Algumas notas sobre imagem e palavra na Arte da Memória (original) (raw)
Angélica Chiappetta (EACH/USP) No seu "Arte da Memória", Francis Yates fala de uma tradição ciceroniana da técnica de memorização que teria preservado os mesmos preceitos da arte de memorizar desde a Antigüidade até, pelo menos, o séc. XVIII 1 . Nessa tradição, o material a ser memorizado é traduzido em imagens que são ordenadas na mente em lugares previamente escolhidos e organizados. Isso faz com que as artes da memória que seguem tal tradição sejam um material interessante para estudar, nos contextos que as utilizam, as relações entre imagem e palavra, operando como que uma espécie de inverso da ekphrasis. Falando das partes da Retórica, Cícero trata a Memória como fundamento, guardiã e tesouro do discurso: "Quid dicam de thesauro rerum omnium, memoria? Quae nisi custos inuentis cogitatisque rebus et uerbis adhibeatur, intellegimus omnia, etiam si praeclarissima fuerint in oratore, peritura". (De or., I,18) "Que direi da memória, tesouro de todas as coisas? A menos que ela tenha sido empregada como guardiã das coisas e palavras encontradas e pensadas, entendemos que todas, mesmo se tiverem estado muitíssimo claras no orador, se perderão" Sed earum omnium rerum ut aedificiorum memoria est quasi fundamentum, lumen actio. (De op.gen. or., II,9) "Mas a memória, como acontece com os edifícios, é por assim dizer o fundamento de todas as coisas; a ação é a luz" Mary Carruthers, no seu The Book of Memory, esclarece que a memória não deve ser entendida como um substituto da escrita num mundo eminentemente oral 2 . Memória e cultura escrita não se excluem, como mostra a aproximação entre as duas presente nas Partições Oratórias e tantas vezes repetida: "(memoria est) gemina litteraturae quodammodo et in dissimili genere persimilis. Nam ut illa constat ex notis litterarum et ex eo in quo imprimuntur illae notae, sic confectio memoriae tamquam cera locis utitur et in his imagines ut litteras collocat." (De Part. Orat.,26, grifo nosso)