Jorge Luan Teixeira | Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA (original) (raw)
Papers by Jorge Luan Teixeira
Estudos: Sociedade e Agricultura, 2022
Neste artigo introdutório à seção temática, apontamos a diversidade de formas pelas quais distin... more Neste artigo introdutório à seção temática, apontamos a diversidade de formas pelas quais distintos povos camponeses, quilombolas e tradicionais regulam e negociam o uso e o acesso à terra e aos chamados “recursos naturais”. Exploramos como os saberes, as lógicas, as políticas e as éticas da partilha de terras, matas, águas e seres, que podem ou não ser concebidos como de “uso comum”, estão entrelaçados, com maior ou menor felicidade e continuidade, com o próprio fazer-se de tais comunidades. Dentre os “bens comuns”, as “artes” e os “saberes” de tais povos estão aqueles, sutis, inventivos e cotidianos, de produção da relacionalidade. Considerando-se as situações de disputa e expropriação, bem como as políticas governamentais de desenvolvimento econômico ou de conservação ambiental, refletimos também sobre as respostas e estratégias de tais povos para combater o avanço de práticas predatórias sobre os seus lugares e modos de vida.
A agroecologia entre a técnica e a ética: experiências de trabalhadoras rurais em um assentamento no Ceará, 2020
Discutimos neste artigo conhecimentos e técnicas de cultivo agroecológicos de trabalhadoras rura... more Discutimos neste artigo conhecimentos e técnicas de cultivo agroecológicos de
trabalhadoras rurais no Assentamento Santa Madalena, em Tianguá (CE). Como a mudança para o assentamento ocorreu recentemente (em 2015), a lembrança do trabalho na ‘terra dos patrões’ é uma poderosa imagem que as agricultoras contrapõem à liberdade do trabalho para si. Partimos das perspectivas das mulheres sobre suas trajetórias e trabalho, o que oferece um olhar alternativo e etnograficamente informado à literatura clássica sobre o trabalho feminino no campo. Percebemos que a passagem da ‘agricultura convencional’ para a agroecologia leva a novas formas de compor cotidianamente o mundo e de cuidar dele. Ao passo que a prática agroecológica requer uma mudança das técnicas de cultivo da terra, enquanto projeto ético ela também implica novas formas de cultivar relações com uma diversidade de seres vivos, coisas, companheiras de trabalho e consigo mesmas.
Mana, 2020
O artigo discute a condição ética dos cães nos sertões cearenses tomando como foco de atenção os ... more O artigo discute a condição ética dos cães nos sertões cearenses tomando como foco de atenção os ataques de alguns deles aos rebanhos ovinos. Geralmente levando à morte dos cães, tais episódios produzem uma espécie de curto-circuito moral nas concepções sertanejas sobre os cristãos (humanos) e os brutos (animais) e problematizam a inocência conferida a priori aos segundos. Se os conceitos de pastoreio e governo chamam a atenção para o dever humano de cuidar dos animais de criação e de se responsabilizar pelas suas ações, eles também evidenciam que, para os sertanejos, animais como os cães são capazes de agir e de pensar eticamente. Longe de serem concebidos apenas como seres com “significado ético” para os humanos, os cães são percebidos na vida ordinária como “sujeitos éticos”. Este trabalho, portanto, precisa a especificidade dessa condição ética em face daquela dos humanos e argumenta que ambas estão entrelaçadas.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, u... more Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.(Graciliano Ramos, "Vidas Secas") Em nossas diferentes pesquisas, percebemos problemas similares enfrentados pelas coletividades com que trabalhamos, os quais dizem respeito aos cachorros que atacam rebanhos. Enquanto Jorge Luan Teixeira observa essa questão em áreas rurais do município de Catarina, localizado no Sertão dos Inhamuns, Ceará, Dibe Ayoub (2016) o faz em faxinais do município de Pinhão, Paraná. Tratam-se, evidentemente, de localidades e sujeitos distintos. Contudo, possuem algo em comum: em ambos os casos, os modos de vida e as práticas cotidianas de nossos interlocutores caracterizam-se pela primazia dada à criação de animais. Os cachorros, por sua vez, também fazem parte dessas socialidades, participando da vida doméstica, do cuidado da casa e do gado, e auxiliando alguns moradores nas atividades de caça. Ora bons companheiros, ora terríveis predadores, eles possuem um estatuto ambíguo, podendo ser amigos ou rivais, tais como vizinhos também o são.
