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Correio da Manh�

Jornal carioca diário e matutino fundado em 15 de junho de 1901, por Edmundo Bittencourt e extinto em 8 de julho de 1974. Foi durante grande parte de sua existência um dos principais órgãos da imprensa brasileira, tendo-se sempre destacado como um "jornal de opinião".

A RepúblicaVelha

A fundação do Correio da Manhã pode ser relacionada à Revolução Federalista, deflagrada nos primeiros anos da República (1893-1894) no estado do Rio Grande do Sul, e aos eventos que a ela se sucederam no cenário político da nação.

Sabe-se que Edmundo Bittencourt estava de alguma forma vinculado aos federalistas. Ainda no Segundo Reinado, iniciara sua vida jornalística em Porto Alegre, colaborando em A Reforma, jornal pertencente ao conselheiro Gaspar Silveira Martins. Essa formação gasparista e portanto oposicionista parece explicar a linha "participante e combativa" que Bittencourt imprimiria a seu próprio jornal.

De fato, declarando-se isento de qualquer tipo de compromisso partidário, o Correio da Manhã apresentou-se como o defensor "da causa da justiça, da lavoura e do comércio, isto é, do direito do povo, de seu bem-estar e de suas liberdades". Em outro nível, o jornal causou grande impacto por sua independêndia da situação, vindo "romper com os louvores a Campos Sales", então presidente da República. Finalmente, outra característica do Correio da Manhã nomomento de sua fundação foi sua aproximação com as camadas menos favorecidas da sociedade.

A primeira campanha levada a efeito pelo jornal - o combate contra o aumento no preço das passagens dos bondes da Companhia São Cristóvão - traduzia esse interesse pelo direito das massas. Desde o primeiro número, o Correio fez também campanha contra os jogos de azar e denunciou os funcionários públicos que extorquiam dinheiro de comerciantes. Evaristo de Morais, um de seus colaboradores, chamava a atenção para os movimentos operários em todo o mundo e para a ação coercitiva das leis brasileiras diante das reivindicações partidas das camadas mais pobres. Além disso, o jornal dava destaque em suas páginas a passeatas e movimentos coletivos.

O oposicionismo do Correio da Manhã foi visto pelo próprio jornal em edições comemorativas posteriores como o "combate ao controle do poder pelas oligarquias que tentaram durante a Primeira República deter o país num estágio agrícola de produtor e exportador de matérias-primas e importador de manufaturas.

Na verdade, o jornal era uma espécie de frente organizada para opor-se à situação. Admitindo colaboradores das mais diversas tendências, como o conde de Afonso Celso, monarquista, e Medeiros e Albuquerque, simpatizante do florianismo, Edmundo Bittencourt empenhava-se no entanto em recusar caráter neutro a seu jornal. Sua personalidade funcionava como uma espécie de denominador comum entre as diferentes opções políticas de seus colaboradores, constituindo a verdadeira força motriz que impulsionava o Correio da Manhã nessa primeira fase. Essa relação entre proprietário e jornal e entre proprietário e corpo de redatores é descrita em Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), onde Lima Barreto, segundo chave fornecida por seu biógrafo Francisco de Assis Barbosa, faz detida análise do Correio da Manhã nos primeiros anos de sua existência. Numa referência a Edmundo Bittencourt, diz o texto: "Nenhum dos seus redatores tinha uma personalidade suficientemente forte para resistir ao ascendente de sua. Medíocres de caráter e inteligência, embora alguns fossem mais ilustrados que ele, a ação deles no jornal recebia... o sinete de sua paixão dominante, a sua característica; e esta era, a despeito de sua fraca capacidade intelectual, a resistência que o seu cérebro oferecia ao trabalho mental contínuo."

Mantendo-se portanto sempre avesso tanto à neutralidade como ao compromisso partidário, durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906) o Correio da Manhã aplaudiu a nomeação de Pereira Passos para a prefeitura do Distrito Federal, por considerá-lo homem "sem ligações partidárias e que se tem distinguido principalmente como administrador". No entanto, não tardaram as críticas à maneira violenta pela qual era aplicada a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, dando margem a uma revolta orientada ideologicamente pela oposição. Esse movimento, deflagrado em novembro de 1904, encontrou respaldo no jornal, que agia em dois níveis: de um lado, assumindo o papel de aglutinador da frente formada contra a vacina obrigatória sob a liderança de Mauro Sodré, Alexandre Barbosa Lima e Barata Ribeiro, e, de outro, contestando a própria validade científica da vacina, a qual, segundo o Apostolado Positivista do Brasil, não passava de um " envenenamento inconsciente da espécie humana através do pus da vaca".

