vincada a marca do celular que está a utilizar, algumas meninas a contarem-se grande episódios das suas vidas em que " teriam driblado " um rol de senhores, no chapa tinha também o grupo dos que se limitavam a calar, entretanto, com os seus olhares quase que despiam os que falavam, tinha outro grupo que se quer se preocupava com o que ali se falava ou não, esses eram jovens dos seus 21 à 28 anos que com os currículos bem agarrados aos peitos suados iam em busca de emprego, dava para ver a apreensão da parte deles, já imaginando a entrevista. Em meio ao silêncio e ao barulho emergiu a voz de um jovem cristão, Luís, que tentava evangelizar os jovens " eróticos " , eles riam-se, Luís persistiu por algum tempo até que se calou. De repente subiu uma velha muito cansada, muitos baixaram as cabeças para não ter que se sentirem obrigados a ceder um assento, Luís, o cristão cedeu e os jovens eróticos perguntaram:-Estás para descer, pastor?

Talks by Jaime Sbonga

Research paper thumbnail of Romance (in) esperado: um amante de longa data

Homenagem a Mia Couto

Para "Contos do Nascer da Terra (1997)" Incrivelmente temos a mesma idade, isto é, literalmente n... more Para "Contos do Nascer da Terra (1997)" Incrivelmente temos a mesma idade, isto é, literalmente não se trata de um caso de abuso e/ou violação de menores, o que me deixa contente. Confesso que não foi necessariamente amor à primeira vista, mas admito que nos "imanizamos" por algum motivo: a busca pela minha proficiência literária. Verdade seja dita, eu já me tinha envolvido com outros textos, naturalmente, em primeiro lugar os que estão rotulados duplamente nos manuais escolares e na memória de muitos rapazes da minha era (1997), particularmente no Ensino Primário. Degustei-me daqueles textos, tentei imaginar vozes para as imagens que apareciam naqueles textos; tentei imaginar imagens, caras dos personagens, dos narradores; tentei imaginar o que faziam aqueles personagens depois do ponto final de cada texto; tentei saber de onde vinha tanta mestria e elegância dos narradores heterodigéticos para de longe contarem contos tão apaixonantes; uma imaginação sem precedentes. Foi um período surreal do qual me recordo num lamber de dedos sem qualquer azáfama. Embora tenha passado por essas relações de amizade com tais textos e outros mais que compõem os manuais escolares usados pelos meus pais e outros tantos religiosos, foi com "Contos do Nascer da Terra" de Mia Couto que sinto que a vontade de mergulhar nas letras se tornou maior, um romance (in)esperado. Por baixo de um sol escaldante, fui à prateleira de uma das bibliotecas da Cidade de Maputo e procurei por um livro, qualquer que fosse, era a primeira vez que procurava por um livro que não fosse necessariamente científico. Os meus olhos viram diversos temas bastante sugestivos e as minhas mãos sentiram as curvas e as poeiras de um e outro livro, espirei, mas continuei. Bem no fundo da prateleira tinha um livro pálido, aparentemente velho e que carecia de manutenção, segurei-o, logo senti um arrepio.

Conference Presentations by Jaime Sbonga

Research paper thumbnail of A leitura e a formação de leitores em "Escrever a Terra", de Marcelo Panguana

A leitura e a formação de leitores em "Escrever a Terra", de Marcelo Panguana

“Escrever a Terra” é uma obra literária da autoria do escritor moçambicano Marcelo Panguana, publ... more “Escrever a Terra” é uma obra literária da autoria do escritor moçambicano Marcelo Panguana, publicada em Novembro de 2018. Está dividida em três capítulos, nomeadamente: As palavras amadurecem; Cartas do fim do mundo; No colo da escrita.
Na presente reflexão, interessa-nos captar os ecos, que são vários, sobre a definição de leitura, a formação de leitores na obra em alusão, com enfoque nos primeiros textos do segundo capítulo, especificamente: “Saber ler” e “Carta à Sónia Sultuane”.

Research paper thumbnail of Um olhar sobre o Apocalipse em "Ualalapi", à luz de “O Último Discurso de Ngungunhane”