Cadernos de Campo, 2014
Se um conceito pudesse condensar a visão que os moradores das fazendas de Catarina, no Sertão d... more Se um conceito pudesse condensar a visão que os moradores das fazendas de Catarina, no Sertão dos Inhamuns (CE), têm da própria condição e trabalho, esse conceito seria luta. Ainda que se trate de uma noção muito ampla, é possível pen-sar em pelo menos quatro usos relacionados dela. (1) A vida é a própria luta, viver é lutar con-tra condições vistas como precárias, é enfren-tar o sofrimento, as Secas, os revezes e persistir. (2) Lutar é também ter coragem e disposição para trabalhar duro, suportando o desgaste e o cansaço ocasionados pela peleja. Aqui, como no primeiro sentido, lutar dignifica o traba-lhador, é duplamente produtivo: o que está em jogo, além da produção econômica, é a produ-ção da pessoa moral. Quando se vive "na terra dos outros"-isto é, quando não se é o dono da propriedade em que se vive e trabalha-lu-tar também está relacionado ao empenho para obter progresso, melhorar de condição-o que ou permite sair da condição de morador, ou a torna mais confortável. (3) Os moradores lu-tam com os animais: com o "gado" (bovinos) e/ou com a "criação" (ovinos e caprinos). Se a luta é "com" é porque é a partir dessa forma de combate e esforço que o morador trabalha pela própria melhora: ao lutarem com os animais, os moradores obtém um ganho maior, sendo remunerados ou na "sorte" (uma porcentagem dos bichos nascidos), ou em dinheiro. A luta, entretanto, também é contra os animais, pois os "bicho bruto", ao contrário do ser humano, não são dotados de "entendimento" (razão) e, por isso, escapam à agência dos homens, nem sempre se submetem à sua vontade. (4) Os moradores não lutam sozinhos, mas com os parentes, com os vizinhos, com outros mora-dores e mesmo com os patrões, os donos da terra. Há tanto "gente boa" para se lutar quan-to "gente ruim".
Capítulos de Livro by Jorge Luan Teixeira
Neste capítulo, discuto a relação entre família, casa e movimento entre "moradores" (trabalhadore... more Neste capítulo, discuto a relação entre família, casa e movimento entre "moradores" (trabalhadores rurais agregados) a partir de pesquisa etnográfica realizada desde 2013 em dois pequenos municípios (Catarina e Saboeiro) localizados entre o Sertão dos Inhamuns e o Sertão Centro-Sul do Ceará. Observo que se há “forças centrípetas” que atraem o morador e seus familiares para a propriedade rural em que residem e que atuam decisivamente na “imobilização da força de trabalho” (tema caro à literatura sobre o tema), a relevância das “forças centrífugas” que direcionam o morador e os seus filhos e filhas para fora não pode ser desprezada. É essa a tese defendida. O foco do trabalho está não propriamente nas relações assimétricas entre patrões e moradores, mas nas relações que esses últimos estabelecem com seus familiares, negociando, reavaliando e reformando as relações de parentesco e uma “configuração de casas".
Tese by Jorge Luan Teixeira
Esta tese busca compreender os significados e o lugar ocupado pela caça na vida de trabalhadores ... more Esta tese busca compreender os significados e o lugar ocupado pela caça na vida de trabalhadores rurais dos municípios de Catarina e Saboeiro, no sertão cearense. Fruto de pesquisa etnográfica realizada em diferentes localidades daqueles dois municípios, este trabalho se guiou por uma pergunta central: o que poderíamos compreender acerca da vida de populações concebidas como camponesas ou rurais a partir do estudo da atividade cinegética? A exposição permite perceber que a caça e o acesso às matas, geralmente em propriedades ‘alheias’, foram de fundamental importância na história de vida dos sertanejos e lhes permitiram mitigar o sofrimento da sua condição de ‘pobres’. Hoje, embora reconheçam que se caça com menor frequência do que no tempo de antigamente, os interlocutores afirmam que a prática continua a fornecer um alívio para muitos deles, além de ser concebida como uma atividade prazerosa. O foco aqui escolhido permitirá ver que a vida em tais localidades é, necessariamente, mais que humana: cristãos, brutos, plantas, seres encantados, forças cósmicas e as informações sobre eles estão enlinhados. As elaborações sertanejas sobre o conhecimento e o movimento dos humanos e dos animais são eixos que correm todo o material apresentado, mas também as reflexões éticas sobre os estatutos dos cristãos e dos brutos e o significado de viver em um mundo em que “todo vivente tem o dono dele” e “de tudo em quanto existe”. Ao fim e ao cabo, argumenta-se que a relação indissociável entre conhecimento e movimento que se deixa ver na atividade cinegética, assim como a caça em si, são indispensáveis na composição de mundo dos sertanejos.
