Camaradas caretas: drogas e esquerda no Brasil após 1961 (original) (raw)
(in memoriam). Meu caminho pelo mundo tem seus traços, aquele abraço! Alô, alô, Gabi: com amor, da cabeça aos pés, agradeço. Pela vida juntos e por todo esse isso tudo que não mereço. Aquele abraço, dos que não soltam! Apresentação Em 3 de fevereiro de 2012, publiquei no site do jornal Brasil de Fato um artigo intitulado "Os respingos da razão entorpecida na esquerda" (Delmanto, 2012). O texto era uma resposta a outro escrito por Roberta Traspadini (2012), economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES. Com o nome de "Drogas: consumo (in)consciente", partia da definição de droga como um amplo leque de diferentes substâncias, legais e ilegais, mas não desenvolvia tal pressuposto nem questionava por que só algumas delas são proibidas, concluindo com a mesma bandeira propagada por Ronald Reagan e Richard Nixon no início da guerra às drogas: a busca por um mundo sem essas temidas substâncias. "A mercadoria droga exige que mentes e corpos dos sujeitos envolvidos, via consumo, sejam anestesiados ao longo do tempo, saqueados na sua capacidade reflexiva, re(a)tiva, enquanto poder ser, poder popular", apontava Traspadini, que vê "a droga" como conduzida pelo capital, classificado pela autora como "erva daninha", "sobre as veias abertas de nosso povo, como classe". Na sequência, ela relaciona capital e droga, e propõe o combate a ambos: Uma opção clara de classe exige tomar partido por um mundo sem drogas daninhas. Para isto, temos que redefinir o conceito de droga, e incluir nesta definição a ação do ser humano sobre os demais seres humanos, sobre a natureza, sobre os demais seres, em sua capacidade histórica de se refazer enquanto sujeito político. Em minha resposta, ressalto que, esquecendo-se de que o convívio humano com alteradores de consciência é imemorial e data das próprias origens da vida em sociedade, tendo sido ilegalizado somente no século XX, Traspadini relaciona equivocadamente consumo com dependência, e também consumo com capitalismo. Estaria duplamente incorreta, portanto, a seguinte afirmação da autora: "Ao conduzir a droga sobre as veias abertas do nosso povo, como classe, o capital, erva daninha a ser combatida em suas raízes, apodera-se das instâncias formais da política e executa um poder que pretende aniquilar a voz, o corpo, os sentidos da nossa trajetória popular". Qualquer pesquisa minimamente séria indica que o índice de abuso no uso de drogas, legais ou ilegais, é minoritário (mesmo no caso do demonizado crack, no qual o índice não chega a 25%), comprovando o que qualquer consumidor de vinho sabe: os efeitos das substâncias dependem de seu uso, não sendo benéficos ou maléficos a priori. Desta forma, "nosso povo" faz sim uso problemático de drogas, assim como faz usos medicinais, culturais e contraculturais, religiosos, científicos, filosóficos, pragmáticos e recreacionais destas substâncias que são parte do patrimônio cultural e histórico deste mesmo povo. (Delmanto, 2012) Além disso, tendo em vista exatamente esta história e tradição, é absolutamente questionável afirmar que é o capital quem "conduz a droga" para o povo, tendo em vista ser este um anseio muito 1 A expressão é "emprestada" de Caetano Veloso e Gilberto Gil, autores da canção Haiti, que se referia, entre outras coisas, a Massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992.