O mundo: o (in)mundo (original) (raw)
A " mise-en-scène" do corpo social contemporâneo privilegia a violência como modo de relação com o outro. Seja a violência de massas, ferramentA de segregação, seja a violência da intimidade, o imaginário contemporâneo se propõe como verdade do real. A "mise-en-scène" do corpo social contemporâneo privilegia a violência como modo de relação com o outro. Seja a violência das massas, ferramenta da segregação, do racismo, da guerra, do tráfico de armas ou substancias, de corpos operáveis, seja a violência da intimidade, de amores cachorros e de tormentos dentro das quatro paredes de um quarto, de um cubo ou até de um armário. O cinema como estética geopolítica realiza hoje a profecia do futurista Marinetti: a violência como linguagem fundamental do século. O debate ético, político e estético ao redor da figura da violência esgrimem os argumentos da condenação: naturalização, glamourização, estilização, estetização, despolitização da violência, em soma banalização. Entretanto, os homens lobos dos homens, impetuosos, clamam por um real mais real brandindo facas, chicotes, mísseis ou xingamentos. A hipótese morfina Hugo Munsterberg, em 1911, viu um filme mudo e pensou que os meios de comunicação de massas poderiam saturar os sentidos: Num filme, o mundo exterior sólido perdeu seu peso, vê-se liberado do espaço do tempo e da causalidade. "É como se o mundo exterior fosse sendo urdido dentro da nossa mente e, em vez de leis próprias, obedecesse aos atos de nossa atenção" 1 .-temia por isso que os filmes pudessem provocar um completo distanciamento do mundo real. O poeta Antonin Artaud, seu contemporâneo, percebeu a ação sensual do cinema desde outro lugar: "O cinema-que é-mais excitante que um fósforo, mais cativante que o amor, exige temas excessivos e psicologia minuciosa. Exige a rapidez, mas, sobretudo, a repetição, a insistência, a volta sobre o mesmo, a alma humana desde todos seus aspectos. No cinema todos somos cruéis 2 ". Para Artaud, o distanciamento da vida constituía a superioridade do cinema e não seu maior pecado. "O cinema tem sobretudo a virtude de um veneno inofensivo e direto, uma injeção subcutânea de morfina". O cinema como excitante notável dos sentidos convoca estados de grande exaltação da alma, suas paixões. Hoje em dia, certa doxa recupera a hipótese morfina e aponta as armas contra uma CNN narcótica, uma MTV anestésica, um Tarantino entorpecente, um Hot Channel hipnótico. Sobretudo, fala-se de aumento do nível de tolerância das audiências, tolerância, necessidade de administração de doses maiores para a obtenção do efeito inicial. O efeito inicial da morfina : estado de satisfação de todos os impulsos e desejos, orgasmo tóxico. A diabolização da imagem cinematográfica cresce enroscada no cinema e se inscreve na tradição iconoclasta. A mitologia grega foi também usina de imagens em tempos politeístas e pré-industriais e podem se recolher provas arcaicas da