A ficção do Eu e o Outro na literatura da homossexualidade (original) (raw)
Esta pesquisa aborda como o relato de teor biográfico, com ênfase no texto literário, implica na questão sobre a subjetivação dos sujeitos e de suas identidades. Se, por um lado, a subjetivação opera num nível anterior ao sujeito, mas, ao mesmo tempo, ele pode cooperar com esse processo com a finalidade de tornar a si mesmo um sujeito inteligível e possível na interlocução com o outro, compreende-se aqui o relato de si como uma estratégica ficcional e discursiva na qual os sujeitos procuram adquirir alguma agência sobre suas subjetividades. O exemplo utilizado para ilustrar o problema é a produção literária de quatro autores homens que, seja por suas biografias ou temáticas autorais, estiveram envolvidos com formas de identificação relacionadas à homossexualidade. O diário de Carella registra que homens fazendo sexo entre si não é o bastante para considerá-los gays; é preciso também possuir um estilo de vida baseado na abdicação da virilidade. Rawet coloca o homossexual na sua constelação de proscritos – marginais, prostitutas, pobres e estrangeiros. Segundo o autor, é uma maneira de persistir sendo o outro. Nos textos autobiográficos de Herbert Daniel, ser gay e tornar-se gay ocorrem no âmbito da ficcionalização de si, como resistência ao ato inaugural de clausura da identidade. E Caio Fernando Abreu dedica-se a subverter os termos pelos quais as pessoas são reconhecidas como inteligíveis ao enfatizar a potência dos afetos contra a violência da identificação. A comparação entre os textos dos quatro autores revelou que cada um deles tenta responder à pergunta “O que é um homossexual?”. As respostas para essa interpelação, na verdade, questionam a própria validade desse tipo de questão, seja porque desde já ela anuncia uma identidade homossexual, seja porque ela não é eficaz para descrever sujeitos que possuem muito pouco ou nada em comum. Além disso, o recorte temporal desta tese, nos textos avaliados, demonstrou que a interpelação mencionada é sempre modulada de acordo com os padrões de masculinidades de cada época. Logo, a subjetivação mobilizada por meio da homossexualidade não está separada das formas de masculino e até mesmo são necessárias ou condicionadas a elas. This research deals with the reporting of biographical content, with an emphasis on literary text, and how it solves the question of subjectivity among subjects, and their identities. If, on one hand, subjectivity is applied on a prior level to the subject but, at the same time, they can cooperate with the process in order to make themselves an intelligible and able subject in the dialogue with each other, it is understood that the account in itself is a fictional and discursive strategy, in which subjects seek to acquire some agency about their subjectivities. The example used to illustrate the problem is the literary production of four male writers who, either by their biographies or literary work, have been involved with ways of identification related to homosexuality. In Tulio Carella’s journals men have sex with each other although that is not enough for us to consider them as gay; according to the text, one must have a lifestyle based on the abdication of virility to be considered homosexual. Samuel Rawet’s homosexual men resides in his constellation of outcast – prostitutes, poor people and foreigners. According to the author, being an outcast is a way to persist as the Other. In Herbert Daniel’s autobiographical writings, being or becoming gay may occur within the fictionalization of oneself as resistance to the identity. Caio Fernando Abreu’s prose is dedicated to subvert the terms by which people are recognized as intelligible to emphasize the power of affects against the violence of identification.The comparison of the texts of the four authors revealed that each of them tries to answer the question "What is a homosexual?". The answers to this interpellation, in reality, question the actual validity of such a question, be it due to it already announcing a homosexual identity, or because it is not effective at describing individuals who have little or nothing in common. In addition, the time frame of this thesis demonstrates that the interpellation mentioned is always modulated in accordance with the masculinity standards of the time. Therefore, the subjectivity mobilized through homosexuality is not separate from types of males, and are even necessary or conditioned to them.