A Má Morte no discurso eclesiástico católico na América Portuguesa (Séculos XVII e XVIII) (original) (raw)

2021, Anais: 31º Simpósio Nacional de História - ANPUH

O ponto de partida para a pesquisa que se encontra em andamento foi a constatação comum à historiografia da morte, tanto internacional como brasileira, de que as atitudes católicas diante da morte, do período medieval até meados do século XIX, foram marcadas pela proximidade entre vivos e mortos, pela familiaridade com o tema da morte e pela adoção de uma série de práticas funerárias com vistas a alcançar a salvação da alma após a morte. Considerando o Cristianismo como religião de salvação, a base das doutrinas elaboradas no âmbito da hierarquia eclesiástica católica terá como foco o destino da alma do fiel após a morte, por ocasião do Juízo Final: se ao Paraíso ou ao Inferno (VOVELLE, 1978, 1983; ARIÈS, 2014, 2017; ARAÚJO, 1997; REIS, 1991; RODRIGUES, 2005; dentre outros). A base dessa concepção era a busca da chamada “Boa Morte”, considerada pelo clero católico como aquela preparada antecipadamente, ao longo da vida, por meio de atitudes segundo os ensinamentos eclesiásticos e que, na iminência do passamento, seria antecedida pela realização de práticas e rituais com vistas a obter o perdão por eventuais pecados cotidianos e a garantir a intercessão pela alma visando a salvação no pós-morte e, por fim, a ida ao Paraíso. Dentre as práticas e rituais recomendados para esse momento, as mais comumente adotadas eram: a redação do testamento de “últimas vontades”, a recepção dos “últimos sacramentos” (penitência, eucaristia e extrema-unção), o amortalhamento em roupas de santo, o velório, a encomendação da alma, o sepultamento no espaço sagrado dos templos e a realização de sufrágios post-mortem. Por meio dessas e de outras atitudes, o objetivo era garantir o máximo de perdão pelos eventuais erros cometidos em vida e intercessão da corte celestial (Cristo, Virgem Maria, santos e anjos) pela alma dos fiéis que morressem amparados pela intermediação do clero católico e pela companhia das irmandades religiosas, de familiares, parentes e demais membros da comunidade paroquial. Não só os trabalhos indicados nas referências bibliográficas citadas no primeiro parágrafo, mas outros inúmeros estudos que se voltaram para esse que é um dos temas mais pesquisados no âmbito da historiografia da morte, abordaram questões em torno das concepções ou das práticas rituais sobre a Boa Morte. A nossa pesquisa segue no sentido oposto, ao propor o estudo do que poderíamos chamar de Má Morte ou Mal Morrer. Trata-se de uma temática que ainda não mereceu investigação específica no Brasil.