Gregório de Matos, nosso primeiro antropófago (original) (raw)

GREGÓRIO DE MATOS, NOSSO PRIMEIRO ANTROPÓFAGO Universidade Federal do Rio Grande do Norte Esta obra está licenciada sob uma Creative Commons -Atribuição 4.0

Anuário de Literatura, 2016

Resumo: A figura exponencial de Gregório de Matos tem sido, ao longo dos anos, motivo de muitas discussões teóricas. Nesse panorama, ainda existem dois lados antagônicos quando se trata da poesia de Gregório de Matos, os que o defendem e os que o acusam. Os primeiros defendem a posição de que o poeta baiano foi a primeira voz literária no Brasil alçada sob as bases do Barroco, e os outros o acusam de ser ele um mero imitador dos poetas espanhóis do século XVII, sem, portanto, ter contribuído significativamente para a formação da Literatura Brasileira. Este artigo, que é fruto de uma pesquisa de doutoramento, segue o pensamento daqueles que defendem o poeta como barroco-antropofágico, devorador de culturas, com participação ativa no processo de formação da nossa identidade cultural e literária. Ancorado pelo pensamento crítico dos irmãos Campos, nosso trabalho busca observar e discutir a hipótese de que Gregório de Matos foi nosso primeiro antropófago, sendo possível enxergar em seus poemas as características intrínsecas do movimento antropofágico, idealizado por Oswald de Andrade no século XX. Palavras-chave: Antropofagia. Gregório de Matos. Barroco. Introdução Em 1974, Augusto de Campos afirmava que nosso primeiro antropófago foi Gregório de Matos, o poeta que devorou a cultura europeia, sabendo digeri-la para ressignificar a nossa identidade, "o primeiro antropófago experimental/da nossa poesia" (CAMPOS, 1986, p. 90). É Gregório quem sabiamente inicia a festa antropofágica, devorando, muitas vezes, a palavra do pai, transformando-a noutro discurso, destituído da oficialidade, transgressora, por vezes, enigmática. Como num baile de máscaras barroco, Gregório vai construindo um labirinto, com percursos tortuosos, fechado, mas festivo. Vale ressaltar, neste contexto, que Gregório de Matos não tinha a intenção consciente de ser antropofágico nos termos da devoração cultural, mas ele antecipa o movimento idealizado por Oswald de Andrade que será marca de sua investida modernista. Portanto, nosso objetivo, * Mestre e doutor em Estudos da Linguagem/UFRN, área de concentração em Literatura Comparada. Professor Adjunto II do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN.

Notas fugidias sobre nossa herança antropófaga

Redobra - edição temática Insurgências decoloniais, 2020

Não pretendemos nessas breves notas reivindicar a antropogafia oswaldiana como uma “teoria decolonial” avant la lettre, mas de fato nos chamou muita atenção o desinteresse do chamado “giro decolonial latino-americano” pelo pensamento antropófago brasileiro, aporte original e fundamentalmente anticolonial, seja nas contribuições históricas do movimento moderno de vanguarda liderado por Oswald de Andrade (com Tarsila do Amaral e Raul Bopp, entre outros) nos anos 1920, seja nas atualizações feitas pelos tropicalistas nos anos 1960, como na ‘superantropofagia’ proposta por Hélio Oiticica, ou ainda, naquelas mais contemporâneas, também tributárias dos artistas antropófagos, como as ideias do próprio Viveiros de Castro em suas Metafísicas Canibais ou de Suely Rolnik com sua Antropofagia Zumbi, ou ainda, do próprio pensamento indígena contemporâneo, em autores como Ailton Krenak ou Davi Kopenawa.

Antropófago Max: um deglutidor de orientes

Todas as Letras, 2018

Resumo: Valendo-se de alguns pressupostos da teoria da tradução, em paralelo com a ideia de antropofagia pensada por Oswald de Andrade, bem como de sua releitura crítica proposta por Haroldo de Campos, busca-se, no presente artigo, uma reflexão sobre o aspecto antropofágico na obra de Max Martins, especialmente no que diz respeito ao diálogo com a cultura oriental. Palavras-chave: Max Martins. Tradução. Antropofagia.