Dissertação by Jorge Luan Teixeira
Este trabalho trata de algumas formas e estratégias de mobilidade dos moradores do município de C... more Este trabalho trata de algumas formas e estratégias de mobilidade dos moradores do município de Catarina, Sertão dos Inhamuns (CE). Moradores são trabalhadores rurais que vivem e trabalham as com suas famílias em propriedades que não lhes pertencem. Essa vida “na terra dos outros” é apresentada tal como percebida por eles – e é assim que ganha sentido a análise de categorias como luta e sofrimento, que afirmam um cotidiano de trabalho duro e uma vida de provações e superações. A intenção, contudo, é pensar a relação de morada para além das suas duas “partes”, o patrão e o trabalhador, demonstrando como outros agentes (um público mais amplo) têm um papel fundamental nela. Essa intenção leva à abordagem de algumas formas de mobilidade – ultrapassando o limite das propriedades, portanto. Práticas como as de mapeamento e aparentamento revelam atividades de controle sobre as pertenças e as movimentações das pessoas, assim como um conhecimento prévio sobre as famílias da região, permitindo filiar os agentes (estranhos ou não) a elas. As mudanças entre as propriedades, por sua vez, revelam ideais que dizem respeito a um modo local de “fazer parentesco”, de “fazer parentes”, que passa pelo cultivo da proximidade e pela solidariedade familiar. Tais deslocamentos também são motivados pela busca de condições para o progresso, que pode levar a uma saída da condição de morador e da “terra dos outros”.
Trabalhos apresentados em eventos by Jorge Luan Teixeira
Neste trabalho, discutimos as dimensões éticas de conflitos envolvendo cachorros no Sertão dos In... more Neste trabalho, discutimos as dimensões éticas de conflitos envolvendo cachorros no Sertão dos Inhamuns (CE) e no interior do município de Pinhão (PR). Nessas localidades, além de serem considerados animais de estimação, os cachorros auxiliam no cuidado da casa, na lida com os animais de criação e em atividades de caça. Identificados com seus donos e com as terras em que vivem, os cachorros transitam através de cercas e estradas e têm um papel crucial na constituição e na negociação cotidianas dos espaços rurais: a mobilidade animal produz relações, enseja narrativas e abre margem para outros movimentos. Tais deslocamentos, contudo, podem motivar conflitos agudos quando os cachorros atacam os animais de criação de seus donos ou, pior, de outras pessoas. Assim sendo, a vida social dos cachorros nas localidades onde realizamos nossas pesquisas vai além de sua relação com seus donos, adentrando e estremecendo a boa convivência entre pessoas que habitam uma mesma vizinhança. Tanto nos Inhamuns quanto em Pinhão, os cães que atacam bovinos, caprinos, ovinos e suínos são relegados à morte, ora produzida por seus próprios donos, ora por aqueles que sofreram os danos causados pelos cachorros alheios. Embora a morte dos cães seja convencionada como a solução para os transtornos realizados por eles, essas situações de ataque da criação e de perseguição aos cachorros são carregadas de reflexões éticas sobre seus modos de ser, sua relação com os outros bichos, com os humanos, e sobre as relações entre moradores que vivem perto uns dos outros. Esses momentos de tensão permitem-nos vislumbrar não só que cães e pessoas constituem-se mutuamente, e produzem as reputações uns dos outros, mas também uma socialidade que leva em conta as ações dos bichos, os quais participam das relações de vizinhança entre pessoas. Levando isso em consideração, refletimos sobre como nossos interlocutores lidam com os cachorros que atacam e matam criação e como ao observarem os deslocamentos e ações dos cães e agirem sobre eles as pessoas também estão cuidando do convívio umas com as outras. Ao pensarmos, a partir desses conflitos, sobre a ambiguidade moral dos cachorros nos Inhamuns e em Pinhão, entendemos a ética e a moralidade não como um conjunto de normas ao qual os comportamentos humanos e animais deveriam, necessariamente, obedecer e tampouco como um "domínio social" exterior às ações cotidianas, mas como uma forma de reflexão e de julgamento imanentes àquelas ações e à vida ordinária. Se tais animais, mais do que "domésticos", têm uma face pública (em que eles surgem como extensões dos seus donos e casas), parece-nos que as suas ações, assim como as dos humanos, são eticamente percebidas e avaliadas.
