O anjo e a besta: Pascal, Machado de Assis e a descristianização do ceticismo (original) (raw)
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Aletria: Revista de Estudos de Literatura
Resumo: A ficção de Machado de Assis coloca em disputa a metáfora antropológica utilizada pelo filósofo Blaise Pascal para descrever a natureza ambígua do ser humano. Neste artigo, revela-se o processo que levou Machado a apropriar-se da antropologia pascaliana. O recorte deste processo incide sobre o conjunto de crônicas “Notas Semanais”, escrito em 1878. Machado antecipa alguns pressupostos do que conhecemos por literatura fantástica, dando vida a seres inertes, compilando uma espécie de bestiário, descrevendo espetáculos com animais fabulosos e monstruosidades humanas. O leitor e a plateia, que se divertem e contemplam o espetáculo, se rebaixam e se transformam, igualmente, em bestas. Saiba-se que a falência do projeto romanesco de caracteres e a recusa das doutrinas literárias realistas são alguns dos motivos que forçaram Machado a reinventar a forma narrativa. Do mesmo modo, os pressupostos da antropologia pascaliana são redirecionados para uma investigação cética, e até grotes...
Argumentos - Revista de Filosofia, 2020
O ceticismo na obra de Machado de Assis é a tradução de uma obra originalmente publicada em inglês com o título "Machado de Assis, the Brazilian Pyrrhonian" em 1994 por José Raimundo Maia Neto. Esse estudo deriva da dissertação de mestrado defendida pelo autor em 1987 na PUC-RJ. Da primeira versão para a publicação em português, constituem modificação o título e passagens da introdução (MAIA NETO, 2007a, p. 224), como a atribuição do ensaio "Queda que as mulheres têm pelos tolos" 2 , de Victor Henaux, à autoria do próprio Machado (MAIA NETO, 2007a, p. 14.). Trata-se, segundo Gustavo Bernardo Krause (2005, p. 19), do melhor e mais abrangente trabalho a respeito do ceticismo na obra do Bruxo do Cosme Velho. Maia Neto oferece como fio de Ariadne para a travessia da ficção machadiana a figura de um observador cético pirrônico que se constitui ao longo dos contos e dos romances da primeira e segunda fase atingindo sua forma mais bem acabada com o Conselheiro Aires, protagonista dos dois últimos romances, Esaú e Jacó e Memorial de Aires. É importante observar que o tipo de pirronismo em análise não é estritamente o pirronismo antigo, mas contempla também a tradição pirrônica moderna, já que Machado não teria tido contato pelo pirronismo pela via de Sexto Empírico, e sim pelas leituras de autores como Montaigne, Pascal, Voltaire, Plutarco e Luciano (MAIA NETO, 2007a, p. 20 e 2007b, p. 212). Isso não impede que os três momentos do ceticismo pirrônico-zetesis, epoche e ataraxia-perpassem de forma mais ou menos presente a obra machadiana desde a primeira fase constituindo gradativamente esse observador cético-pirrônico. Para apresentar sua interpretação, Maia Neto elabora uma série de categorias especiais, localizadas ao longo da ficção machadiana, cujas principais são as seguintes. À vida social corresponde a vida exterior, lugar de opiniões precárias e contraditórias, de dualidade e hipocrisia. Já a paz doméstica pode ser entendida como o lugar de transparência, eticidade e verdade, oposto à Recebido em: 12/07/2020.
Uma criatura: o problema do niilismo na poesia de Machado de Assis
O problema do niilismo na poesia de Machado de Assis permanece um tema pouco estudado. O nosso objetivo geral é argumentar que o niilismo é o leitmotiv do poema " Uma criatura " , publicado originalmente na Revista Brasileira em 1880. A principal reivindicação do presente estudo é que Machado, ainda que recuse o niilismo de que o acusaram tantos, teve uma aguda consciência do caráter complexo e multifacetado da presença do niilismo em seu tempo. A análise intenta colocar a poesia machadiana em constante diálogo com os pensamentos de Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche a respeito do pessimismo e do niilismo. The problem of nihilism on Machado de Assis' poetry has remained an unstudied subject. The main purpose of this paper is to argue that nihilism is a leitmotif of " Uma criatura " , a poem originally published in Revista Brasileira in January 1880. The fundamental claim is that Machado de Assis had an acute awareness of the complex and multifaceted nature of the presence of nihilism in his time. The analysis proceeds in order to stimulate the dialogue between the poetry of Machado and the thoughts of Arthur Schopenhauer and Friedrich Nietzsche concerning pessimism and nihilism.
