Entre a Sinceridade e a Ironia no Cinema (original) (raw)
Related papers
Atas do V Encontro Anual da AIM, 2016
A ética tem uma história na filosofia, mas tem também uma história no cinema. Simplificaríamos muito se afirmássemos que a segunda história é um simples produto da primeira. Será, até certo ponto, na medida em que a filosofia foi traçando o amplo campo de pensamento a que chamamos ética, mas a questão no cinema foi-se colocando de modo específico. O tópico teve uma abordagem particularmente penetrante por parte dos críticos-cineastas da Nova Vaga Francesa que se colocava, em simultâneo, nos planos da criação e da fruição. Se o cinema tinha sido antes de mais analisado como estética, aqui o cinema passou a ser abordado também como ética. Segundo este entendimento, a equação da arte só se constitui de forma crítica a partir do cruzamento destas duas dimensões. A revisitação e análise do artigo de Jacques Rivette, “Da Abjecção”, sobre o filme “Kapò” (1961) permite-nos fixar os termos precisos da discussão — e expressos noutros textos, como a mesa redonda sobre “Hiroshima, Meu Amor” (“Hiroshima mon amour”, 1959), na qual Jean-Luc Godard afirmou “O travelling é uma questão moral.” Tal discussão relaciona-se tanto com as escolhas de quem cria como com as respostas de quem frui, mas igualmente com as suas determinações, no emaranhado social e histórico de que fazem parte e na marca de individualidade que protagonizam. Considerar o cinema como ética passa portanto por rejeitar a retórica da ética, mais ou menos moralista, para assumir o cinema enquanto prática.
Humildade e Narcisismo às Avessas no Cinema da Retomada
Em diversos filmes do cinema da retomada, podemos sentir esta má-consciência deslocando-se da constatação da fratura social, para uma acusação que abrange a nação como um todo. A acusação configura o que poderíamos chamar de um "estatuto" da incompetência. O estabelecimento deste estatuto possui, como traço definidor, um certo regozijo em sua constatação. Não estão mais em jogo agentes individuais que nutrem algum tipo de dilema ao lidar com a fratura social (como os dilemas épicos dos grandes personagens glauberianos, Paulo Martins e Antônio das Mortes). O grande vilão aqui é a nação como um todo, de modo indistinto. Especificamente, é o lado institucional do país que aparece acusado.
Estranhamento e riso no cinema contemporâneo
Estudos Avançados, 2010
O artigo é uma análise crítica do filme A hora do show (Bamboozled), lançado em 2000, do diretor estadunidense Spike Lee. Há em sua obra, e particularmente nesse filme, influências conceituais de dois importantes autores. De Bertold Brecht e o seu efeito de estranhamento ou efeito V (do alemão Verfremdungseffekt); e de Henri Bergson e sua concepção do riso como portador de determinada função e significado social. A obra de Spike Lee, aberta no sentido modernista, perpassa uma intenção didático-pedagógica do uso e da desconstrução da imagem eurocêntrica que ainda não foi suficientemente analisada e compreendida pela crítica.
Esse texto é resultado da combinação de três diferentes interesses e influências. Em sua primeira parte, articulo resumidamente a perspectiva teórica que utilizei para pensar o cinema em minha dissertação de mestrado, associando teóricos do cinema com as reflexões de Paul Ricoeur em Tempo e Narrativa. Na Parte II, retomo reflexões de Rohden e Kussler sobre filosofia, hermenêutica e cinema. Na Parte III, a partir da reflexão teórica realizada nas duas primeiras partes, passo então a elaborar o tema que me interessa — a relação entre cinema e ética. Esse tema já era objeto de minhas reflexões há algum tempo, mas ainda não havia ganhado a formatação acadêmica que aqui o conferi.