Neste trabalho, penso sobre a relação entre parentesco e mobilidade entre os moradores do Serta... more Neste trabalho, penso sobre a relação entre parentesco e mobilidade entre os moradores do Sertão dos Inhamuns (CE) a partir de pesquisa realizada no município de Catarina. Não sendo donos da terra em que trabalham, os moradores muitas vezes não encontram meios de permanecer próximos dos pais, dos filhos e de outros parentes. Dinâmicas próprias à relação de morada também fazem com que os moradores se mudem várias vezes ao longo da vida entre diferentes propriedades, complexificando mais ainda as relações com os parentes. É, então, também na distância que os moradores fazem família, relacionando-se com parentes por meio de visitas, trocas, etc. A dimensão pública das coletividades familiares é analisada brevemente na introdução do artigo. Em seguida, discuto algumas categorias que dizem respeito aos modos locais de fazer parentesco: a “consideração” e a “criação”. Essa apresentação permitirá perceber a importância que a proximidade e a solidariedade têm para esses trabalhadores. Em seguida, penso sobre a relação entre as constantes mudanças de propriedades e o que foi discutido nas seções anteriores. É aí que o “viver encangado” – unidos, próximos – ganha sentido, motivando deslocamentos e a construção de territorialidades e trânsitos que ultrapassam as “extremas” de uma única propriedade.
Assim como o gado bovino, caprino e ovino, os cachorros são personagens importantes no cotidiano ... more Assim como o gado bovino, caprino e ovino, os cachorros são personagens importantes no cotidiano sertanejo: guardam as casas, auxiliam os homens no pastoreio dos rebanhos e são indispensáveis na perseguição de alguns animais e na proteção dos seus donos nas atividades de caça. Mas o seu estatuto é mais ambivalente do que pode parecer à primeira vista: alguns deles também atacam a criação (ovinos e caprinos) de vizinhos. Por que ocorrem esses ataques? Se nem sempre se presencia o ataque ao rebanho, como os sertanejos identificam o(s) cachorro(s) e o(s) seu(s) dono(s)? Como os criadores lidam com esse problema? O ataque e os caminhos comumente encontrados para a resolução do problema deixam ver alguns elementos da moralidade sertaneja e das práticas de mobilidade e conhecimento dos agentes implicados, assim como permitem destacar o papel desempenhado pelos animais na constituição de territórios rurais e de uma comunidade moral. O artigo explora dados da pesquisa de campo do mestrado que não estiveram presentes na dissertação e dá prosseguimento a questões que venho discutindo desde então.
De que forma os cachorros (uma escolha inusitada pela sua aparente banalidade) nos permitem pensa... more De que forma os cachorros (uma escolha inusitada pela sua aparente banalidade) nos permitem pensar sobre o estatuto do animal e do humano no sertão cearense? De que forma os cachorros, reconhecidos como "companheiros", ajudam a pensar a constituição de territórios rurais (e morais) e influenciam as relações entre os homens? Este artigo é uma primeira formulação que fornece algumas respostas tendo por base pesquisa realizada no município de Catarina, Sertão dos Inhamuns (CE) por ocasião da pesquisa de mestrado. Os cachorros são uma via para se pensar sobre a caça e sobre o pastoreio na região e a sua potencial ambiguidade fala muita sobre a moralidade e a socialidade sertanejas.
Programas de Curso by Jorge Luan Teixeira
Professores: John Comerford, Jorge Luan Teixeira (UVA-CE) e João Lagüéns (Pósdoc PPGAS/... more Professores: John Comerford, Jorge Luan Teixeira (UVA-CE) e João Lagüéns (Pósdoc PPGAS/MN).
Ementa: O curso pretende examinar inicialmente alguns trabalhos de antropólogas e antropólogos que, em diferentes momentos, produziram etnografias especialmente marcantes e interessantes do ponto de vista da reflexão sobre “éticas”, “moralidades”, “moral”, “valores”. Em seguida, visa explorar debates contemporâneos em torno das possibilidades e limites de abordagem e problematização antropológica/etnográfica das “moralidades” e/ou das “éticas”, algumas de suas referências teóricas, bem como algumas etnografias produzidas nesse registro. E, por fim, buscará examinar alguns trabalhos etnográficos relativamente recentes que, referidos ou não a esses debates contemporâneos, trazem uma riqueza de noções, práticas ou condutas que podem ser discutidas de forma interessante na chave das éticas e/ou moralidades, tais como respeito, luta, dignidade, humilhação, vergonha, inveja, vingança, reputação, fofoca, provocação, consideração, atenção, cuidado, tolerância, paciência, entendimento, julgamento, entre outras. Para tanto, serão trazidas para leitura pesquisas que tratam de política, campesinato, parentesco, família, casa/configurações de casas, vizinhança/comunidade, e ecologias ou relações humano animal ou humano-além do humano.
