A encenação do poder tirânico (original) (raw)

A encenação do poder tirânico 1. A cena trágica do tirano 2 Interessa-me explicitar em que medida, nos livros VIII e IX da Repú-blica, para " penetrar no caráter " do tirano, a estratégia argumentativa de Sócrates é descrever suas ações como uma encenação montada no palco da cidade, desenvolvendo uma reflexão política que oscila entre as dimensões psicológica (da natureza da alma) e ontológica (do objeto do prazer). Fica manifesto que a proposta do filósofo governante de-pende de modo decisivo da desmontagem crítica da encenação política do tirano (do drama de sua ação). Parto da análise daquela que me parece uma passagem exemplar, para meu propósito: SOC – (…) mas, é preciso, entrando na cidade (eiselthóntas), obser-vá-la (theásasthai) como um todo, penetrando e olhando (katadýntes eis hápasan kaí idóntes) todos os lugares, para então manifestarmos (dóxan apophainómetha) nossa opinião. GLA – Ora (disse ele) é correto o que propões. E fica manifesto (dê-lon) para todos que não há nenhuma cidade mais infeliz do que a que é governada de modo tirânico, e nenhuma mais feliz do que a que é governada por um rei. SOC – Então (disse eu) se eu propusesse proceder do mesmo modo com relação aos homens (individuais) também, eu estaria correto? Eu consideraria digno de julgá-los (krínein) aquele que, ao penetrar pelo pensamento (tê dianoía-diideîn) no caráter de um homem, fosse capaz 1 Universidade Federal de Belo Horizonte. 2 Este texto faz parte de meu projeto maior de pesquisa sobre " os modos do apa-recer na República " , no qual estudo as múltiplas dimensões do problema da aparência e da imagem em Platão, com diversas publicações parciais.