Cólera em Portugal na segunda metade do século XIX: os lazaretos terrestres// Cholera in Portugal in the second half of the 19th century: the terrestrial lazarettos (original) (raw)

Cólera e medicina ambiental no manuscrito 'Cholera-morbus' (1832), de Antonio Correa de Lacerda (1777-1852)

História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 2004

Na primeira metade do século XIX, o paradigma ambientalista predominou nos debates médicos. No Brasil, ele foi responsável pela construção de uma agenda higienista que condicionou a atuação dos médicos e deu a chave interpretativa para os problemas relacionados à saúde pública. Neste artigo abordam-se estas e outras questões, a partir de um texto do médico português Antonio Correa de Lacerda (1777-1852), que viveu em Belém (PA) e São Luís (MA) entre 1818 e 1852. Trata-se do manuscrito 'Cholera-morbus', de 1832, ano em que a epidemia atingiu Paris. Nele, Lacerda mobiliza diferentes conhecimentos para apresentar uma explicação coerente sobre a doença, permitindo-nos acompanhar uma interpretação anticontagionista calcada na clínica anatomopatológica e como pôde um médico provincial produzir conhecimentos originais sobre a relação entre clima, saúde e cultura, inclusive sobre o uso medicinal de plantas amazônicas.

Uma questão nacional": enredos da malária em Portugal, séculos XIX e XX

2010

Este trabalho debruça-se sobre as práticas médicas e leigas e sobre as instituições relacionadas com a malária, em Portugal, nos séculos XIX e XX. A malária é apresentada como produto de uma dinâmica histórica, de encontros, negociações ou disputas entre actores com estatutos diversos e desiguais; bem como da circulação de ideias, técnicas, competências e indivíduos entre vários lugares. É também o produto de condições sociais localizadas, de interesses profissionais e experiências pessoais. A malária surge assim conceptualizada na sua multiplicidade e polissemia social, ligando os níveis de análise internacional, nacional e local. A nível internacional, aborda-se a transformação e consolidação do conhecimento médico sobre esta doença, como produção transnacional, atentando na sua apropriação pelos médicos portugueses. A nível nacional, a regulamentação e a institucionalização das práticas associadas à malária, em Portugal, são consideradas em relação estreita com as tentativas de estabelecimento de um serviço de saúde estatal, expressando convicções científicas e interesses profissionais. Ao nível local, as memórias de «ter malária» trazem a esta pesquisa a dimensão física da doença, fundamental na sua produção social. Aparentemente alheados e excluídos da produção de conhecimento científico sobre esta doença, os homens e mulheres que dela padeciam foram, afinal, elemento basilar das práticas médicas relacionadas com a malária, condicionando-as e legitimando as instituições que as sustentavam. Por outro lado, as narrativas leigas sobre a malária «vivida na pele», contrastando com a «malária médica», são particularmente reveladoras do carácter compósito da doença. Para aqueles que dela padeceram, esta apenas faz sentido, hoje, nas suas memórias, como um elemento menor dos seus percursos biográficos, perdendo relevância no quotidiano do trabalho no campo, dos patrões e capatazes, da família e dos vizinhos, da fome e do sofrimento.

PÃO, Nélio, 2015, «A Epidemia de Cólera de 1856 na Madeira: Tratamentos, Medidas Preventivas, Preocupações Sanitárias e Cuidados com o Corpo», in Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, n.º 7, pp. 323-346.

Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, n.º 7, 2015

Resumo O surto de cólera de 1856 na Madeira, responsável pela morte de mais de 7000 dos seus habitantes, foi, pelo seu carácter fulminante, a mais trágica epidemia a atingir este espaço arquipelágico. Relacionadas com esta enfermidade foram divulgadas na imprensa local da época, medidas preventivas e curativas com o intuito de travar o avanço da doença e minimizar os estragos que a epidemia originava. Num período em que o saber concernente à cólera era muito limitado, as medidas preventivas tinham como preocupação essencial a higiene do corpo e da habitação, a salvaguarda pessoal e uma alimentação cuidada. No que concerne aos tratamentos, alicerçados numa actuação rápida logo aos primeiros sinais de cólera, focalizavam-se, mormente, no controlo e diminuição dos sintomas provocados pela enfermidade. Abstract The 1856 cholera outbreak in Madeira, responsible for killing more than 7000 of its inhabitants, was, due to her fulminating nature, the most tragic epidemic to hit this territory. Correlated with this malady, the local press disclosed preventive and curative measures in order to halt the progress of the disease and to minimize the damage caused. At a time when knowledge concerning the cholera was very limited, preventive measures focused on the hygiene of the body and housing, personal safeguard, and a careful diet. The treatments were based in a quick response, as soon as cholera was beginning to manifest itself, and focused in the control and reduction of symptoms caused by the disease.

