Antinomias da modernidade capitalista: história, Shoah e a esquerda - Moishe Postone (2023) (original) (raw)

Delineamento do problema Neste ensaio, proponho-me a vincular as mudanças ocorridas nas expostas públicas à Shoah (sobretudo na esquerda) e as configurações dinâmicas e historicamente mutáveis da modernidade capitalista desde 1945 2. Pensar as duas coisas ao mesmo tempo é esclarecedor. Por um lado, a forma das repostas históricas à Shoah e sua evolução histórica podem ser explicadas ao se considerar a história do pós-guerra em duas fases: uma configuração keynesiano-fordista, estatista, em execução do fim da década de 1940 até o início da década de 1970; e uma configuração ulterior, neoliberal. Por outro lado, as respostas podem por elas mesmas esclarecer tais robustas configurações históricas. Quando da problematização das respostas públicas à Shoah, espero mostrar que elas são estruturadas por uma oposição entre os odos abstratos do universalismo e do particularismo concreto, e que essa posição é igualmente constitutiva do antissemitismo moderno. Inspirando-me em Lukács e modificando-o, eu diria que a oposição em questão não se dá ontologicamente nem por acaso discursivamente, mas que é intrínseca às formas fundamentais que estruturam o capitalismo: a mercadoria e o capital 3. Tal análise capta, portanto, os dois termos da oposiçãoa universalidade abstrata e o particularismo concretocomo sendo prisioneiros da modernidade capitalista, ainda que uma série de posições, seja com base em um ou outro desses termos, foi compreendida como fundamentalmente "crítica" ou "radical", como posições que conduzam para o além da ordem existente. Essa abordagem visa problematizar essas posições "críticas" ao se elucidar o caráter unilateral de cada uma delas, e ao chamar a atenção para a mudança histórica ocorrida, desde a predominância das críticas fundadas no universalismo abstrato (que foram características dos movimentos operários clássicos, por exemplo) às posições