O 1900 de Euclides e Escobar: duas crônicas esquecidas (original) (raw)
FRANCISCO FOOT HARDMAN UNICAMP Na pequena e efervescente São José do Rio Pardo, a virada do século XIX não passava despercebida, entre outros, a dois cronistas especiais: Euclides da Cunha e Francisco Escobar. O primeiro, às voltas com duas obras magistrais de construção: a ponte de ferro sobre o rio Pardo e o ensaio épico-dramático sobre Canudos. O segundo, intelectual socialista e bibliófilo abnegado, amigo e interlocutor privilegiado do autor de Os sertões. O jornal local O Rio Pardo publicava, em 3 de maio de 1900, uma edição especialmente dedicada às celebrações do quarto centenário do descobrimento do Brasil. E entre os articulistas com textos estampados na primeira página, estavam Euclides-assinando E. C.-que publicava a crônica de abertura intitulada 4º Centenário do Descobrimento do Brasil; e Escobar-subscrevendo "Fra D'Esco"-que escrevia a matéria subseqüente, chamada 400 Anos. São esses os documentos que reproduzo a seguir, na íntegra, apenas atualizando a ortografia e revendo erros tipográficos evidentes. O texto de Euclides, aqui recuperado, permaneceu, salvo engano, praticamente inédito. Não consta, afinal, da edição de sua Obra completa em dois volumes, pela editora Aguilar (1966). A única transcrição a que tive acesso, feita com falhas, pode ser conferida no livro Euclides da Cunha e o socialismo, de José Aleixo Irmão (São José do Rio Pardo, Casa Euclidiana, 1960, pp. 63-5). Esta obra, de um promotor que atuou na cidade, foi escrita com o intuito de contestar a apregoada militância socialista de Euclides em São José do Rio Pardo, durante sua estadia ali, entre 1898 e 1901. Tendo pesquisado, para tal, fontes primárias locais relevantes, como as atas do Clube Democrático Internacional "Filhos do Trabalho" e o jornal O Proletário, Aleixo Irmão põe em dúvida, inclusive, a participação direta de Euclides na redação de manifestos alusivos ao Primeiro de Maio de 1901 em Rio Pardo (e até hoje incorporados na Obra completa). De todo modo, se não houve militância orgânica formal, é certo que tenha havido, ao menos, simpatia difusa; e, neste caso, a amizade intelectual com Francisco Escobar foi elo dos mais decisivos. A propósito do perfil social diferenciado dessas celebrações, naquela cidade, o jornal O Rio Pardo sugere interessante paralelismo. O 1º de Maio de 1900 foi comemorado majoritariamente por imigrantes italianos-artesãos, operários e intelectuais-com as bandas de música, os estandartes, alguns oradores que "discorreram na maviosa língua de Dante", culminando o processo com a fundação do Clube "Filhos do Trabalho", de tendência socialista e mantendo laços com o Grupo Avanti!, de São Paulo. Já no dia 3 de Maio é a vez de celebração mais oficial e solene, pela passagem dos 400 anos da descoberta do Brasil, com "préstito... de perto de 2 mil pessoas", em que participam autoridades políticas, militares, comerciantes, representantes da lavoura e o próprio redator-proprietário de O Rio Pardo. Após missa e passeata, os discursos em frente à Câmara Municipal, registrando-se a presença do "dr. Euclides da Cunha que em eloquentíssimas frases saudou as três nações: Portugal, Itália e Brasil" (cf. O Rio Pardo, 06/05/1900, p.1; e 03/05/1900, p.2). Não se tratava de celebração localizada ou casual. Naquele mesmo ano, organizara-se, no Rio de Janeiro, a Associação do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, que reunia diversos segmentos sociais e algumas das figuras mais conhecidas da intelectualidade nacional. Ramiz Galvão historiou, em obra monumental 1 , os trabalhos dessa Associação, que incluíram: criação de hino e monumento comemorativos;