1. 32 anos de Ualalapi: Um olhar sobre o Apocalipse na obra à luz de "O Último Discurso de Ngungu... more 1. 32 anos de Ualalapi: Um olhar sobre o Apocalipse na obra à luz de "O Último Discurso de Ngungunhane" 1.1. Contextualização Ualalapi, título da obra e nome de uma personagem que recebe a missão de matar o rei hosi (rei, imperador, em língua tsonga) Mafename, a mando do seu próprio irmão Ngungunhane-Gungunhana que se torna, assim, o imperador de Gaza. Este imperador é famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do séc. XIX. Eleito um dos 100 melhores romances africanos do século XX, em Ualalapi Ungulani Ba Ka Khosa conta a história de Ngungunhane, da sua ascensão até a sua queda. (Kapulana) Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1987 e até hoje ecoa com uma profusão indescritível e imbatível no seio da rica literatura moçambicana. Ler Ualalapi é sempre um exercício de auto-deleite, de aprendizagem e de envolvência numa máquina do tempo que nos faz devorar página por página, espremendo as folhas movidos por um enlevo surreal. Actualmente é quase como um crime desconhecer Ualalapi, desconhecer a hipercorrecção e a forma como Ungulani torneia e esgota a descrição do espaço físico, social e psicológico, dando-nos uma imagem bem pincelada e sonora do que se trata na diegese. 1.2. O livro Apocalipse da Bíblia e Ualalapi à luz de "O Último Discurso de Ngungunhane": Que intercessão? Passados 32 anos, o que dizer de Ualalapi? Para uns uma obra literária e para outros didáctica, mas afinal de contas que obra literária não contém no seu ventre um pendor didáctico? Há sempre um didactismo por detrás de qualquer criação literária seja ficcional ou não. Refira-se que a análise feita tem em conta apenas "Ualalapi", isto é, exclui-se "As Mulheres do Imperador". Associamos o livro Apocalipse da Bíblia à obra Ualalapi, mais particularmente a "O último discurso de Ngungunhane". O nome do livro bíblico de Apocalipse vem de uma palavra grega que significa "Exposição" ou "Revelação", como aparece em algumas traduções. O próprio nome já indica qual é o conteúdo do livro de Apocalipse: ele expõe assuntos que estavam ocultos e revela eventos que aconteceriam muito tempo depois de

Research paper thumbnail of Temática do Realismo: Como é que nós somos, afinal de contas?

Faltavam duas horas para o meio-dia quando propositadamente saí da minha casa para um pequeno pas... more Faltavam duas horas para o meio-dia quando propositadamente saí da minha casa para um pequeno passeio pela capital do país. Ainda a sair de casa, ouviam-se berros na casa ao lado, era o Júlio, um rapaz de 17 anos que se encontra a estudar na Escola Secundária da Polana, ele estava a pedir 100 meticais à mãe para que pudesse contribuir e, portanto, participar dum evento festivo que teria lugar algures nas apetrechadas e belas pastelarias da cidade, contudo, sua mãe dizia repetidamente:-Meu filho, você sabes que tua mãe não tem dinheiro, só vendo alface e couve, e com esse pouco dinheiro fazemos o jantar e pago-te chapa... Nada daquilo parecia fazer sentido, o rapaz exaltava-se insinuando que a sua mãe nada fazia para o agradar, palavras tenebrosas para uma mãe, mas o rapaz não parou por aí e disse mais:-Não sei por que tive que sair do teu ventre. Ouvindo aquilo, cumprimentei de longe à senhora, como forma de atenuar a tensão e gravidade das palavras que o canhão do Júlio disparavam e, de facto, verificou-se um minuto de silêncio tradicional, sem mais ofensas a disparar para a senhora o rapaz foi à escola. Continuei a minha caminhada, mas aquela situação tinha sido muito triste, não saía da minha mente, só que eu não queria pensar naquilo, cada família enfrenta os seus problemas, quem seria eu para questionar a forma como cada um educa os seus filhos, eu pensava isso mas ao mesmo tempo considerava o rapaz, no mínimo, abusado por falar daquela maneira com a própria mãe, lembrei-me que uma vez tinha ouvido um ancião a dizer: " nunca critiques, nem fales de uma situação sem ter os dados todos, do contrário, vais quebrar a cara " logo decidi parar de pensar naquele assunto. Continuei o meu percurso, cheguei à uma paragem de transportes semi-colectivo de passageiros o que passarei a chamar " chapa " , entrei num que ia ao mítico bairro do Museu, o interior do chapa é muito interessante, jovens conversando em voz alta sobre assuntos eróticos, outros gritando aos celulares, fazendo questão de ficar bem vincada a marca do celular que está a utilizar, algumas meninas a contarem-se grande episódios das suas vidas em que " teriam driblado " um rol de senhores, no chapa tinha também o grupo dos que se limitavam a calar, entretanto, com os seus olhares quase que despiam os que falavam, tinha outro grupo que se quer se preocupava com o que ali se falava ou não, esses eram jovens dos seus 21 à 28 anos que com os currículos bem agarrados aos peitos suados iam em busca de emprego, dava para ver a apreensão da parte deles, já imaginando a entrevista. Em meio ao silêncio e ao barulho emergiu a voz de um jovem cristão, Luís, que tentava evangelizar os jovens " eróticos " , eles riam-se, Luís persistiu por algum tempo até que se calou. De repente subiu uma velha muito cansada, muitos baixaram as cabeças para não ter que se sentirem obrigados a ceder um assento, Luís, o cristão cedeu e os jovens eróticos perguntaram:-Estás para descer, pastor?