Filosofia e Cinema: uma antologia, 2020
O texto examina a relação entre as experiências emocionais propiciadas pelo cinema com a vida moral, particularmente a relação entre cinema, emoções e o fenômeno cognitivo-moral que chamarei “entendimento moral”. O entendimento moral é um estado mental emocionalmente engajado que envolve tanto conhecimento moral (conhecimento de proposições morais e o controle cognitivo das relações inferenciais que elas autorizam), quanto uma dimensão afetiva e motivacional que caracteriza a moralidade. Muitos filósofos têm sustentado que o entendimento moral está ligado às emoções. Prinz argumentou que a presença de sentimentos negativos fortes em relação ao ato de matar é suficiente à compreensão do caráter moralmente errado do ato de matar (2006). Little (1995) também argumentou que o engajamento afetivo é fundamental para fazer juízos morais adequados. Uma tese similar, eu sustento, pode ser articulada em relação à tríade emoção-cinema-moralidade, ou seja, a pretensão é mostrar que o meio cinematográfico dispara respostas emocionais relativas a situações morais ficcionais que são fundamentais para o entendimento de situações morais vividas. Para discutir a complexa relação entre cinema, moralidade e emoção analisarei rapidamente algumas características do filme Wit (dirigido por Mike Nichols), que explora uma experiência de cuidado, sofrimento e morte durante um tratamento para câncer em estágio avançado da personagem principal, a professora de poesia inglesa Vivian Bering.
Este artigo trata da relação entre a história do cinema e da histeria. Ao longo do texto, são abordados aspectos concernentes à evolução de ambos os domínios, propondo--se um cruzamento sobre a maneira segundo a qual esses dois fenômenos impactaram o meio social a partir da segunda metade do século XIX. A partir daí, estudamos a forma com que as imagens se comunicam, produzindo ressonâncias umas sobre as outras e rompendo fronteiras temporais. O corpus onde esse processo de recriação imagética é observado é composto pelo documentário Os Mestres Loucos (1955), de Jean Rouch, bem como pelas imagens registradas pelo serviço fotográfico da Salpêtrière, em Paris, no final do século XIX, catalogadas na obra de Georges Didi--Huberman Invention de l'Hystérie (2012).
O Dom Do Crime: Ironia e Ficção No Trato Com O Real
Revista de Letras, 2013
Neste ensaio examinamos o romance O Dom do Crime publicado por Marco Lucchesi em 2010, considerando as relações intertextuais e o jogo irônico que estabelece com o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Com base em um referencial teórico recente relativo à ficção histórica e na obra de pensadores franceses como Paul Ricoeur e Jean Baudrillard, procuramos identificar e investigar o jogo estabelecido pelo narrador-autor entre o universo ficcional machadiano e o relato histórico do caso José Mariano, um crime de "honra ferida" comum no século XIX. A narrativa de Lucchesi entrelaça registros jornalísticos e o universo ficcional bem conhecido de Dom Casmurro para subverter a tradicional relação hierárquica entre realidade e ficção. Adotamos o referencial baudrillardiano, juntamente com a reflexão de Ricoeur sobre a discursividade e a falibilidade da memória e com a noção romântica de ironia, para sublinhar a difícil tarefa de se traçar limites entre realidade e ficção, limites esses obscurecidos-se não apagados-ironicamente no romance de Lucchesi.
A histeria e o cinema: mitos e verdades
Ecos Estudos Contemporâneos Da Subjetividade, 2013
Este artigo trata da relação entre a história do cinema e da histeria. Ao longo do texto, são abordados aspectos concernentes à evolução de ambos os domínios, propondo-se um cruzamento sobre a maneira segundo a qual esses dois fenômenos impactaram o meio social a partir da segunda metade do século XIX. A partir daí, estudamos a forma com que as imagens se comunicam, produzindo ressonâncias umas sobre as outras e rompendo fronteiras temporais. O corpus onde esse processo de recriação imagética é observado é composto pelo documentário Os Mestres Loucos (1955), de Jean Rouch, bem como pelas imagens registradas pelo serviço fotográfico da Salpêtrière, em Paris, no final do século XIX, catalogadas na obra de Georges Didi-Huberman Invention de l'Hystérie (2012).