Essa atitude do Correio da Manhã diante da vacinação obrigatória refletia a posição do jornal frente a um fenômeno mais amplo, o do desenvolvimento urbano-industrial do Rio de Janeiro verificado sob o governo Rodrigues Alves. Assim como as medidas de saneamento, a remodelação da cidade iniciada em 1903 tendeu a atingir sobretudo os setores mais desfavorecidos da sociedade. Um artigo assinado por Gil Vidal (pseudônimo de Leão Veloso Filho), primeiro redator-chefe do jornal, chamava a atenção para o fato de que, embora a vacinação fosse obrigatória para todos, "o todo é composto por partes diferentes... Criado ou empregado de residência particular, empregado de negociante, operário de fábrica, operário de oficina, são os casos em que a admissão no emprego está condicionada à apresentação do atestado de vacina... Para os poderosos e para os amigos do governo não haverá, entretanto, vacinação obrigatória".

Na verdade, o jornal, apoiando os setores menos favorecidos, não fazia mais que arregimentar elementos para constituir aquilo que se poderia denominar uma clientela urbana. Esta clientela iria dar conta da tradição legalista do Correio da Manhã daí em diante: a orientação oposicionista, baseada no respeito incondicional à letra da lei, atacando qualquer forma de intervencionismo do Estado e pugnando pelo primado dos preceitos liberais, tendia a cristalizar-se.

Em seguida à revolta popular contra a vacina obrigatória, o Correio da Manhã tomou a defesa de Lauro Sodré, que fora detido num navio de guerra. Pouco depois, ao se comemorar o 15�. aniversário da República, o jornal lamentou que esta forma de governo não tivesse, ao menos no Brasil, o conteúdo liberal esperado, pois se havia convertido em "regime de insuportável opressão e tirania '.

Em 1906, sentindo-se ofendido por matéria assinada por Edmundo Bittencourt, Pinheiro Machado desafiou para um duelo o proprietário do Correio da Manhã, que saiu ferido do embate. Esse fato foi significativo, na medida em que definiu com rigor a linha política oposicionista do jornal, sobretudo se se levar em consideração a posição governista do senador durante a Revolução Federalista. Mais tarde, o jornal colocou-se contra a obrigatoriedade do serviço militar, instituída por Hermes da Fonseca, ministro da Guerra do governo Afonso Pena.

Foi, no entanto, por ocasião do início do debate sucessório do governo de Afonso Pena (1908) e dos fatos subseqüentes, que se definiu de forma inequívoca a atuação política do Correio da Manhã durante a República Velha.

Ao ser desarticulada a candidatura de Davi Campista, o jornal aproximou-se de Hermes da Fonseca, declarando: "O marechal Hermes conquistou definitivamente o coração do povo." Em 12 de maio de 1909, data do aniversário do marechal, o jornal fez ampla cobertura da homenagem que lhe foi prestada e que se transformou em manifestação eleitoral. Por outro lado, no momento em que Hermes da Fonseca se declarou candidato, renunciando à pasta da Guerra, Rui Barbosa, que ainda não havia lançado sua candidatura, manifestou-se contrário à eleição do ex-ministro. O Correio da Manhã alegou então não haver "quem ignore no país o velho desejo que tem o sr. Rui de ser presidente da República". A ligação do Correio da Manhã com Hermes da Fonseca era o reflexo da aproximação de determinados setores civis com o Exército. O rompimento de Hermes com a situação pareceu ter favorecido o apoio que o jornal lhe conferiu inicialmente. O marechal era o candidato defendido por "cidadãos fora dos círculos partidários", não estando portanto comprometido com interesses oligárquicos.

No entanto, após a convenção de maio, que confirmou a indicação de Hermes, a posição do Correio da Manhã sofreu uma alteração radical, passando a encampar a candidatura Rui Barbosa. Em julho de 1909, artigo assinado por Gil Vidal dizia que "a candidatura Hermes, na sua primeira fase . . . não [fora] absolutamente do agrado dos chefes políticos que a adotaram na convenção de 22 de maio". Assim, Hermes já não seria um "grande remédio aos grandes males", ou seja, não apareceria mais como elemento de contrapeso à existência das oligarquias. Uma vez que o marechal perdera o "apoio popular', não mais se justificava apoiar ativamente sua candidatura.