Estudos: Sociedade e Agricultura, 2022
Neste artigo introdutório à seção temática, apontamos a diversidade de formas pelas quais distin... more Neste artigo introdutório à seção temática, apontamos a diversidade de formas pelas quais distintos povos camponeses, quilombolas e tradicionais regulam e negociam o uso e o acesso à terra e aos chamados “recursos naturais”. Exploramos como os saberes, as lógicas, as políticas e as éticas da partilha de terras, matas, águas e seres, que podem ou não ser concebidos como de “uso comum”, estão entrelaçados, com maior ou menor felicidade e continuidade, com o próprio fazer-se de tais comunidades. Dentre os “bens comuns”, as “artes” e os “saberes” de tais povos estão aqueles, sutis, inventivos e cotidianos, de produção da relacionalidade. Considerando-se as situações de disputa e expropriação, bem como as políticas governamentais de desenvolvimento econômico ou de conservação ambiental, refletimos também sobre as respostas e estratégias de tais povos para combater o avanço de práticas predatórias sobre os seus lugares e modos de vida.
A agroecologia entre a técnica e a ética: experiências de trabalhadoras rurais em um assentamento no Ceará, 2020
Discutimos neste artigo conhecimentos e técnicas de cultivo agroecológicos de trabalhadoras rura... more Discutimos neste artigo conhecimentos e técnicas de cultivo agroecológicos de
trabalhadoras rurais no Assentamento Santa Madalena, em Tianguá (CE). Como a mudança para o assentamento ocorreu recentemente (em 2015), a lembrança do trabalho na ‘terra dos patrões’ é uma poderosa imagem que as agricultoras contrapõem à liberdade do trabalho para si. Partimos das perspectivas das mulheres sobre suas trajetórias e trabalho, o que oferece um olhar alternativo e etnograficamente informado à literatura clássica sobre o trabalho feminino no campo. Percebemos que a passagem da ‘agricultura convencional’ para a agroecologia leva a novas formas de compor cotidianamente o mundo e de cuidar dele. Ao passo que a prática agroecológica requer uma mudança das técnicas de cultivo da terra, enquanto projeto ético ela também implica novas formas de cultivar relações com uma diversidade de seres vivos, coisas, companheiras de trabalho e consigo mesmas.
Mana, 2020
O artigo discute a condição ética dos cães nos sertões cearenses tomando como foco de atenção os ... more O artigo discute a condição ética dos cães nos sertões cearenses tomando como foco de atenção os ataques de alguns deles aos rebanhos ovinos. Geralmente levando à morte dos cães, tais episódios produzem uma espécie de curto-circuito moral nas concepções sertanejas sobre os cristãos (humanos) e os brutos (animais) e problematizam a inocência conferida a priori aos segundos. Se os conceitos de pastoreio e governo chamam a atenção para o dever humano de cuidar dos animais de criação e de se responsabilizar pelas suas ações, eles também evidenciam que, para os sertanejos, animais como os cães são capazes de agir e de pensar eticamente. Longe de serem concebidos apenas como seres com “significado ético” para os humanos, os cães são percebidos na vida ordinária como “sujeitos éticos”. Este trabalho, portanto, precisa a especificidade dessa condição ética em face daquela dos humanos e argumenta que ambas estão entrelaçadas.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, u... more Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.(Graciliano Ramos, "Vidas Secas") Em nossas diferentes pesquisas, percebemos problemas similares enfrentados pelas coletividades com que trabalhamos, os quais dizem respeito aos cachorros que atacam rebanhos. Enquanto Jorge Luan Teixeira observa essa questão em áreas rurais do município de Catarina, localizado no Sertão dos Inhamuns, Ceará, Dibe Ayoub (2016) o faz em faxinais do município de Pinhão, Paraná. Tratam-se, evidentemente, de localidades e sujeitos distintos. Contudo, possuem algo em comum: em ambos os casos, os modos de vida e as práticas cotidianas de nossos interlocutores caracterizam-se pela primazia dada à criação de animais. Os cachorros, por sua vez, também fazem parte dessas socialidades, participando da vida doméstica, do cuidado da casa e do gado, e auxiliando alguns moradores nas atividades de caça. Ora bons companheiros, ora terríveis predadores, eles possuem um estatuto ambíguo, podendo ser amigos ou rivais, tais como vizinhos também o são.
