Retomar a crítica interna do capitalismo? Revisitando a análise das crises em Problemas de legitimação no capitalismo tardio de Habermas (original) (raw)

[Tese] A crítica do capitalismo de Jürgen Habermas: história, sistematização, crítica e uma proposta de reconstrução

Desde os anos 1960 até esta terceira década do século XXI, Jürgen Habermas continuadamente se esforça em construir uma teoria crítica da sociedade capitalista. A gama de seus esforços se corporifica numa prolífica sucessão de obras que, não raro bastante contrastantes, convergem na tentativa de dar conta de uma tarefa complexa: a elaboração de um diagnóstico de época (a) sensível aos fenômenos cotidianos da reificação social e a sua causação sistemática, bem como sensível às lutas coletivas por emancipação e ao potencial estrutural não esgotado de efetivação da autoconsciência, da autodeterminação e da autorrealização numa democracia radical; (b) embasado tanto na investigação científica como na reconstrução filosófica. Trata-se de uma tarefa tão complexa que Habermas jamais cogita realizá-la de modo exaustivo e definitivo. Em vez disso, ele concentra a maioria de seus esforços em construir um novo paradigma metateórico e um novo programa teórico que provejam um quadro filosófica e cientificamente consistente de conceitos-base e explicações-chave a partir do qual seja possível começar a realizar aquela tarefa. A construção do paradigma comunicativo e do programa da teoria da ação comunicativa é, então, feita por ele em intenso diálogo com a herança filosófica, as elaborações científicas disponíveis e tentativas outras de teorização crítica da sociedade capitalista. Além disso, essa construção impõe a si mesma, no decorrer do tempo, amplas modificações motivadas por profundas mudanças sociais e novos desdobramentos nas ciências e na filosofia. Em todo caso, Habermas articula um novo quadro teórico que (a) tem como eixo tanto a sociologia, ou melhor, a teoria da sociedade enquanto teoria da ação social e da racionalização social, como a filosofia enquanto teoria da racionalidade; (b) adota como estratégia a reconstrução dos pressupostos linguístico-pragmáticos da ação e da fala, a reconstrução dos estágios sucessivos da evolução social e do desenvolvimento do eu, bem como a reconstrução da história da teoria da sociedade; (c) propõe-se reformular o materialismo histórico marxiano e, especialmente, articular o teor normativo da modernidade, bem como elucidar o capitalismo como uma formação social moderna que, distorcendo sistematicamente a reprodução simbólica da sociedade em nome da dominação e da autovalorização do capital, impede que os indivíduos e os grupos sociais construam autonomamente suas formas coletivas de vida e seus estilos pessoais de vida sobre espaços institucionais nacionais e transnacionais democráticos. Esse rico quadro teórico, não obstante, é passível de várias críticas filosóficas e científicas que derivam, todas, do embotamento extremo a que Habermas expressamente submete a economia política e a crítica da ideologia. A sociologia, representada pela teoria dos sistemas, não consegue substituir completamente a investigação científica dos aspectos centrais da economia capitalista e a reflexão filosófica sobre as categorias econômicas fundamentais; nem o procedimento de reconstrução racional consegue eliminar a necessidade de uma crítica da legitimação ilusória do Estado capitalista e da democracia meramente formal. Apesar dessas graves limitações do programa da teoria da ação comunicativa, é possível partir do próprio paradigma comunicativo para reconstruir o materialismo histórico habermasiano, reincorporando a ele a economia política e a crítica da ideologia. As principais implicações programáticas resultantes equivalem a três tarefas que cabe a uma teoria crítica da sociedade capitalista realizar hoje: (a) delinear uma economia política não economicista e não nacionalista; (b) explicar a ideologia como produto simbólico reificado e processo simbólico reificador e dar-lhe uma reconceituação linguístico-pragmática; (c) explicitar o teor normativo econômico básico da justiça social, da autorrealização individual e coletiva e da democracia.

