Quem dá mais?, 1931 (original) (raw)

Compositor / intérprete: Noel Rosa

Acompanhamento: Orquestra Copacabana

Gravação: 02/07/1932 (lado A do 78 rpm nº 10.931 da Odeon – Matriz 4473).

Áudio: arquivo IMS

Foto: Diário da Noite de 04/06/1930.

Letra:

Quem dá mais...

Por uma mulata que é diplomada

Em matéria de samba e de batucada

Com as qualidades de moça formosa

Fiteira, vaidosa e muito mentirosa...?

Cinco mil-réis, duzentos mil-réis, um conto de réis!

Ninguém dá mais de um conto de réis?

O Vasco paga o lote na batata

E em vez de barata

Oferece ao Russinho uma mulata.

Quem dá mais...

Por um violão que toca em falsete,

Que só não tem braço, fundo e cavalete,

Pertenceu a Dom Pedro, morou no palácio,

Foi posto no prego por José Bonifácio?

Vinte mil-réis, vinte e um e quinhentos, cinquenta mil-réis!

Ninguém dá mais de cinquenta mil réis?

Quem arremata o lote é um judeu,

Quem garante sou eu,

Pra vendê-lo pelo dobro no museu.

Quem dá mais...

Por um samba feito nas regras da arte,

Sem introdução e sem segunda parte,

Só tem estribilho, nasceu no Salgueiro,

E exprime dois terços do Rio de Janeiro.

Quem dá mais?

Quem é que dá mais de um conto de réis?

Quem dá mais?

Quem dá mais?

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três!

Quanto é que vai ganhar o leiloeiro,

Que é também brasileiro,

Que em três lotes

Vendeu o Brasil inteiro?

Quem dá mais...?

“Quem dá mais?” é um samba humorístico escrito em 1931 para a revista (espetáculo teatral cômico) “Café com Música”, sob encomenda para o quadro “Leilão do Brasil”. Era uma das oito canções da autoria de Noel Rosa incluídas no espetáculo de Maciel Pereira, Leo Grim e Eratósthenes Frazão, que estreou no Teatro Recreio em 24/04/1931.

O Vasco, a mulata e a barata voltaram a aparecer em outra letra de Noel, “Negócio de Turco”, paródia de um tango que não foi gravada:

Seu Jorge turco tem três anos de Brasil

E quando bebe mais de um barril

Encurta o pano de qualquer freguês

Comprou por cento e um mil e cento e vinte réis

Uma “barata” pra passear com a mulata

Que ele roubou de um português

E a mulata que era torcida do Vasco da Gama

Pra colchão vendeu a cama

E jejuava trinta vezes por mês

E hoje anda chique e é tratada com todo carinho

Já desfalcou a caixa do armarinho

Pra reerguer o Sírio Libanês. (...)

A menção ao Vasco, a Russinho e a uma barata ocorre por conta do “Grande Concurso Monroe”, que, em 1930, premiou o “Leader dos Footballers Brasileiros”. O concurso foi promovido pela Companhia Manufactora de Fumos Veado, em parceria com o Diário da Noite, jornal recém-lançado no Rio de Janeiro, e se estendeu aos estados de São Paulo (em parceria com o Diário de S. Paulo) e Minas Gerais (Estado de Minas). Todos os participantes eram filiados aos Diários Associados, empresa fundada por Assis Chateubriand. O vencedor ganharia, além do título, uma barata Chrysler tipo 77. O voto era feito com a embalagem vazia de qualquer marca de cigarro da companhia, na qual era anotado o nome do jogador escolhido.

Os mais cotados para ganhar os prêmios eram: Russinho (Vasco), Fortes (Fluminense), Filó (Corinthians), Friedenreich (São Paulo) e Nonô (Flamengo). O corpo social do Vasco da Gama se mobilizou para votar em Russinho. Um de seus cabos eleitorais foi João de Almeida, da fábrica Sabão Portuguez, que promoveu a rifa de um automóvel. Também se sorteou uma viagem para Portugal.

Moacyr Siqueira de Queiroz (Rio de Janeiro, 18/12/1902 – 14/8/1992), o Russinho, era atacante e atuou no Vasco de 1924 a 1934. Foi campeão carioca em 1924, 1929 (quando marcou três gols na final Vasco 5 x América 0) e 1934, e artilheiro da competição em 1929 e 1931. É o 5º maior artilheiro da história do Vasco, com 225 gols em 237 jogos (média de 0,94) e foi titular da Seleção que disputou a primeira Copa do Mundo em 1930.

A apuração ocorreu no Theatro Lyrico, em 3 de junho, e sagrou Russinho o grande campeão. A barata foi entregue ao jogador em 15 de junho de 1930, com uma grande festa em São Januário, que coroou sua vitória.

A repercussão do Concurso Monroe fez com que a Amea (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos) proibisse que os atletas amadores entrassem em concursos desse tipo.

A música de Noel Rosa foi relançada em diversas coletâneas e gravada por outros intérpretes. Na versão de 1974, da cantora Eliana Pittman, Russinho é substituído por Zanata, ídolo do Vasco na década de 70, campeão carioca em 1972 e 1977, e brasileiro em 1974:

Cinco mil-réis, duzentos mil-réis, um conto de réis!

Ninguém dá mais que um conto de réis?

O Vasco paga o lote na batata

E em vez de barata

Oferece ao Zanata uma mulata.

Outras gravações da música foram feitas pelos intérpretes:

- Vanja Orico, no LP “Vanja Orico” (Seta 080.027, 1981);

- MPB-4, no LP/CD “Feitiço Carioca – Do MPB-4 para Noel Rosa” (Continental 1.01.404.322, 1987);

- Eduardo Dussek, no LP/CD “Songbook Noel Rosa – Disco 2” (Lumiar Discos 100.211/2, 1991);

- Família Roitman, no CD “O Samba nas Regras da Arte” (Dubas Música M450999463-2, 1995);

- Cristina Buarque e Henrique Cazés, no CD “Sem Tostão... A Crise não é Boato” (BMG Brasil 7432127914-2, 1995);

- Alfredo Del-Penho, no CD “Noel Rosa: O Poeta do Samba e da Cidade”, que acompanha o livro de mesmo nome, escito por André Diniz (2010).