Cadernos de Campo, 2014
Se um conceito pudesse condensar a visão que os moradores das fazendas de Catarina, no Sertão d... more Se um conceito pudesse condensar a visão que os moradores das fazendas de Catarina, no Sertão dos Inhamuns (CE), têm da própria condição e trabalho, esse conceito seria luta. Ainda que se trate de uma noção muito ampla, é possível pen-sar em pelo menos quatro usos relacionados dela. (1) A vida é a própria luta, viver é lutar con-tra condições vistas como precárias, é enfren-tar o sofrimento, as Secas, os revezes e persistir. (2) Lutar é também ter coragem e disposição para trabalhar duro, suportando o desgaste e o cansaço ocasionados pela peleja. Aqui, como no primeiro sentido, lutar dignifica o traba-lhador, é duplamente produtivo: o que está em jogo, além da produção econômica, é a produ-ção da pessoa moral. Quando se vive "na terra dos outros"-isto é, quando não se é o dono da propriedade em que se vive e trabalha-lu-tar também está relacionado ao empenho para obter progresso, melhorar de condição-o que ou permite sair da condição de morador, ou a torna mais confortável. (3) Os moradores lu-tam com os animais: com o "gado" (bovinos) e/ou com a "criação" (ovinos e caprinos). Se a luta é "com" é porque é a partir dessa forma de combate e esforço que o morador trabalha pela própria melhora: ao lutarem com os animais, os moradores obtém um ganho maior, sendo remunerados ou na "sorte" (uma porcentagem dos bichos nascidos), ou em dinheiro. A luta, entretanto, também é contra os animais, pois os "bicho bruto", ao contrário do ser humano, não são dotados de "entendimento" (razão) e, por isso, escapam à agência dos homens, nem sempre se submetem à sua vontade. (4) Os moradores não lutam sozinhos, mas com os parentes, com os vizinhos, com outros mora-dores e mesmo com os patrões, os donos da terra. Há tanto "gente boa" para se lutar quan-to "gente ruim".
Neste capítulo, discuto a relação entre família, casa e movimento entre "moradores" (trabalhadore... more Neste capítulo, discuto a relação entre família, casa e movimento entre "moradores" (trabalhadores rurais agregados) a partir de pesquisa etnográfica realizada desde 2013 em dois pequenos municípios (Catarina e Saboeiro) localizados entre o Sertão dos Inhamuns e o Sertão Centro-Sul do Ceará. Observo que se há “forças centrípetas” que atraem o morador e seus familiares para a propriedade rural em que residem e que atuam decisivamente na “imobilização da força de trabalho” (tema caro à literatura sobre o tema), a relevância das “forças centrífugas” que direcionam o morador e os seus filhos e filhas para fora não pode ser desprezada. É essa a tese defendida. O foco do trabalho está não propriamente nas relações assimétricas entre patrões e moradores, mas nas relações que esses últimos estabelecem com seus familiares, negociando, reavaliando e reformando as relações de parentesco e uma “configuração de casas".
Esta tese busca compreender os significados e o lugar ocupado pela caça na vida de trabalhadores ... more Esta tese busca compreender os significados e o lugar ocupado pela caça na vida de trabalhadores rurais dos municípios de Catarina e Saboeiro, no sertão cearense. Fruto de pesquisa etnográfica realizada em diferentes localidades daqueles dois municípios, este trabalho se guiou por uma pergunta central: o que poderíamos compreender acerca da vida de populações concebidas como camponesas ou rurais a partir do estudo da atividade cinegética? A exposição permite perceber que a caça e o acesso às matas, geralmente em propriedades ‘alheias’, foram de fundamental importância na história de vida dos sertanejos e lhes permitiram mitigar o sofrimento da sua condição de ‘pobres’. Hoje, embora reconheçam que se caça com menor frequência do que no tempo de antigamente, os interlocutores afirmam que a prática continua a fornecer um alívio para muitos deles, além de ser concebida como uma atividade prazerosa. O foco aqui escolhido permitirá ver que a vida em tais localidades é, necessariamente, mais que humana: cristãos, brutos, plantas, seres encantados, forças cósmicas e as informações sobre eles estão enlinhados. As elaborações sertanejas sobre o conhecimento e o movimento dos humanos e dos animais são eixos que correm todo o material apresentado, mas também as reflexões éticas sobre os estatutos dos cristãos e dos brutos e o significado de viver em um mundo em que “todo vivente tem o dono dele” e “de tudo em quanto existe”. Ao fim e ao cabo, argumenta-se que a relação indissociável entre conhecimento e movimento que se deixa ver na atividade cinegética, assim como a caça em si, são indispensáveis na composição de mundo dos sertanejos.