" Dos Coxos " : ceticismo e fideísmo em Montaigne
O presente artigo tem como objetivo analisar as relações entre o ceticismo montaigniano e o ceticismo acadêmico, a partir do ensaio 'Dos Coxos'. Pretendemos evidenciar que a presença de elementos tipicamente acadêmicos neste ensaio não caracteriza uma modificação substantiva em relação ao ceticismo de Montaigne, cujos traços essenciais permanecem ainda pirrônicos. Ao contrário, interessa-nos mostrar que convivem neste ceticismo valores e formulações destas duas versões do ceticismo antigo, na maneira como associa de forma consistente tanto a dúvida pirrônica quanto o preceito da integridade intelectual acadêmico. Partiremos das considerações avançadas por Pascal no fragmento 98 dos Pensamentos, pois elas nos permitem apurar o sentido da metáfora utilizada por Montaigne para dar título ao seu ensaio, metáfora esta que nos ajuda apreender a problemática que orienta este ensaio como um todo coerente e ilustrativo de uma apropriação singular das referidas versões do ceticismo antigo. Por fim, admitindo que a metáfora do coxo refere-se ao homem decaído, seguindo a sugestão de Pascal, avançaremos algumas considerações acerca do fideísmo em Montaigne.
A alteridade animal em Machado de Assis: Da crónica ao conto
O Animal, 2021
A crónica e o conto de Machado de Assis relevam a alteridade animal. Tendo em vista o conjunto de textos a analisar, este artigo propõe demonstrar como o animal, enquanto tema e formulado como um outro, leva Machado de Assis a abrir espaço para questões urgentes e para a desconstrução de preconceitos. Ao mesmo tempo que inteligentemente o faz, Machado de Assis desafia o nosso entendimento e os nossos limites, enquanto humanos.
Neste artigo, desenvolvo um ângulo para localizar e qualificar a relação de Machado de Assis com a Filosofia do Inconsciente de Eduard von Hartmann. Primeiro, investigo essa relação pelo ângulo da sátira do Humanitismo, no que o pensamento de Eduard von Hartmann se encaixa nas características das novas teorias que serviram à paródia de Machado, precisamente devido a sua pretensão de conciliar cientificidade e metafísica. Contudo, levando em conta o fato de que na primeira versão do romance Quincas Borba Machado praticamente deixou de lado a filosofia do Humanitismo, outro ângulo de sua relação com o pensamento do filósofo alemão apareceu: na primeira versão do Quincas Borba, ele colou em cena um conceito inédito de inconsciente. A relação de Machado com o pensamento de Hartmann apresenta uma ambiguidade fundamental. A melhor forma de compreendê-la parece ser nessa via ambígua produzida pela contradição de um sistema filosófico que encena sua própria arbitrariedade e seu potencial de objeto risível, mas que força a razão a mirar, por meio da metafísica, a concepção do inconsciente como uma lógica outra, como um estrangeiro habitando no interior da morada da razão. In this article, I develop an angle to track and qualify Machado de Assisápproach to Eduard von Hartmann´s Philosophy of the Unconscious. First, I investigate it from the angle of the satire of Humanitism, a satire of a type of thought that supposes itself scientific and philosophical. In that sense, Eduard von Hartmann's thought fits perfectly to the features of the new theories that served to Machado's parody, precisely due to his pretense to conciliate a scientific basis with the tradition of metaphysics. Nonetheless, as I take into account the fact that in the first version of Quincas Borba Humanistism was almost put aside by Machado, another angle of Ma-chado's approach to Hartmann's ideas showed up. In the first version of Quincas Borba, he brought about an unprecedented concept of unconscious. Machado's approach to Hartmann's thought presents a fundamental ambiguity, to what, it seems so far, the best way to comprehend it is to hold the very contradiction of Hartmann's philosophical system. This contradiction enact the arbitrariness of his philosophy and its potential to become an object of humor, but, at the same time, forces the human reason to stare, through the lances of metaphysics, at the idea of the unconscious as another logic, as a foreigner living within the country of human reason.
