Pensamento, ou aquilo que está além do pensamento? Alguns aspectos do indizível nas Upanishads indianas. Roberto de Andrade Martins (original) (raw)
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Religião, a herança das crenças e as diversidades de crer., 2013
Resumo: Na literatura sagrada indiana, desde a mais antiga (os Vedas) até as Upanishads, surgem com certa frequência afirmações que parecem absurdas ou paradoxais. Por exemplo, o "Nasadiya Sukta" (hino 129 da décima mandala do Rigveda) começa afirmando: "Então não existia o existente, nem existia o não existente". De acordo com a lógica tradicional, não existe uma terceira possibilidade além do existente e do não existente (tertium non datur), portanto a afirmação é absurda. Outro exemplo aparece no "Purusha Sukta" (Rigveda X.90), que afirma que Viraj nasceu de Purusha, e Purusha nasceu de Viraj. Nas Upanishads os aparentes "absurdos" são frequentes, como na Katha Upanishad (I.2.20) que descreve o Atman como sendo "menor do que o menor, maior do que o maior". A Mandukya Upanishad (7) se refere ao quarto estado mental (turiya) que não é conciente do que está dentro, não é consciente do que está fora, não é consciente de ambos ao mesmo tempo, não é consciente do vazio, não é consciente, não é não-consciente. Tais paradoxos não são uma evidência da falta de lógica dos pensadores indianos e sim uma indicação de que, em certos pontos, eles querem indicar algo indizível, que não pode ser expresso claramente por palavras (avyapadeshya) e que portanto é impensável ou inconcebível (acintya). Esses aparente absurdos apontam para algo que só pode ser compreendido de uma outra forma (não conceitual) e que exige uma experiência ou vivência pessoal (vijñana) não racional. Palavras-chave: Mandukya Upanishad, Mandukya Upanisad, Om, turiya, caturtha, quarto estado, estados de consciência, sono, sonho, vigília
Imortalidade nos Upanishades, 2021
A busca da Imortalidade é parte essencial da religião original, se não for o seu alvo principal. Um dia desses ouvi um sábio dizer que se alguém alcançar viver 85 anos ou mais, é possível superar a mortalidade e o aprisionamento no samsara; o que para nós não significa que todo idoso tornou-se automaticamente sábio ou imortal, pois é necessário haver alcançado em tempo hábil a super-consciência (conforme Sagy Yunna), sendo esta portanto o fundamento de toda a obra.
A doutrina dos cinco skandha: uma contribuição budista à reflexão contemporânea sobre a mente
Budismo e Filosofia - Fonte Editorial , 2013
Um setor da filosofia no qual o diálogo entre budismo e pensamento ocidental se mostra, apesar de embrionário, particularmente fecundo é o da filosofia da mente: a grande quantidade de reflexão que o Ocidente moderno dedica, ao menos desde Descartes 1 , a questões como a da natureza do si e da identidade pessoal, da relação mente-corpo, do inconsciente, do livre arbítrio, etc. 2 , pode encontrar dentro das antigas escrituras budistas ideias, análises e sugestões de extraordinária relevância teorética (além de histórico-filosófica). Um exemplo claro dessa afirmação é o da doutrina budista do não-si (anattā-vāda), que pode ser considerada o mais antigo antecedente filosófico daquelas posições que, no debate contemporâneo sobre o 'si pessoal', costumam ser definidas como 'reducionistas': isto é, aquelas posições que afirmam que a inteira experiência subjetiva pode ser reduzida ao feixe dos nossos conteúdos internos, sem nenhum continente, 'proprietário' ou 'gerente' dos mesmos conteúdos.
Da unidade à vacuidade e interdependência de todos os seres no pensamento hindu e budista
2016
O objectivo do presente artigo e mostrar o estatuto de todas as formas de vida no pensamento hindu e budista. Enquanto no pensamento hindu predomina a visao da procedencia de todos os seres e coisas de uma unidade englobante, simultaneamente transcendente e imanente, no pensamento budista o cosmos surge como uma rede complexa de seres e fenomenos interdependentes, inter-relacionados e interpenetrados, sem existencia em si e por si, sendo a sua natureza o que tradicionalmente se designa como vacuidade, por transcender todos os conceitos e categorias.
O Cordel Filosófico de Raimundo: Farias Brito, a Filosofia do Espírito e a Índia
Ekstasis: Revista de Hermenêutica e Fenomenologia
A consolidação da Filosofia do Espírito como Filosofia da Consciência é o centro nevrálgico de um diálogo entre Farias Brito e as tradição filosóficas indianas. Ao invés de uma “influência”, esse encontro sinaliza um caminhar paralelo, solidário e contemporâneo, que dá testemunho de um filosofar original na América Latina. Se, livre das tentações eurocêntricas, a avaliação comparativa da proposta britiana com as filosofias críticas europeias – e.g., o existencialismo, a fenomenologia, a hermenêutica – contribui, por certo, para aclarar aspectos de seu pensamento, por outras tantas razões, a avaliação comparativa com as filosofias dos Upaniṣads e do Budismo pode igualmente trazer aportes inovadores. Um dos aspectos fundamentais desse encontro, é a critica contundente de Farias Brito ao niilismo de Schopenhauer e sua apropriação equivocada das tradições indianas. Num contexto em que a principal fonte de acesso à Índia é o próprio Schopenhauer, a postura crítica de Farias Brito surpree...
Upaniṣads: Uma exposição sobre seus aspectos fundamentais
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Este artigo tem por objetivo proporcionar uma introdução às antigas Upaniṣads indianas, as quais constituem um conjunto de textos de caráter filosófico-religioso elaborados aproximadamente a partir do século VII Antes da Era Comum. Para tal, discorreremos sobre a data de composição das primeiras Upaniṣads, discutiremos acerca de quem as produziu e como elas foram transmitidas, bem como apontaremos para o que pode ser entendido como ātman e Brahman nesses escritos e sobre o que eles sugerem para que se escape do ciclo de renascimentos (saṃsāra). Por fim, algumas noções relevantes sobre o contexto cultural e geográfico da Índia Antiga serão fornecidas, assim como apontaremos para as principais traduções dos textos em questão disponíveis atualmente em inglês e em português.
Aoristo - International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics, 2021
Vivemos sob o domínio da “objetivação”, mas este esquema reducionista dificulta o acesso a realidades espirituais. Hermógenes Harada foi um pensador “marginal” na torrente do niilismo ocidental, nesta situação tornou-se um sábio guerreiro no confronto intelectual com os “idiotas da objetividade”. Este artigo continua este confronto, pensando a origem histórico-filosófica da objetivação e, com ajuda de Nietzsche, reportará esta origem ao surgimento da filosofia socrática, que não apenas queria conhecer, mas principalmente “corrigir a vida”, com a crença na existência de um mundo metafísico. Os “conceitos metafísicos” constituem a base das “ciências úteis”, aquelas ciências que, corrigindo a vida, pretendem “salvar-nos” dos perigos, do sofrimento e da morte, neste mundo aparente, agitado e inseguro. A confiança excessiva depositada nas “ciências úteis” à “correção da vida” tem como consequência uma doença na cultura ocidental: todos os valores superiores se desvalorizaram, o niilismo ...