Os clérigos e os livros nas Minas Gerais da segunda metade do século XVIII (original) (raw)
A "sociologia histórica das práticas de leitura", segundo Roger Chartier, move-se em meio à tensão operatória estabelecida entre, de um lado, o poder que o texto publicado (e/ou daqueles que estão por trás dele) procura exercer sobre o leitor e, de outro, a liberdade e a inventividade do leitor na produção de sentidos no contato com os textos. Neste artigo procuramos averiguar como esta tensão se manifestou em relação a um grupo especial de leitores: clérigos das Gerais do século XVIII, em sua maioria personagens notáveis, alguns pelos cargos que ocuparam, outros por seu envolvimento na Conjuração Mineira. Numa primeira etapa, examinaremos que títulos e autores a Igreja Católica procurava disseminar entre os eclesiásticos e que lugar estes ocupavam como proprietários de bibliotecas na França, em Portugal e, em seguida, nas Gerais do século XVIII. Depois, analisaremos bibliotecas pertencentes a clérigos mineiros do período, submetendo os dados referentes aos livros (nomes dos autores, títulos, língua em que foram escritas as obras, assuntos e preços) a um tratamento quantitativo, identificando regularidades entre as diversas livrarias e descobrindo os traços singulares de cada uma delas. Explicaremos as recorrências e especificidades das bibliotecas correlacionando-as ao estado sacerdotal e, quando possível, à biografia dos clérigos que eram seus proprietários: suas idéias, seus comportamentos e seus escritos. Com isso, verificaremos como a composição das livrarias, em suas divisões por assunto e em suas peculiaridades, associava-se à trajetória pessoal de seus proprietários e ao estado clerical. De um lado, relacionaremos a prática e o discurso político dos mineiros ao universo literário e, de outro, observaremos se os livros anularam ou reforçaram as normas coletivas, sociais (e não legais), hegemônicas, de comportamento sexual. Desse modo, avaliaremos em que medida os livros influenciaram as condutas políticas e sexuais - ou, ao menos, se não o fizeram - e se os clérigos Inconfidentes se diferenciavam dos demais.