“O “mal das sezões”: Arrozais, malária e protesto popular nos campos do Mondego (séculos XIX e XX)” / “The “Sickness of Intermittent Fevers”: Rice Fields, Malaria and Popular Protest in the Mondego Fields (19th and 20th centuries)”

Percursos da história. Estudos in Memoriam Fátima Sequeira Dias, coordenação Manuel Sílvio Alves Conde; Margarida Vaz Rego Machado; Susana Serpa Silva, Ponta Delgada, Nova Gráfica, Março 2016 , 2016

Neste texto é analisado o impacto na saúde pública da extensão dos arrozais, na segunda metade do século XIX e inícios do século XX, na zona dos campos do Mondego (concelhos de Coimbra e de Montemor-o-Velho). A orizicultura era considerada, ao tempo, insalubre, sendo responsabilizada por epidemias de “febres intermitentes” ou “sezões” que acometiam as populações residindo nas suas imediações. Preços elevados, peso político de proprietários, hesitações legislativas constituíram o eixo central de uma cultura polémica que só será ultrapassada com a descoberta do agente causador da malária e a definição da teoria anofélica, a qual abre caminho às primeiras medidas sanitárias de erradicação da doença, centradas sobretudo na criação de postos anti- sezonáticos, e à conversão da cultura numa prática agrícola normal, sem os estigmas da doença que lhe estavam associados. This paper studies the impact on public health of the extension of the rice fields, during the second half of the 19th century and early 20th century, in the area of the Mondego fields (municipalities of Coimbra and Montemor-o-Velho). At that time, rice production was deemed unhealthy and was seen as responsible for epidemics of “intermittent fevers” that afflicted the population living near the rice fields. High prices, the political influence of landowners and legislative hesitations represented the central axis of a controversial crop. This situation was only overcome with the discovery of the causative agent of malaria and the definition of the anophelic theory, which paved the way for the first sanitary measures for the eradication of the disease. These measures were mostly focused in the creation of anti-malarial stations, and in the conversion of the rice crop into a normal farming practice, free from the stigma of the disease to which it was associated.

A cólera em Lisboa (1833 e 1855/56): emergência do poder médico e combate à epidemia no Hospital de São José e enfermarias auxiliares

2017

O século XIX português é um período conturbado no campo político e epidémico. Politicamente, assistimos à transição do Antigo Regime para o Liberalismo, mas também a várias revoltas e governos de pouca duração e à instabilidade daí resultante. Paralelamente, tal como outros Estados europeus, enfrentavam-se epidemias de qualidades e durações diferentes. Face a isto, encontramos os médicos, atores que participam em ambos os campos, contudo, com papéis diferentes ao longo deste século. Neste trabalho pretendemos analisar a emergência e gradual afirmação do poder médico com base nas duas epidemias de cólera que atingiram Lisboa (1833 e 1855/56) e o seu combate no Hospital de São José. Nestes dois momentos contemplamos não só as diferenças políticas destes dois períodos (de guerra civil à paz regeneradora, resistência do Antigo Regime e consolidação do Liberalismo, da caridade à assistência pública), como também estados diferentes da medicina e do poder médico. Na primeira vaga de cólera, os médicos ainda estavam “reféns” de antigas estruturas, incapazes de confrontar o poder político, refletindo-se numa inabilidade em domar a hecatombe e numa elevada taxa de mortalidade. Apesar de parte desta incapacidade ser resultado de uma medicina que ainda não detinha todos os instrumentos necessários para enfrentar a epidemia, também se deve às particularidades da guerra civil e ao governo miguelista, impossibilitando a tomada de medidas de prevenção e, depois, tratamento. No segundo momento, assistimos a processos de organização diferentes. Para além de um clima político mais permissivo e colaborativo, também os médicos já não se encontravam tão submissos ao poder político, pelo contrário, utilizando essa esfera para elevar os seus interesses e de afirmar a sua importância na sociedade. Um reflexo disto é a comparativamente diminuta mortalidade provocada pela epidemia de cólera de 1855/56. Porém, o mais significativo são as formas encontradas para a combater, manifestas na liberdade com que as decisões são tomadas em espaço hospitalar, restritas quase exclusivamente pelo erário régio. Aliás, para o final do século já existem análises que procuram demonstrar como o poder médico não só existe, como já se encontrava consolidado e moldava a sociedade. No entanto, não parecem surgir análises que analisem os médicos no início do oitocentos, isto é, como se interpretam, como vêm os outros, que processos permitiram a sua ascensão e que métodos utilizaram para atingir esse estado. Assim, com este trabalho tentamos dar resposta a essa ausência, partindo das duas primeiras vagas da epidemia de cólera em Lisboa e do Hospital de São José enquanto principal instituição médica da capital para revelar os processos que levaram e permitiram à consolidação deste tipo poder. ----- The Portuguese nineteenth century is a difficult period both in terms of political struggles and epidemical matters. Politically, braced with a transition from the Ancién Regime to liberalism, but also many revolts and short-lived governments, resulting in further turmoil. Similarly, like many other European States, we were also plagued with various epidemics. In this scenario we find doctors, actors that played in both fields, however, with changing roles over this period. In this dissertation, we try to analyse the rise and gradual assertion of medical power, based on the two cholera epidemics that hit Lisbon (1833 and 1855/56) and what was done by the Hospital of São José to control these epidemics. Both these moments have their share of political differences (from civil war to the peace of the “Regeneração”, resistance of the Ancién Regime and consolidation of Liberalism, from assistance by charity to public assistance), but also different states of medicine and medical power. During the first cholera epidemic, doctors were held “hostage” of old power structures, unable to face politic power, resulting in failure to tame this disaster and the following high mortality. Even if part of this incapability was due to insufficient medical knowledge on how to treat this disease, the problems raised with the ongoing civil war and the government of King Miguel also contributed, namely due to limiting preventive measures and treatment. The second wave presents us with a different scenario. Besides a much more permissive and collaborative political climate, doctors were no longer as chained by the political sphere, on the contrary, they managed to use it to further their desires and solidify their place in society. Not only does this result in comparatively lower mortality, but likewise in the formal mechanisms established inside the hospital and other supplementary infirmaries. As such, decisions inside these spaces were taken with great liberty, almost always only restricted by the kingdom’s treasury. Interestingly, for the end of the nineteenth century there are some works that try to demonstrate how not only does medical power exist, but also that it is consolidated and moulded society. Although, there don’t seem to be any research done on how it came to be. That is, how do doctors see themselves as a profession, how they see others, which structures allowed their rise and what means were used reach such place. As such, with this dissertation we try to answer to this, limiting our analysis to the time when cholera epidemics hit Lisbon and from the Hospital of São José as the main medical institution fighting against it, to study and reveal how and what processes contributed and led to the consolidation of medical power.