Machado de Assis, cronista: o espiritismo kardecista sob a pena da galhofa
Letras Escreve - Literatura e Religião, 2018
Este artigo busca compreender como a temática espírita aparece em crônicas de Machado de Assis. Mais especificamente, este estudo se volta para as crônicas publicadas nas cinco séries escritas pelo autor, entre os anos de 1883 e 1897, para o jornal carioca, Gazeta de Notícias. Considerando as mudanças sociais pelas quais o Brasil passou entre as décadas de 1860 e 1890, a situação dos espíritas também se modificou, o que resultou dos progressos e retrocessos políticos do país. Acompanhando as mudanças sociais em seu entorno, Machado também tematizou a as-censão espírita, mostrando sempre o seu posicionamento com relação à nova doutrina. Com isso, visando uma melhor compreensão a respeito do assunto, esta pesquisa busca compreender os re-cursos utilizados pelo autor para realizar suas críticas contra o espiritismo, especialmente, porque fez uso de diferentes estratégias para escrever cada uma das séries. Dessa forma, na medida em que o espiritismo passou por um processo de ascensão na sociedade oitocentista brasileira, Machado tornou a doutrina tema de suas crônicas, transformando o assunto em uma verdadeira forma de fazer troça dos espíritas, ao mesmo tempo em que converteu a temática em uma forma de criticá-los. Palavras-chave: Machado de Assis; Crônicas; Espiritismo; Literatura e Jornalismo. Abstract: This article aims to comprehend how the spirituality subject appears in the chronicles of Machado de Assis. More specifically, this study turns to chronicles published in the five series written by the author, between 1883 and 1897, for the carioca newspaper, Gazeta de Notícias. Considering the social changes which Brazil passed between 1860s and 1890s, the situation of the spiritists also changed, and the later resulted from political progress and regress of the country. Following the social changes in his return, Machado also deal with the subject of the spiritism ascension, always showing his position in relation to the new doctrine. Thereby, aiming a better comprehension about the subject, this study aims to comprehend the resources used by the author to make his critics against spiritism, especially, because he used different strategies to write each series. This way, as long as the spiritism passed to the process of ascension, in the Brazilian eighties society, Machado made the doctrine a subject of his chronicles, and he transformed the subject in a truly way to make fun of spiritists, in the same way that the subject became a way to criticized them.
Ceticismo e dogmatismo em Pascal
Discurso
O objetivo deste artigo é comparar a maneira como Pascal trata das relações entre ceticismo e dogmatismo em duas de suas principais obras, os Pensamentos e Conversa com o Senhor de Sacy, as quais, embora não conflitantes, trazem uma relevante mudança de pontos de vista. A Conversa aborda o debate ceticismo/dogmatismo diretamente pelo ângulo moral, de modo que os riscos morais (e as paixões correspondentes de orgulho e preguiça) para os leitores serão o critério fundamental de avaliação das duas filosofias. É igualmente do ponto de vista moral que Epiteto e Montaigne, representantes do dogmatismo e do ceticismo, serão considerados inconciliáveis, visto que a aniquilação recíproca de vícios e virtudes impossibilita a constituição de uma moral perfeita. Nos Pensamentos, o ponto de vista assumido é o da teoria do conhecimento, ainda que se termine o embate no mesmo impasse moral da Conversa. A diferença mais importante, porém, é que os Pensamentos trazem o embate para o interior da natu...
Sobre as afinidades entre a filosofia de Francis Bacon e o ceticismo
Kriterion-revista De Filosofia, 2006
reSumo Este texto se ocupa de um exame, em caráter introdutório, das relações entre a reflexão de Bacon acerca das limitações de nossas faculdades e o ceticismo filosófico -um tema pouco considerado pela literatura mais recente, a despeito das muitas referências a tal filosofia. Ainda que, à primeira vista, tais referências possam parecer vagas e imprecisas, pensamos que um exame adequado de algumas delas pode revelar, não apenas a importância do tema para a compreensão de aspectos do seu próprio empreendimento, mas o interesse de Bacon pela literatura cética contemporânea. As peculiaridades de sua própria interpretação, por sua vez, parecem antecipar traços do modo como essa filosofia foi compreendida por filósofos posteriores, como Hume.
2019
A presente tese de doutorado objetiva abordar a condicao humana no vies de Blaise Pascal, que foi de grande influencia e inspiracao para o escritor Machado de Assis. Ambos percebiam o ser humano lutando entre o divertissement, o ennui, a concupiscencia e a vaidade, entre outros aspectos. Embora se trate de um filosofo do seculo XVII e de um autor do seculo XIX, ocorrem varios pontos em comum entre ambos uma vez que cada um, a sua maneira, perscrutou a alma humana, plena de contradicao, miseria, incertezas. Para ambos, a condicao humana vai ser permeada pela contradicao e pela ironia que a vida da: se se deseja a verdade, so se encontram incertezas; se se procura a felicidade, so se encontram miseria e morte. Machado de Assis e Blaise Pascal mostram a involucao do ser humano e colocam os leitores no turbilhao, em que estes sao obrigados a pensar e a discernir, o que implica sofrimento. Para escritor e o filosofo, o ser humano e desordenado, miseravel, contraditorio, correndo entre a ...