A noção de capitalismo tardio na obra de Jürgen Habermas

2021

Agradecimentos À CAPES, que me concedeu bolsa para o desenvolvimento dessa pesquisa. À Profa.Dra. Yara Frateschi, pela orientação paciente, por ter caminhado junto comigo desde o começo e com quem pude aprender que os dois pilares fundamentais da pesquisa em filosofia consiste, de um lado, no rigor analítico da leitura dos textos e, de outro, no pensamento vivo e orientado para os nossos dilemas contemporâneos. Certamente, sem suas conversas e estímulo intelectual este trabalho não teria sido possível. Aos Profs. Drs. Marcos Nobre e Rúrion Soares Melo que compuseram a banca de qualificação e cujas críticas e sugestões foram de grande valia para uma melhor formulação das ideias e elaboração final da dissertação. Devo um agradecimento especial ao Prof. Marcos Nobre, cujos cursos me iniciaram no estudo da Teoria Crítica e no pensamento de Jürgen Habermas. Minha dívida intelectual para com ele vai além dos limites do presente trabalho. Ao Prof. Dr. Alessandro Pinzani, pela imensa generosidade e pelas valiosas sugestões. O seu encorajamento foi extremamente importante para a conclusão deste trabalho. Aos Profs. Drs. Jean-François Kérvegan, Florian Nicodème e Stéphane Haber, pelo acolhimento intelectual em terras parisienses e pela orientação sembre aberta a um frutífero espaço de debate. Ao pessoal do Grupo de Filosofia Política do Departamento de Filosofia da Unicamp, coordenado pela Profa. Dra. Yara Frateschi, cujo espaço de interlocução foi bastante rico para a minha formação. A meus amigos, que de diferentes formas, me ajudaram e me estimularam a realizar este trabalho, agradeço, em especial, a

A noção de capitalismo tardio na obra de Jürgen Habermas: em torno da tensão entre capitalismo e democracia

O tema da democracia constitui talvez o tema mais importante na obra do filósofo alemão Jürgen Habermas. No entanto, apesar da importância essencial de uma discussão vinculada diretamente aos seus aspectos normativos, pretendemos testar uma perspectiva complementar no estudo desta temática. Ora, é importante ressaltar que Habermas pensou a democracia não apenas a partir de suas possibilidades normativas de realização de ideais como os de autonomia e auto-determinação. Como um autêntico teórico crítico, ele também investigou as possibilidades concretas de institucionalização de formas democráticas de governo. A análise da relação tensa entre capitalismo e democracia é importante para refletir sobre os condicionamentos sistêmicos ou estruturais que o capitalismo impõe ao funcionamento dos regimes democráticos liberais. Ou seja, trata-se aqui de pensar a democracia a partir de suas possibilidades concretas de realização, o que pressupõe levar em conta os obstáculos impostos pelo capitalismo tardio. Desse modo, esta dissertação de mestrado tem como objetivo analisar as duas primeiras décadas da trajetória intelectual do filósofo alemão sob o prisma da relação entre capitalismo e democracia. Investigaremos como o tratamento dessa problemática surge a partir dos diagnósticos do capitalismo tardio produzidos pelo autor ao longo de diversas obras, culminando na sua Teoria da Ação Comunicativa (1981). Ademais, na trilha de Habermas, nos perguntaremos acerca do estado desta relação tensa no contexto do capitalismo contemporâneo, marcado pelo neoliberalismo, pela globalização e por crises.

A tensão entre capitalismo e democracia em Habermas: do pós-guerra aos dias de hoje

O objetivo desse artigo é o de compreender a evolução do diagnóstico do capitalismo tardio ao longo da trajetória intelectual de Habermas. O nosso interesse é o de investigar se há mudanças significa- tivas no modo pelo qual Habermas concebe a relação entre capitalismo tardio e democracia efetiva. Como hipótese geral, defenderemos a ideia de que há ao menos uma grande ruptura no modelo crítico habermasi- ano, entre o fim dos anos 70 e início dos anos 80. Tal ruptura pode ser resumida, grosso modo, pela ideia segundo a qual, pelo menos até Proble- mas de Legitimação no Capitalismo Tardio, obra de 1973, capitalismo e democracia efetiva não eram vistos como compatíveis. Por outro lado, a partir da Teoria da Ação Comunicativa, publicada em 1981, ambos passam a poder conviver, apesar das tensões e mediante um novo equilíbrio de poderes. Finalmente, iremos ver como Habermas concebe esta tensão entre capitalismo e democracia hoje, a partir de seu debate recente com o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, notadamente tendo em vista a crise da União Europeia.