Nessa fase, o Correio da Manhã, que dera boa acolhida ao governo Nilo Peçanha, passou a atacá-lo com desabrida violência, possivelmente em conseqüência das atitudes por este tomadas contra o antigo ministério, as quais pareciam indicar uma orientação pró-hermista. No momento em que Rui Barbosa confirmou sua candidatura, em agosto de 1909, o jornal ingressou a seu lado na Campanha Civilista. A partir de então, Hermes da Fonseca passou a ser considerado "o candidato dos analfabetos".

Com a posse do candidato militar vitorioso, em 15 de outubro de 1910, o Correio da Manhã passou a chefiar a oposição. Além de criticar o presidente por não ter cumprido sua promessa de anistiar os implicados na revolta dos marinheiros liderada por João Cândido, o jornal criticou também a incapacidade de Hermes da Fonseca diante da hegemonia de Pinheiro Machado no Senado. Isso se tornou ainda mais claro quando Pinheiro Machado passou a disputar com Nilo Peçanha o governo do estado do Rio, e o jornal deu seu apoio ao segundo.

Por ocasião da Primeira Guerra Mundial, Edmundo Bittencourt dirigiu o Correio da Manhã para uma posição simpática à Alemanha, o que contrastaria com a anglofilia que iria predominar a partir de 1929.

Em 1919, o jornal apoiou mais uma vez Rui Barbosa à presidência, combatendo a candidatura de Epitácio Pessoa. Diante da vitória deste último, o Correio capitaneou a oposição a seu governo.

Durante a campanha da Reação Republicana, que, no momento da sucessão de Epitácio Pessoa, promoveu a candidatura de Nilo Peçanha em oposição a Artur Bernardes, o Correio da Manhã colocou-se ao lado do primeiro, declarando-se decididamente antibernardista. O Correio foi também o órgão que em outubro de 1921 publicou a série de "cartas falsas" supostamente dirigidas por Artur Bernardes ao senador Raul Soares, nas quais era questionada a integridade moral das forças armadas.

A primeira carta publicada pelo Correio da Manhã referia-se a Hermes da Fonseca como um "sargentão sem compostura", e terminava conclamando Raul Soares a subornar os militares para conseguir adesões: "A situação não admite contemporizações. Os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões." As cartas chegaram ao Correio da Manhã através do senador antibernardista Irineu Machado, que pôs o redator politico Mário Rodrigues em contato com o detentor dos documentos Oldemar Lacerda. Ao longo das diligências que se estabeleceram no sentido de comprovar ou refutar a autenticidade das cartas, o Correio da Manhã insistiu com veemência em sua veracidade. Por fim, Oldemar Lacerda confessou tê-las falsificado.

Por ocasião do levante dos 18 do Forte, ocorrido em 5 de julho de 1922, Edmundo Bittencourt foi preso devido à sua posição antibernardista durante a campanha sucessória. Em sua ausência, o jornal foi dirigido por Mário Rodrigues, que acusou o presidente Epitácio Pessoa de favorecer os exportadores de açúcar, levantando medidas restritivas que haviam sido impostas anteriormente pelo próprio governo. Epitácio Pessoa teria sido subornado com um colar dado a sua mulher. Por suas acusações, Mário Rodrigues foi condenado a um ano de prisão. Com o falecimento de Leão Veloso Filho em 1923, o senador alagoano Pedro da Costa Rego tornou-se redator chefe do Correio da Manhã.

O Correio da Manhã foi um dos poucos jornais a demonstrar simpatia pelos rebeldes das revoluções de 1922 e 1924. Em agosto de 1924, o jornal teve sua circulação suspensa a pretexto de estar imprimindo em suas oficinas o folheto clandestino denominado Cinco de Julho, que supostamente divulgaria as propostas tenentistas. O Correio da Manhã só voltou a circular em maio de 1925. Sob o governo de Washington Luís, no momento da aprovação da Lei de Imprensa pelo Senado (1927), o jornal, ainda o grande orgão da oposição, publicou em manchete o artigo "Lei infame, lei celerada".

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