A escuta como ato de composição (original) (raw)

A escuta como objeto de pesquisa

A condição primordial da música, ou das músicas, é a multidisciplinaridade: sua absoluta dependência de diversos conhecimentos, científicos ou não. Ela questiona muito mais a possibilidade de isolamento, espalhando-se parasitariamente por áreas e disciplinas diversificadas, constituindo-se como uma babel de linguagens. É como se ela parecesse querer mostrar que, para se conseguir apenas noções parciais a seu respeito – sem quaisquer garantias essenciais – fosse preciso montar um quebra-cabeças em que cada peça proviesse de áreas diferentes do saber. Ainda agora, e sempre, se procura, tateando, elaborar entendimentos dessa atividade pertencente ao espaço artístico, através do cruzamento de dados da acústica, da matemática, da história, da física, e da fisiologia, da eletrônica, da psicologia, da mecânica, da antropologia etc.

[Artigo] A escuta da escuta

Revista Vazantes, 2018

Através da escrita fragmentária, este texto entrelaça a experiência de um incêndio em uma biblioteca e as maneiras de se colocar a escutá-lo, propondo um pensamento da escuta em que se deseja a construção de lugares onde possa se experimentar mais ressonância do que comunicação, preocupando-me mais com a proposição dos mesmos (sendo a escrita um deles) do que com sua efetivação. Amalgamada aos acidentes cotidianos e à tentativa de inventar formas de escutá-los, encontro-me com a impossibilidade de que algo seja feito, e assim, assumo os gestos em que apenas reúno as coisas, os pequenos fatos, os encontros provocados, na tentativa de criar imagens inacabadas para dar conta desse anseio por falar de uma postura de escuta frente ao mundo e ao outro. São jeitos de se voltar. Voltar enquanto um fazer mover o corpo em direção a algo. Fazendo pensar, mais que no outro e em si mesmo, no lugar desse estranhamento íntimo.

Escuta, construção, composição

Orfeu

O texto discute o processo de composição de quatro obras do autor utilizando as noções de “material musical” e “modelo”. Modelo seria uma combinação de traços formais que se extrai de um material musical com o objetivo de se projetar em outro contexto. Os modelos envolvem princípios de organização que se aplicam a diferentes aspectos da dimensão formal da música. São analisados diversos trechos de peças do autor a partir das mesmas noções. Discute-se também a utilização da modelagem computacional (CAC) no processo de composição.

Entre a Presença do Ouvir, Sentidos a Escutar

Revista Brasileira de Estudos da Presença, 2019

Resumo: No ensaio aproximam-se estudos fenomenológicos em torno da dimensão poética da linguagem para uma abordagem das ações de ouvir e escutar como distintas na experiência de produção de sentidos. Estabelece-se uma interlocução entre filosofia e poética para pensar a inseparabilidade entre corpo e mundo, ritmo e voz, e assim destacar a relevância educacional da experiência estésica da escuta do mundo como ressonância fundante de sentidos que são organizados, situados e expressos em linguagem.

Escuta como cuidado: o que se passa nos processos de formação e de escuta

É possível ensinar? É possível ensinar a escutar? O que significa a escuta como cuidado? Pensamos cuidado, ensino e escuta como processos que não guardam entre si uma relação de externalidade. Nesta medida, nos afastamos da compreensão de que há um outro sobre o qual atuamos, intervimos e depositamos conhecimentos e técnicas, de quem extraímos saberes, de quem cuidamos. Partilhamos da compreensão de que sujeitos e objetos se constituem nas relações, e não como unidades independentes e que guardam uma relação de interação entre estas unidades. Neste sentido, é preciso que façamos uma inflexão nas questões anteriores, indagando: o que se passa na formação? O que se passa na escuta?

Itinerários filosóficos da escuta

Revista Filosófica de Coimbra, 2022

O objetivo deste texto é mostrar como, esgotado o caminho filosófico e histórico do progresso, a crise exige que se retome o caminho da escuta, esquecido desde a modernidade científica. Na raiz da racionalidade ética e hermenêutica reside a capacidade humana de escuta, símbolo da passividade do homem capaz e da interdependência do humano. Contra a soberania da razão abstrata moderna, baseada no primado do imediato e da visão, a escuta segue os itinerários da receção que exige resposta hermenêutica e singularização dialógica pessoal.

Publicações sonoras: entre processos de escuta e participação

Resumo: O texto propõe reflexões sobre desdobramentos de publicações sonoras em instalações, proposições e ações sonoras, ou vice-versa, envolvendo diferentes processos de escuta, entre o infra-ordinário e o infra-mince, entre o lugar de escuta de espaços sonoros fronteiriços, o que pressupõe trânsitos entre contextos e falas atravessadas, pensando-se e praticando-se a escuta como situação, campo e espaço de participação. Deste modo, são investigados os projetos The Sonic Body: Figures 1-12 (2011), de Brandon LaBelle, Crackers (2001) de Christof Migone, Horizontal Radio (1995), proposta pela ONF, bem como os processos de construção dos projetos e das publicações Como falar entre fronteiras (2015), de Franciele Favero, Panquecas fantasmáticas e FORA [DO AR] (2004), de Raquel Stolf. Dialogando com estas reflexões, abordam-se relações com autores e autoras como José Iges,

Entre escutas e solfejos: afetos e reescrita crítica na composição

Universidade Estadual de Campinas, 2016

Este trabalho tem dois objetivos principais. O primeiro é afirmar a singularidade da reescrita crítica como um modo especial de reescrita ou de relação intertextual no campo da composição musical. Compreendendo a reescrita como a prática comum de reelaboração de materiais, gestualidades, técnicas e procedimentos musicais já anteriormente concebidos e construídos, busco defender a tese de que a reescrita crítica se singulariza ao se determinar enquanto uma operação composicional que torna possível que uma obra ou material musical antigo seja escutado a partir de novos modos de escuta. Para melhor consolidar a tese, organizei então o trabalho em três grandes capítulos, aos quais correspondem temas que, de certa maneira, produzem um caminho para a afirmação da tese. No primeiro capítulo procuro abordar os afetos enquanto a pluralidade de linhas expressivas das mais diversas naturezas (qualitativa, emocional, geográfica, cultural, política, econômica, histórica, etc.) que se manifestam e se complicam umas com as outras nos corpos sonoros e musicais e que, na escuta, nos afetam. No segundo capítulo é o conceito de solfejo que abordo, compreendendo-o como as variadas lógicas operacionais, necessariamente atentas aos efeitos que produzem na escuta, de consolidar materiais heterogêneos em uma composição musical. Solfejo é assim uma constelação de afetos, uma conjunção de modos de ser afetado, sentir, perceber e escutar mais ou menos determinável. Por fim, o terceiro capítulo trata da reescrita crítica enquanto um ato de reelaboração caracterizado por cruzar dois solfejos pelo menos, para assim perturbar o modo de escuta original implicado nos materiais ou procedimentos antigos, que passam assim a serem escutados de outras maneiras. O segundo objetivo principal dessa tese consiste na integração dos problemas que enfrento e busco solucionar em meu próprio trabalho prático composicional às problematizações e temáticas teóricas e filosóficas abordadas em cada um dos capítulos. Trata-se, nesse sentido, de uma pesquisa científica em que busco melhor compreender a minha prática composicional relacionando-a com obras de outros autores por meio da injeção, ao longo do texto acadêmico, de problemáticas e ideias coletivas que também me são caras em minhas própria pesquisas artísticas e composicionais.