O canto sirênico da yuurei: figurações do monstruoso feminino nas culturas ocidental e oriental (original) (raw)

O canto crepuscular, porta entre mundos na mitologia e no xamanismo kadiwéu

Conference Proceedings 18Th Iuaes World Congress, 2019

No âmbito da cosmologia kadiwéu, os pássaros mitológicos e os xamãs, em determinados momentos, participam de ambos os mundos que contribuem para comunicar, constituindo porteiros especularmente justapostos do mesmo umbral. O mais surpreendente é que, de qualquer parte que se observe tal passagem, a chave para aceder sem perigo ao outro lado é exatamente a mesma: o canto. Trata-se de um canto repetido, demorado e crepuscular. No mito de origem kadiwéu, o carão, pássaro investido de humanidade (humanity), reconheceu esta sua própria condição em uma humanidade (humankind) ainda "em estado cru", depois de passar uma noite inteira cantando e olhando, sendo que as duas ações são indissociáveis. Da mesma forma, o xamã consegue invocar os bichos, entrando em êxtase, depois de horas de canto repetitivo e monótono realizado à noite, na penumbra de um fogo sem chamas. A voz do carão é forte e cheia, um grito longo frequentemente seguido por 3-4 gritos curtos. De modo semelhante, o canto do xamã intercala demoradas repetições e picos de intensidade em que o ritmo do maracá se faz mais excitado e os cantos atingem o máximo da força. O clímax alcançado por meio destas alterações de crescente dramaticidade corresponde, no mito, ao momento em que o carão vê os primeiros humanos e, na sessão do xamã quando este último chama a chegada de seu bicho. Partindo das sugestões da antropologia simétrica e do perspectivismo ameríndio, reflete-se aqui sobre esta assonância performática transespecífica. Palavras-chave: Xamanismo; Mitologia; Canto; Kadiwéu. Abstract In the Kadiwéu cosmology, mythological birds and shamans participate in both worlds they contribute to communicate, constituting porters specularly juxtaposed of the same threshold. The most surprising thing is that, from whichever part it is observed, the key to safe access to the other side is the same: the singing. It is a repeated, time-consuming, twilight song. In the Kadiwéu myth of origin, the limpkin, humanity-invested bird, recognized his own condition in a humankind still "raw", after spending a whole night singing and looking, two inseparable actions here. In the same way, the shaman can call his animal guides after hours of repetitive and monotonous singing performed at night, before a fire without flame. The limpkin voice is strong and full, a long cry often followed by 3-4 short shouts. Similarly, the shaman's song intercalates lengthy repetitions and peaks of intensity in which the maracá's rhythm becomes more excited and the corners reach maximum strength. The climax reached by these changes of increasing

Alquimia sonora feminina: cantos e danças com tambores xamânicos

Revista Repertório - Bahia, 2018

O propósito desse artigo é o de apresentar os princípios pedagógicos que norteiam as "Rodas femininas de cantos e danças com tambores xamânicos" desenvolvidas através do projeto de extensão "Cantos de Gaia: alquimias sonoras", vinculado ao Grupo de Pesquisa Poéticas da Voz. Esse projeto desenvolve estudos na área da voz e do gênero feminino. Na roda vocal feminina o tambor é utilizado como um instrumento para, através do ritmo, trabalhar a ampliação da consciência corpórea da mulher. As inspirações teóricas para o estudo do ritmo advêm das áreas das artes, da música, das terapias sonoras, da musicoterapia. As práticas rítmicas com o tambor interligam corpo e voz, canto e dança, música e consciência, arte e saúde.

Representações de gênero nas tradições históricas e cosmogônicas do Huarochiri [1598]

Caderno Espaço Feminino (UFU), 2010

This is an analysis of gender representations in the work Dioses y Hombres de Huarochiri, written by the cleric and the idolatries visitor Francisco de Ávila, who toured the province of Huarochiri in Peru in 1597 with the task of knowing and destroy historical traditions and sacred of indigenous peoples.

A representação da mulher nas cantigas medievais

Cadernos De Historia, 1997

Este fragmento é parte integrante de um projeto de pesquisa que já produziu outros trabalhos publicados. O tema refere-se a uma fazenda mineira do século XIX, doada a escravos, em testamento. Este artigo constrói uma memória da vida quotidiana da fazenda, expressando o imaginário presente nos relatos pessoais dos descendentes de escravos. A figura mítica da ex-proprietária Constança tece a trama da narrativa. Aos heróicos tropeiros do passado, que, na poeira doirada das estradas, no compasso do guizo da madrinha, de pousada em pousada e, ao final de cada marcha, no aconchego da lareira crepitante, cheirando a torresmo e feijão inteiro, construíram a grandeza do Serro em paiás tecidos de taquara poca, bruacas de couro cru e cambulhos de barris encharcados de genuína filha de senhor de engenho, as homenagens de nosso povo. Placa afixada ao pé do monumento aos tropeiros da região. Cidade do Serro-MG-1871-1971, antiga Vila do Príncipe. Magia de luz no interior de Minas. Fazenda do Mata-Cavalo. Município do Morro do Pilar. O som dos atabaques rompe o silêncio dos ares. Reúne sombras e martírios. Sonhos e suspiros centenários. No mais, só o resto da raça abandonada na imensa solidão dos homens. De todos os lugares, dos atalhos e estradas. Dos altares. Das grutas. Dos cômodos escuros das almas. Dos troncos e dos currais surgem estas criaturas humildes e humilhadas. Ocultas formas, silhuetas absurdas. Entre responsos e murmúrios, a mesma resposta surda-Cadê Mãe Tança. João Evangelista Rodrigues-texto criado para a pesquisa Deixo livres os meus escravos, como se de ventres livres nascessem e os instituo herdeiros de meus bens, com a condição, porém, de ficarem morando e vivendo em sociedade nesta minha fazenda, sem poderem vender nem alienar (...).