Este trabalho trata de algumas formas e estratégias de mobilidade dos moradores do município de C... more Este trabalho trata de algumas formas e estratégias de mobilidade dos moradores do município de Catarina, Sertão dos Inhamuns (CE). Moradores são trabalhadores rurais que vivem e trabalham as com suas famílias em propriedades que não lhes pertencem. Essa vida “na terra dos outros” é apresentada tal como percebida por eles – e é assim que ganha sentido a análise de categorias como luta e sofrimento, que afirmam um cotidiano de trabalho duro e uma vida de provações e superações. A intenção, contudo, é pensar a relação de morada para além das suas duas “partes”, o patrão e o trabalhador, demonstrando como outros agentes (um público mais amplo) têm um papel fundamental nela. Essa intenção leva à abordagem de algumas formas de mobilidade – ultrapassando o limite das propriedades, portanto. Práticas como as de mapeamento e aparentamento revelam atividades de controle sobre as pertenças e as movimentações das pessoas, assim como um conhecimento prévio sobre as famílias da região, permitindo filiar os agentes (estranhos ou não) a elas. As mudanças entre as propriedades, por sua vez, revelam ideais que dizem respeito a um modo local de “fazer parentesco”, de “fazer parentes”, que passa pelo cultivo da proximidade e pela solidariedade familiar. Tais deslocamentos também são motivados pela busca de condições para o progresso, que pode levar a uma saída da condição de morador e da “terra dos outros”.
Neste trabalho, discutimos as dimensões éticas de conflitos envolvendo cachorros no Sertão dos In... more Neste trabalho, discutimos as dimensões éticas de conflitos envolvendo cachorros no Sertão dos Inhamuns (CE) e no interior do município de Pinhão (PR). Nessas localidades, além de serem considerados animais de estimação, os cachorros auxiliam no cuidado da casa, na lida com os animais de criação e em atividades de caça. Identificados com seus donos e com as terras em que vivem, os cachorros transitam através de cercas e estradas e têm um papel crucial na constituição e na negociação cotidianas dos espaços rurais: a mobilidade animal produz relações, enseja narrativas e abre margem para outros movimentos. Tais deslocamentos, contudo, podem motivar conflitos agudos quando os cachorros atacam os animais de criação de seus donos ou, pior, de outras pessoas. Assim sendo, a vida social dos cachorros nas localidades onde realizamos nossas pesquisas vai além de sua relação com seus donos, adentrando e estremecendo a boa convivência entre pessoas que habitam uma mesma vizinhança. Tanto nos Inhamuns quanto em Pinhão, os cães que atacam bovinos, caprinos, ovinos e suínos são relegados à morte, ora produzida por seus próprios donos, ora por aqueles que sofreram os danos causados pelos cachorros alheios. Embora a morte dos cães seja convencionada como a solução para os transtornos realizados por eles, essas situações de ataque da criação e de perseguição aos cachorros são carregadas de reflexões éticas sobre seus modos de ser, sua relação com os outros bichos, com os humanos, e sobre as relações entre moradores que vivem perto uns dos outros. Esses momentos de tensão permitem-nos vislumbrar não só que cães e pessoas constituem-se mutuamente, e produzem as reputações uns dos outros, mas também uma socialidade que leva em conta as ações dos bichos, os quais participam das relações de vizinhança entre pessoas. Levando isso em consideração, refletimos sobre como nossos interlocutores lidam com os cachorros que atacam e matam criação e como ao observarem os deslocamentos e ações dos cães e agirem sobre eles as pessoas também estão cuidando do convívio umas com as outras. Ao pensarmos, a partir desses conflitos, sobre a ambiguidade moral dos cachorros nos Inhamuns e em Pinhão, entendemos a ética e a moralidade não como um conjunto de normas ao qual os comportamentos humanos e animais deveriam, necessariamente, obedecer e tampouco como um "domínio social" exterior às ações cotidianas, mas como uma forma de reflexão e de julgamento imanentes àquelas ações e à vida ordinária. Se tais animais, mais do que "domésticos", têm uma face pública (em que eles surgem como extensões dos seus donos e casas), parece-nos que as suas ações, assim como as dos humanos, são eticamente percebidas e avaliadas.
