PRODUZINDO UM PROGRAMA DE HISTÓRIA SEM MEDO DE SER INFELIZ (original) (raw)

Suponhamos que você tenha sido convidado a participar da construção do programa de ensino para a sua escola, para a rede do município ou do Estado, como poderá proceder? As alternativas são numerosas: pode preencher aquele formulário fornecido pelo professor de didática, nos tempos da graduação. Pode copiar objetivos publicados nos exercícios para o aluno e nas orientações contidas no manual do professor do livro didático de história. Outra possibilidade é encomendar esses objetivos a um professor que atua em cursos de licenciatura em história, geralmente um doutor em história. Pode também baixar os enunciados difundidos pelos portais da revista Nova Escola ou transcrever as orientações das apostilas de formação continuada, distribuídas pelos " sistemas de ensino ". Enfim, você pode lançar mão de todas essas alternativas e muitas outras, compará-las, adaptá-las às suas necessidades. Tudo isso é legitimo e lúcido, se você nunca tiver experimentado a produção de currículos e programas. Contudo, não deixará de enfrentar as mesmas dificuldades de quem elaborou os objetivos para o curso de didática, para o livro didático, a revista, o sistema apostilado e por aí vai. Todos esses seres corajosos e iluminados se depararam com as dificuldades que você sonha e muitas vezes insiste em querer evitar: a definição de finalidades da disciplina escolar, a ideia de conteúdo, a responsabilidade individual nas escolhas, a insegurança na indicação do que é principal e do que é assessório, compatível e incompatível em termos de habilidades, valores, conhecimentos e teoria do desenvolvimento humano. Identificação dos atores e respectivos interesses Vou te informar, agora, como eu e muitos colegas fizemos para nos desvencilhar desses medos e cumprir nossa função pública na elaboração da Base Nacional Curricular Comum-BNCC. Em primeiro lugar, elegemos os três principais protagonistas das políticas públicas educacionais: o Estado gestor, os professores e os eruditos pesquisadores da área. Se há uma chave para produzir objetivos educacionais realistas, o segredo é passar dias e até meses identificando os interesses e colhendo as sugestões desses atores em disputa. Os interesses do Estado (em sua instância executiva) são os mais claros, embora não de todo coerentes. Eles estão explicitados na legislação educacional, juntamente com as sugestões em termos de conteúdos ensináveis na formação escolar obrigatória (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Diretrizes para o Ensino Fundamental etc.). O interesse dos professores é mais difuso. O caráter conservador das suas práticas e as estratégias de sobrevivência, porém, facilitam a identificação de certa vulgata escolar. E se os milhões de professores não se encontram (e nunca se encontraram ao mesmo tempo) para explicitar os conteúdos que eles consideram os mais significativos, é o bastante revisitar a literatura educacional.