A hesitação de Jürgen Habermas: capitalismo, democracia, crise

Dissertatio - Revista de Filosofia, 2023

Este artigo objetiva apresentar um panorama sobre o modo como Habermas aborda a relação entre capitalismo, democracia e crise no marco de suas análises sobre o Estado de Bem-Estar Social. Para tanto, divide-se sua obra em 4 momentos: o primeiro de 1962 a 1971; o segundo de 1973 a 1981; o terceiro de 1985 a 1992; e o último de 1992 até os dias de hoje. Sua principal justificativa é a relevância contemporânea dessa discussão, em face das recentes ameaças autoritárias na América Latina e no mundo. A hipótese fundamental é que com esses três elementos conceituais – capitalismo, democracia, crise - Jürgen Habermas coloca a si mesmo em uma encruzilhada paralisante, pois ele enxerga as tensões inevitáveis entre tais elementos, mas hesita diante das opções para sair do amálgama que eles hoje formam. Dois são os motivos principais para essa hesitação: um reducionismo empiricista e um paradoxal déficit de complexidade em sua teoria social.

[Tradução] FRASER, Nancy. Crise de legitimação? Sobre as contradições políticas do capitalismo financeirizado

Cadernos de Filosofia Alemã, 2018

Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização. Ao multiplicarem tais termos, muitos observadores introduzem a hipótese de que estamos passando por uma "crise da democracia". Mas o que exatamente está em crise aqui? Defendo que as atuais aperturas da democracia são melhor compreendidas como expressões, sob condições contemporâneas historicamente específicas, de uma tendência geral à crise política que é intrínseca às sociedades capitalistas. Desenvolvo essa tese em três passos. Primeiro, proponho uma explicação geral da "contradição política do capitalismo" enquanto tal, sem referência a qualquer forma histórica particular. Em seguida, reconstruo Problemas de Legitimação no Capitalismo Tardio, livro de Jürgen Habermas publicado em 1973, como uma explicação da forma que essa contradição política assumiu numa fase específica da sociedade capitalista, a saber, o capitalismo estatalmente administrado do período subsequente à Segunda Guerra Mundial. Por último, esboço uma explicação dos problemas atuais da democracia como expressões da contradição política do capitalismo em sua presente fase, a financeirizada.

Student und Politik e as origens da segunda geração da teoria crítica: Habermas e o diagnóstico do capitalismo tardio nos anos 60

In this article, we intend to show how Habermas's intellectual pro- ject began to take shape since its first book (Student und Politik, 1961). In this work sharp differences already appear in relation to the first generation of Critical Theory, especially when it comes to the diagnosis of late capitalism. Thus, we hope to recover the importance of the work and the subject to the understanding of the theoretical trajectory of the author. Moreover, at this point Habermas still maintains a posture of radical critique of the capi- talist order, which will be clearly reviewed in the works of maturity, particu- larly from the 80s.

Crise estrutural do capitalismo nas análises sistêmico-prigogineanas de Immanuel Wallerstein e de István Mészáros: crise inexoravelmente terminal?

A teoria sistêmica de Ilya Prigogine (Prêmio Nobel de Química), ou "ciência da complexidade", vem sendo apropriada paulatinamente em ciências sociais. O caso da análise crítica do sistema-mundo capitalista do sociólogo Immanuel Wallerstein é um dos mais notáveis. Tal teoria prigogineana está debaixo do "guarda chuva" transdisciplinar maior do novo paradigma sistêmico da ciência, em conflito com o paradigmaainda substancialmente hegemônico -newton-cartesiano da ciência. Um outro caso de uma apropriação filosóficosociológica da teoria sistêmica prigogineana para uma análise crítica do "sistema do capital" é do filósofo marxista húngaro István Mészáros, tal como já argumentamos (Tostes, Cemarx 2007). Existem, a nosso ver, vários pontos em comum desta análise com aquela de Wallerstein, inclusive e principalmente quanto ao caráter estrutural (terminal) da atual crisecrescentemente socioambiental segundo nossa análise (Dias, Dissertação de Mestrado, PGCA/UFF 2009)do capitalismo, em curso desde os anos 1970. Apresentaremos inicialmente alguns elementos prigogineanos da análise meszariana do sistema do capital, exibindo uma comparação esquemática com análise similar de Wallerstein e com destaque para a presente "crise estrutural" do capital, defendida por ambos. Em seguida, argumentaremos que tal crise socioambiental em curso do capitalismo não é necessariamente terminal. Tal argumentação está centrada na projeção de um cenário possível de saída capitalista de tal crise socioambiental, construído por analogia com a saída capitalista da crise de 29, mas com o sistema capitalista manipulando novos elementos não existentes naquela crise passada, particularmente ingredientes ambientais. Finalmente, agora em acordo com as análises sistêmicas de Mészáros e Wallerstein, defenderemos que mesmo que o projetado cenário de saída se cumpra, as contradições acumuladas serão, posteriormente, mais ameaçadoras potencialmente do que aquelas acumuladas pela saída da crise de 29.