Pierre Sansot: poéticas, imaginários urbanos e a paisagem tecnológica cotidiana (original) (raw)

Ao menos desde as imagens da Cité industrielle de Tony Garnier, produzidas entre 1901 e 1904, e publicadas em 1917, as proposições urbanísticas estabeleceram uma relação positivista, racionalista e funcionalista com os modos de produção do capitalismo industrial. Tal relação foi conduzida a uma posição paradigmática para o urbanismo do século XX com a Carta de Atenas, documento resultante da Assembleia do CIAM — Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1933. Propagada mundialmente na versão de Le Corbusier, a Carta de Atenas definia quatro funções elementares na interação com a cidade moderna: habitação, circulação, trabalho e lazer. Tais funções deveriam garantir as condições indispensáveis para a preservação e a reprodução da força de trabalho em ciclos de produção longos, velozes e ininterruptos, fundamentais para o “progresso” das nações europeias no pós-primeira guerra mundial. A casa como “máquina de morar”; “a cidade como a casa, a casa como a cidade”, apresentavam os imaginários mecanizados, automatizados e produtivistas que orientaram inúmeros planos e intervenções urbanas em todo mundo, dentre os quais: Brasília. Tais imaginários, transmutados, reapresentaram-se como maquinaria digital nas expressões mais recentes das smart cities e villes co-intelligentes. Como alternativa crítica a tais enfoques, em 1971, foi publicada a tese de doutorado de Pierre Sansot (1928-2005), antropólogo, filósofo e sociólogo francês, intitulada Poétique de la Ville. Essa obra, ainda sem tradução em português, continua sendo uma referência essencial para a superação do urbanismo tecnicista que privilegia o planejamento e o desenvolvimento econômico, excluindo as subjetividades, os devaneios e as transmutações próprias da imaginação. Sansot propõe, dentre outras, as noções seminais de “poética” e de “imaginário urbano” como recursos conceituais próprios do Imaginário, indispensáveis à compreensão das interações e relações cotidianas com os lugares que constituem nossas cidades hoje, ontem e amanhã. Com o intuito de ampliar e matizar as contribuições de Pierre Sansot aos imaginários tecnocientíficos, serão apresentadas também aqui algumas considerações complementares sobre seus esforços no estudo do “Imaginário Técnico Ordinário” indissociável dos Imaginários Urbanos.