Research paper thumbnail of Romance (in) esperado: um amante de longa data

Homenagem a Mia Couto

Para "Contos do Nascer da Terra (1997)" Incrivelmente temos a mesma idade, isto é, literalmente n... more Para "Contos do Nascer da Terra (1997)" Incrivelmente temos a mesma idade, isto é, literalmente não se trata de um caso de abuso e/ou violação de menores, o que me deixa contente. Confesso que não foi necessariamente amor à primeira vista, mas admito que nos "imanizamos" por algum motivo: a busca pela minha proficiência literária. Verdade seja dita, eu já me tinha envolvido com outros textos, naturalmente, em primeiro lugar os que estão rotulados duplamente nos manuais escolares e na memória de muitos rapazes da minha era (1997), particularmente no Ensino Primário. Degustei-me daqueles textos, tentei imaginar vozes para as imagens que apareciam naqueles textos; tentei imaginar imagens, caras dos personagens, dos narradores; tentei imaginar o que faziam aqueles personagens depois do ponto final de cada texto; tentei saber de onde vinha tanta mestria e elegância dos narradores heterodigéticos para de longe contarem contos tão apaixonantes; uma imaginação sem precedentes. Foi um período surreal do qual me recordo num lamber de dedos sem qualquer azáfama. Embora tenha passado por essas relações de amizade com tais textos e outros mais que compõem os manuais escolares usados pelos meus pais e outros tantos religiosos, foi com "Contos do Nascer da Terra" de Mia Couto que sinto que a vontade de mergulhar nas letras se tornou maior, um romance (in)esperado. Por baixo de um sol escaldante, fui à prateleira de uma das bibliotecas da Cidade de Maputo e procurei por um livro, qualquer que fosse, era a primeira vez que procurava por um livro que não fosse necessariamente científico. Os meus olhos viram diversos temas bastante sugestivos e as minhas mãos sentiram as curvas e as poeiras de um e outro livro, espirei, mas continuei. Bem no fundo da prateleira tinha um livro pálido, aparentemente velho e que carecia de manutenção, segurei-o, logo senti um arrepio.

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A leitura e a formação de leitores em "Escrever a Terra", de Marcelo Panguana

“Escrever a Terra” é uma obra literária da autoria do escritor moçambicano Marcelo Panguana, publ... more “Escrever a Terra” é uma obra literária da autoria do escritor moçambicano Marcelo Panguana, publicada em Novembro de 2018. Está dividida em três capítulos, nomeadamente: As palavras amadurecem; Cartas do fim do mundo; No colo da escrita.
Na presente reflexão, interessa-nos captar os ecos, que são vários, sobre a definição de leitura, a formação de leitores na obra em alusão, com enfoque nos primeiros textos do segundo capítulo, especificamente: “Saber ler” e “Carta à Sónia Sultuane”.

Research paper thumbnail of Um olhar sobre o Apocalipse em "Ualalapi", à luz de “O Último Discurso de Ngungunhane”

1. 32 anos de Ualalapi: Um olhar sobre o Apocalipse na obra à luz de "O Último Discurso de Ngungu... more 1. 32 anos de Ualalapi: Um olhar sobre o Apocalipse na obra à luz de "O Último Discurso de Ngungunhane" 1.1. Contextualização Ualalapi, título da obra e nome de uma personagem que recebe a missão de matar o rei hosi (rei, imperador, em língua tsonga) Mafename, a mando do seu próprio irmão Ngungunhane-Gungunhana que se torna, assim, o imperador de Gaza. Este imperador é famoso pela resistência que opôs aos portugueses nos finais do séc. XIX. Eleito um dos 100 melhores romances africanos do século XX, em Ualalapi Ungulani Ba Ka Khosa conta a história de Ngungunhane, da sua ascensão até a sua queda. (Kapulana) Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1987 e até hoje ecoa com uma profusão indescritível e imbatível no seio da rica literatura moçambicana. Ler Ualalapi é sempre um exercício de auto-deleite, de aprendizagem e de envolvência numa máquina do tempo que nos faz devorar página por página, espremendo as folhas movidos por um enlevo surreal. Actualmente é quase como um crime desconhecer Ualalapi, desconhecer a hipercorrecção e a forma como Ungulani torneia e esgota a descrição do espaço físico, social e psicológico, dando-nos uma imagem bem pincelada e sonora do que se trata na diegese. 1.2. O livro Apocalipse da Bíblia e Ualalapi à luz de "O Último Discurso de Ngungunhane": Que intercessão? Passados 32 anos, o que dizer de Ualalapi? Para uns uma obra literária e para outros didáctica, mas afinal de contas que obra literária não contém no seu ventre um pendor didáctico? Há sempre um didactismo por detrás de qualquer criação literária seja ficcional ou não. Refira-se que a análise feita tem em conta apenas "Ualalapi", isto é, exclui-se "As Mulheres do Imperador". Associamos o livro Apocalipse da Bíblia à obra Ualalapi, mais particularmente a "O último discurso de Ngungunhane". O nome do livro bíblico de Apocalipse vem de uma palavra grega que significa "Exposição" ou "Revelação", como aparece em algumas traduções. O próprio nome já indica qual é o conteúdo do livro de Apocalipse: ele expõe assuntos que estavam ocultos e revela eventos que aconteceriam muito tempo depois de