O canto do crepúsculo. Reflexões ornito-antropológicas sobre um mito de origem kadiwéu

Este trabalho surge do descobrimento, no mito de origem kadiwéu, de duas relações que envolvem humanos e pássaros. Uma é a existente entre os três pássaros-detetives convocados pelo demiurgo para encontrar os ladrões do seu peixe – os ancestrais do ser humano. A outra é aquela entre o pássaro carão, o único que conseguiu ver os ladrões – permitindo ao demiurgo encontrá-los e “humanizá- los” –, e estes últimos. Com respeito à primeira, partindo de uma leitura estruturalista, argumentamos como esses pássaros formam uma série natural de diferenças, por meio da qual os Kadiwéu pensam metaforicamente sobre uma controversa série cultural, assumida como homóloga. Passando à segunda, interpretamos a hipótese perspectivista, defendendo a tese de que o carão enxergou aquela proto-humanidade no momento em que vestiu a sua “roupa”, ingerindo um alimento cozido. Na última parte do texto tentamos juntar estas duas relações para nos aproximarmos da armação do pensamento mítico deste povo ameríndio.

Mariana, Herondina e Toya Jarina: transculturalidade nas figurações do sagrado feminino na Encantaria Amazônica

Sacrilegens, 2024

O presente trabalho tem, como principal objetivo, despertar reflexões sobre os marcantes traços de transculturalidade nas figurações arquetípicas do sagrado feminino nas manifestações religiosas no Norte do Brasil, tomando como base analítica a história de Mariana, Herondina e Toya Jarina, princesas de origem turca que se tornaram entidades largamente populares na Encantaria, vertente da Umbanda praticada na maior parte da Amazônia Brasileira. Os resultados da pesquisa apontaram o caráter diaspórico, transcultural, da formação representativa dessas “Encantadas” como importante elemento que evidencia, de modo peculiar, que suas imagens remetem à pluralidade étnica e sociocultural que formou a população brasileira, como hoje é compreendida, contida na mítica das configurações dos arquétipos da mulher divina brasileira, como também na substantivação do ser feminino transcendental como fator derivado das experiências místicas do sujeito psicossocial atraído pela força implacável deste modelo. Como base para a pesquisa e revisão bibliográfica que sedimenta esta análise, foram utilizados os trabalhos de teóricos ligados ao estudo de representações arquetípicas do feminino nas religiões, como também de suas configurações nas práticas religiosas amazônicas, como Ferretti (1996), Loureiro (1995), Ortiz (1999) e Prandi (2005), entre diversos outros.

Cosmologia, crise e paradoxo: da imagem de homens e mulheres brancos na tradição Xamânica Kuna

Mana, 2000

O vínculo entre os vários tipos de narrativa e a construção de memórias sociais tornou-se óbvio para historiadores, antropólogos e cientistas sociais em geral, com os trabalhos de Paul Ricoeur, dentre outros autores. Se, como Ricoeur argumentou brilhantemente, narrar uma história não é apenas um modo de recordá-la, mas também um meio "para refigurar a nossa própria experiência de tempo" (Ricoeur 1983:9), a narratividade deve ser considerada não somente como um estilo literário particular, mas também como uma forma de existência da própria memória 1 . Com base nessa perspectiva muitos historiadores, assim como alguns psicólogos , têm sido tentados a argumentar que nenhuma memória é imaginável sem um arcabouço narrativo.

Vozes abafadas: o mangá yaoi como mediação do discurso feminino

Resumo: Os mangás representam um modelo textual originado no Japão, que vem cada vez mais ocupando espaço na mídia ocidental. Em meados de 1980, surgiram os primeiros mangás Yaoi. Inicialmente, este subgênero de manga marcou seu espaço por ter sido desenhado, escrito e publicado por fãs de mangás, ironizando a hegemonia masculina nesta mídia. A receptividade do público feminino contribui para a consolidação do yaoi como um mangá “escrito por mulheres para mulheres”. Sua principal especificidade está no tema: o romance entre homens. O uso do tema homoerótico masculino desponta como expressão feminina, subvertendo as hierarquias sociais de uma sociedade marcada pelo machismo. As mulheres japonesas passam a utilizar a relação homoerótica como espaço expressivo para suas vozes abafadas, apoiando-se na eqüidade hierárquica entre os parceiros. Palavras-chave: Mangá, Gênero, Estudos de Mídia, Literatura de Massa, homossexualidade