Neste trabalho, penso sobre a relação entre parentesco e mobilidade entre os moradores do Serta... more Neste trabalho, penso sobre a relação entre parentesco e mobilidade entre os moradores do Sertão dos Inhamuns (CE) a partir de pesquisa realizada no município de Catarina. Não sendo donos da terra em que trabalham, os moradores muitas vezes não encontram meios de permanecer próximos dos pais, dos filhos e de outros parentes. Dinâmicas próprias à relação de morada também fazem com que os moradores se mudem várias vezes ao longo da vida entre diferentes propriedades, complexificando mais ainda as relações com os parentes. É, então, também na distância que os moradores fazem família, relacionando-se com parentes por meio de visitas, trocas, etc. A dimensão pública das coletividades familiares é analisada brevemente na introdução do artigo. Em seguida, discuto algumas categorias que dizem respeito aos modos locais de fazer parentesco: a “consideração” e a “criação”. Essa apresentação permitirá perceber a importância que a proximidade e a solidariedade têm para esses trabalhadores. Em seguida, penso sobre a relação entre as constantes mudanças de propriedades e o que foi discutido nas seções anteriores. É aí que o “viver encangado” – unidos, próximos – ganha sentido, motivando deslocamentos e a construção de territorialidades e trânsitos que ultrapassam as “extremas” de uma única propriedade.
Assim como o gado bovino, caprino e ovino, os cachorros são personagens importantes no cotidiano ... more Assim como o gado bovino, caprino e ovino, os cachorros são personagens importantes no cotidiano sertanejo: guardam as casas, auxiliam os homens no pastoreio dos rebanhos e são indispensáveis na perseguição de alguns animais e na proteção dos seus donos nas atividades de caça. Mas o seu estatuto é mais ambivalente do que pode parecer à primeira vista: alguns deles também atacam a criação (ovinos e caprinos) de vizinhos. Por que ocorrem esses ataques? Se nem sempre se presencia o ataque ao rebanho, como os sertanejos identificam o(s) cachorro(s) e o(s) seu(s) dono(s)? Como os criadores lidam com esse problema? O ataque e os caminhos comumente encontrados para a resolução do problema deixam ver alguns elementos da moralidade sertaneja e das práticas de mobilidade e conhecimento dos agentes implicados, assim como permitem destacar o papel desempenhado pelos animais na constituição de territórios rurais e de uma comunidade moral. O artigo explora dados da pesquisa de campo do mestrado que não estiveram presentes na dissertação e dá prosseguimento a questões que venho discutindo desde então.
De que forma os cachorros (uma escolha inusitada pela sua aparente banalidade) nos permitem pensa... more De que forma os cachorros (uma escolha inusitada pela sua aparente banalidade) nos permitem pensar sobre o estatuto do animal e do humano no sertão cearense? De que forma os cachorros, reconhecidos como "companheiros", ajudam a pensar a constituição de territórios rurais (e morais) e influenciam as relações entre os homens? Este artigo é uma primeira formulação que fornece algumas respostas tendo por base pesquisa realizada no município de Catarina, Sertão dos Inhamuns (CE) por ocasião da pesquisa de mestrado. Os cachorros são uma via para se pensar sobre a caça e sobre o pastoreio na região e a sua potencial ambiguidade fala muita sobre a moralidade e a socialidade sertanejas.
Professores: John Comerford, Jorge Luan Teixeira (UVA-CE) e João Lagüéns (Pósdoc PPGAS/... more Professores: John Comerford, Jorge Luan Teixeira (UVA-CE) e João Lagüéns (Pósdoc PPGAS/MN).
Ementa: O curso pretende examinar inicialmente alguns trabalhos de antropólogas e antropólogos que, em diferentes momentos, produziram etnografias especialmente marcantes e interessantes do ponto de vista da reflexão sobre “éticas”, “moralidades”, “moral”, “valores”. Em seguida, visa explorar debates contemporâneos em torno das possibilidades e limites de abordagem e problematização antropológica/etnográfica das “moralidades” e/ou das “éticas”, algumas de suas referências teóricas, bem como algumas etnografias produzidas nesse registro. E, por fim, buscará examinar alguns trabalhos etnográficos relativamente recentes que, referidos ou não a esses debates contemporâneos, trazem uma riqueza de noções, práticas ou condutas que podem ser discutidas de forma interessante na chave das éticas e/ou moralidades, tais como respeito, luta, dignidade, humilhação, vergonha, inveja, vingança, reputação, fofoca, provocação, consideração, atenção, cuidado, tolerância, paciência, entendimento, julgamento, entre outras. Para tanto, serão trazidas para leitura pesquisas que tratam de política, campesinato, parentesco, família, casa/configurações de casas, vizinhança/comunidade, e ecologias ou relações humano animal ou humano-além do humano.