Experiências Intelectuais Negras: Brasil e Diásporas (original) (raw)

A experiência intelectual negra é um tema de pesquisa que, nos últimos anos, tem sido sistematicamente debatido por diferentes ramos do conhecimento, em particular na História e nas Ciências Sociais. Ela tem composto um desafio, seja pelas fontes de difícil acesso, pela invisibilidade histórica de sua existência -invisibilidade que todos os artigos deste dossiê problematizam e questionam, cada qual à sua maneira -ou mesmo uma concepção inadequada e excludente do que seria a produção intelectual. A ideia para a construção do dossiê "Experiências intelectuais negras: Brasil e Diásporas" partiu do diálogo dos organizadores, cientistas sociais, em parceria com colegas de História, em diferentes eventos acadêmicos, sobre a aproximação temática dos assuntos de suas pesquisas e a percepção de que esse campo analítico dava sinais inequívocos de consolidação. Além dos desafios já mencionados, as dinâmicas contextuais e históricas que o racismo contra pessoas negras adquire nos espaços em que opera acrescentam novas camadas de complexidade a nosso tema, ensejando comparações analíticas tão arrojadas quanto cuidadosas. Todavia, as dificuldades não impedem a constatação de que intelectuais, negras e negros, estiveram presentes em diferentes momentos de produção e disputa das ideias, de implementação de projetos públicos de mudança social e de diferentes lutas emancipatórias em contextos nacionais e transnacionais. Desafiar o esquecimento ou a pseudovalorização anedótica, desvendando processos de invisibilização violentos, em diferentes intensidades, constitui-se também num problema de fôlego para a prática de pesquisa. A produção bibliográfica sobre as chamadas questões raciais, tanto no Brasil quanto em territórios situados além das fronteiras brasileiras, no espaço da circulação atlântica e além, impactadas diretamente pelo antigo comércio escravista, é antiga e vasta. Porém, tanto as publicações destinadas ao controle médico-jurídico das populações negras desses territórios variados quanto aquelas voltadas para fomentar o debate político, passando pela riquíssima seara de estudos acadêmicos sobre essas mesmas populações, suas formas de habitar e conviver, seus símbolos e constrangimentos, mantiveram, surpreendentemente, uma característica em comum. O tema da raça adquire um aspecto concreto e exteriorizado nos seus diversos traços ou contribuições culturais, sinais diacríticos e fronteiras étnicas ou, mais recentemente, marcadores sociais da diferença. É verdade que a imposição social direta e as experiências raciais explícitas são componentes constitutivos desses sujeitos, mas está longe de reduzi-los. Cair neste equívoco significaria incorrer, inadvertida e novamente, em práticas de racismo. Além disso, mesmo levando em conta o referido acúmulo de conhecimento sobre as vivências raciais no Brasil, no chamado Atlântico Negro e em outros contextos transnacionais, constata-se que a condição de sujeitos reflexivos, capazes de pensar sobre sua existência e compará-la com outras ainda é negada a indivíduos ou coletivos negros -notadamente