A dieta dos leprosos numa gafaria medieval: o caso de Coimbra (en. The lepers diet in a medieval leper house: the case of Coimbra)

Este artigo tem por objetivo apresentar a dieta alimentar dos leprosos institucionalizados na Gafaria ou Hospital de S. Lázaro de Coimbra. Partindo do regimento outorgado por D. Afonso IV a esta instituição, em 1329, descrevemos a composição da ração individual dos gafos de Coimbra e as diversas pitanças que estes doentes recebiam ao longo do ano e que enriqueciam e complementavam as suas refeições. Simultaneamente avaliamos a terapêutica recomendada por médicos da Antiguidade e Idade Média a leprosos e a quem temia a lepra. Deste modo, estudamos o efeito que os principais alimentos podiam ter no tratamento da doença ou, pelo menos, no reforço de corpos fragilizados por ela, ajudando-os a enfrentá-la e adiando o inevitável desfecho. This paper aims to present the diet of the lepers from the Leper House or Saint Lazarus Hospital of Coimbra. Starting from the regiment granted by King Afonso IV, in 1329, we describe the individual diet of Coimbra lepers. We also present the several pittances given throughout the year to enrich and complement the lepers’ meals. At the same time, we evaluate the therapeutic procedures from classical antiquity and medieval physicians towards lepers and people that feared leprosy. This way, we study the effects of food in the disease’s treatment or, at least, the strengthening of the sickened body, delaying the inevitable.

O medo do desconhecido: a cólera no Baixo Minho ao longo do século XIX| V Congresso Luso-Brasileiro de História da Medicina Tropical, 19 e 20 de junho de 2023- Universidade do Minho

2023

A presença da cólera na Europa, a partir do início do século XIX, no continente europeu provocou mudanças no campo da saúde, particularmente no domínio da saúde pública. Portugal não foi exceção, tendo experimentado mudanças neste domínio. O terror causado pela doença, devido ao desconhecimento que lhe estava associado, era agravado pela atenção que lhe era dada pela imprensa. Apesar dos elevados níveis de analfabetismo, o conhecimento circulava através da leitura direta ou coletiva dos jornais em locais públicos como os cafés, as tabernas, ou mesmo durante as cerimónias religiosas. O nosso trabalho centra-se, essencialmente, na análise de notícias, artigos de opinião e anúncios publicados na imprensa do Baixo Minho, sobre os diferentes surtos de cólera que afetaram esta região do país. Com base nesta fonte, pretendemos compreender os temas mais debatidos, identificar os conhecimentos científicos associados à doença, ligados às formas de tratamento e prevenção, bem como as alterações que esta doença provocou na saúde e higiene dos espaços públicos.