Sobre três solos de Bill Evans e uma experiência de apropriação: um ensaio de análise energética (original) (raw)
2018, HAL (Le Centre pour la Communication Scientifique Directe)
Já há algum tempo, quando resolvi me dedicar mais seriamente ao piano jazz, estabeleci para mim mesmo um programa que envolvia um tipo de exercício um tanto quanto peculiar. Nessa época (início da década de 1980) pré-Internet, apesar de serem ainda raras as publicações de transcrições, já estavam disponíveis vários volumes com as partes de piano de Bill Evans em trio. Um deles, Bill Evans 3, continha as transcrições completas de piano de três performances de suas composições-"Show-Type (Tune for a Lyric)", "Re : Person I Knew" e "Peri's Scope"as duas primeiras foram gravadas respectivamente em 29 de maio de 1962, (Chuck Israels no baixo e Paul Motian na bateria) 1 , e a terceira, em 19 de junho de 1970 (Eddie Gomez no baixo, Jack DeJohnette na bateria). Num primeiro momento, eu trabalhava sobre cada um dos solos, sempre procurando me manter o mais próximo possível da partitura. Em seguida, assim que tivesse alcançado um domínio suficiente, eu passava a tocar junto com o disco, com o objetivo de tocar da forma mais exata e alinhada possível, considerando todos os parâmetros indicados na partitura, certamente, mas considerando também a intensidade, o fraseado, a acentuação, etc., num tipo de atitude mimética levada ao extremo. Devo dizer, hoje, que essa foi uma das experiências mais benéficas para a minha formação, e que ela me trouxe muitos ensinamentos. O primeiro deles foi, naturalmente, um certo grau de conhecimento intelectual sobre o estilo pianístico e improvisativo de Bill Evans. Outro ensinamento significativo consistia no conjunto de sensações provadas no próprio ato, relacionadas ao ritmo e à energia, que apenas uma experiência musical in tempo, poderia trazer 2. Minha proposição aqui é colocar em foco alguns benefícios dessa experiência no âmbito da análise musical, buscando formar, a título heurístico, a hipótese de dois planos, um que eu chamo de "textual-visivo" 3 , e outro energético. 1 Bill Evans 3, TRO-Ludlow Music, New York, data da primeira publicação não conhecida. 2 Eu iria escrever in vivo, o que seria inapropriado uma vez que não se trata de tocar com os músicos em uma experiência compartilhada, mas ao contrário, com uma gravação fixada, e por isso, congelada. No entanto, trata-se de uma experiência em tempo real, que apresenta uma dimensão dinâmica, que não existe na análise de uma notação, e produtiva. 3 Distinguimos aqui dois tipos de texto. O "texto-visivo", produzido pela transcrição, analisável pela via (visual) da partitura. Esse texto secundário opõe-se àquele produzido pela gravação, primário, que retêm todos os aspectos da produção sonora, em particular, os contínuos e não notáveis. Este último é analisado pela audição, diferentemente da "análise textual-visiva" consistindo na análise do texto-visivo, transcrito. 8 Essa distinção entre base de competências e referente é deriva das ideias de Jeff Pressing, e é teorizada em L. Cugny, Analyser le jazz..., p. 134-141. 9 Em relação a isso, a noção de "lugar interacional-formativo" desenvolvida por Fabiano Araújo Costa é de grande utilidade (F. Araújo Costa, Poétiques du "Lieu Interactionel-Formatif"...). 10 Procurei recapitulá-los em L. Cugny, Analyser le jazz... 11 Este é o caso do jazz de prática comum, do pop, do rock, do rap, da canção francesa, das músicas populares brasileiras. As excessões se encontram no âmbito do free jazz ou das músicas improvisadas (mas o estatuto de música audiotátil destes últimos é sujeito a reservas de caráter ambíguo em relação à fonografia-ver, por exemplo,