Edifício de palavras: Gregório de Matos e seu corpus espanhol

2017

Entretanto, a linguagem de sua poesia transcendeu esses significados para se firmar em um espaco verbal em que a forma da expressao substitui os meros conteudos ideologicos, obrigando o leitor a participar da construcao da composicao do poema e de sua metalinguagem. Deixemos, por fim, esses velhos preconceitos. E o que faz o autor deste livro sobre a poesia de Gregorio de Matos. Significativo e o titulo livro: Edificio de Palavras: Gregorio de Matos e seu corpus espanhol. Nele, organiza Samuel Anderson uma pequena antologia com os poemas de nosso poeta barroco, escritos em espanhol, proporcionando-nos o prazer de saborearmos os poemas gregorianos em lingua espanhola neste tempo e espaco de estio no campo da poesia. Junto a Don Luis de Gongora, Quevedo, Sor Juana Ines de la Cruz, Gregorio de Matos e uma das grandes vozes do seculo XVII; uma das grandes expressoes do Barroco, no Brasil, e no espaco literario hispano seiscentista. A poesia culta era uma so na esfera do mundo hispânico....

Um antropólogo brasileiro na Guiné-Bissau

Por volta de junho de 2012 fui contatado por Joana Roque de Pinho, uma amiga e pesquisadora Portuguesa, sobre meu interesse em participar de uma potencial pesquisa de campo, no ano seguinte, em Guiné-Bissau, país da África Ocidental. Digo potencial, porque até aquele momento, a proposta da minha inclusão na equipa em substituição de outro investigador havia sido enviada sem resposta para o órgão governamental de fomento à pesquisa de Portugal (Fundação para a Ciência e a Tecnologia -FCT), que equivale mais ou menos ao nosso CNPq no Brasil. A real possibilidade de ir para a África pela primeira vez e contribuir em um projeto internacional e multidisciplinar denominado "Impacto das alterações climáticas: um estudo com fotografia participativa no Parque Nacional de Cantanhez", logo me pareceu imperdível. Mesmo antes da aceitação da FCT eu já havia decido que partiria para mais uma aventura acadêmica e pessoal. Em primeiro lugar, a pesquisa combinava temas que eu já vinha investigando no Brasil. Em segundo lugar, porque era a oportunidade de aprender, em um contexto completamente novo, um método de pesquisa participativa conhecido na literatura internacional como Photovoice, ou fotografia participativa. A abordagem do projecto integra

O antropos métron de Prótagoras como origem remota do homo bene figuratus de Vitrúvio

O ἄνθρ ρ ρ ρω ω ω ωπ π π πο ο ο ος ς ς ς µέτρον, de Protágoras, como origem remota do homo bene figuratus, de Vitrúvio πάντων χρηµάτων µέτρον ἐστὶν ἄνθρωπος (o homem é a medida de todas as coisas 1 ). Com esta frase, proclamada por Protágoras, como exórdio ou lema da sua obra sobre a Verdade (Ἀλήθεια), abre-se um novo capítulo na história do pensamento grego. Com efeito, se a indagação própria dos filósofos incidira, até aí, sobre a φύσις (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Empédocles, Pitágoras, Anaxágoras, os Atomistas), a ontologia (Parménides, Zenão), o νόμος e o λόγος (Xenófanes, Heraclito), com os sofistas 2 opera-se o giro antropológico, deslocando-se para o centro das preocupações cognitivas o próprio homem, seja entendido como indivíduo, de acordo com o legado interpretativo, um tanto quanto tendencioso, da tradição platónica e aristotélica 3 , seja como homem específico, à feição da interpretação dos idealistas e românticos alemães, Hegel e Goethe, sobretudo 4 , ou ainda, como homem cidadão ou membro de 1 Protágoras, apud Sext. Emp. , Adv. Math., VII, 60, in Untersteiner, ob. cit. (1949, ed. 2008, p. 65 e nota 5, p. 73. -Para Untersteiner, ver referências bibliográficas mais completas na nota a seguir.