Habermas e a desobediência civil (original) (raw)

A desobediência civil

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL 1 "O melhor governo é o que governa menos 2 "-aceito entusiasticamente esta divisa e gostaria de vê-la posta em prática de modo mais rápido e sistemático. Uma vez alcançada, ela finalmente equivale a esta outra, em que também acredito: "0 melhor governo é o que absolutamente não governa", e quando os homens estiverem preparados para ele, será o tipo de governo que terão. Na melhor das hipóteses, o governo não é mais do que uma conveniência, embora a maior parte deles seja, normalmente, inconveniente-e, por vezes todos os governos o são. As objeções levantadas contra a existência de um exército permanente-e elas são muitas e fortes e merecem prevalecer-podem afinal ser levantadas também contra a existência de um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do governo permanente. O governo em si, que é apenas a maneira escolhida pelo povo para executar sua vontade, está igualmente sujeito ao abuso e à perversão antes que o povo possa agir por meio dele. Basta pensar na atual guerra mexicana 3 , obra de uns poucos indivíduos que usam o governo permanente como seu instrumento, pois, de início, o povo não teria consentido nesta medida. O que é este governo americano senão uma tradição, embora recente, que se empenha em passar inalterada à posteridade, mas que perde a cada instante algo de sua integridade? Não possui a vitalidade e a força de um único homem vivo, pois pode dobrar-se à vontade deste homem. É uma espécie de arma de brinquedo para o povo, mas nem por isso menos necessária, pois o povo precisa ter algum tipo de maquinaria complicada, e ouvir sua algazarra, para satisfazer sua idéia de governo. Assim, os governos demonstram até que ponto os homens podem ser enga-nados, ou enganar a si mesmos, para seu próprio benefício. Isto é excelente, devemos todos concordar. E no entanto, este governo, por si só, nunca apoiou qualquer empreendimento, a não ser pela rapidez com que lhe saiu do caminho. Ele não mantém o país livre. Ele não povoa o Oeste. Ele não educa. O caráter inerente ao povo americano é que fez tudo o que foi realizado, e teria feito ainda mais se o governo não houvesse às vezes se colocado em seu caminho. Pois o governo é uma conveniência pela qual os homens conseguem, de bom grado, deixar-se em paz uns aos outros, e, como já se disse, quanto mais conveniente ele for, tanto mais deixará em paz seus governados. Se não fossem feitos de borracha, o comércio e o tráfico em geral jamais conseguiriam superar os obstáculos que os legisladores continuamente colocam em seu caminho. E se tivéssemos que julgar estes homens inteiramente pelos efeitos de seus atos, e não, em parte, por suas intenções, eles mereceriam ser punidos tanto quanto aquelas pessoas nocivas que obstruem as ferrovias. Porém, para falar de modo prático e como um cidadão, ao contrário daqueles que chamam a si mesmos de antigovernistas, eu clamo não já por governo nenhum, mas imediatamente por um

Habermas e o positivismo jurídico

DoisPontos, 2020

uma das teses fundamentais de Habermas no que diz respeito à relação entre direito e moral é que o direito alivia três exigências que são feitas à moral, quais sejam, exigência cognitivas, motivacionais e organizacionais. Os defensores de uma relação forte entre direito e moral, como por exemplo Dworkin, sustentam que a moral deve ser chamada para resolver os casos difíceis do direito. Ora, Habermas parece afirmar justamente o contrário, a saber, que é o direito que é chamado a suprir um déficit cognitivo da moral. O texto explora as consequências dessa afirmação para a teoria discursiva do direito de Habermas, em relação a uma das teses fundamentais do positivismo jurídico, qual seja, a de que a moral não pode ser um fundamento para o direito justamente por causa de sua indeterminação cognitiva, razão pela qual os positivistas jurídicos afirmam o elemento de decisão última da autoridade do direito, sem que, para tal, o conteúdo seja o ponto determinante. O texto coteja o quanto a t...

Habermas e a ambiguidade do direito

Manual de Sociologia Jurídica, 2013

Jürgen Habermas nos apresenta uma teoria social abrangente que atribui um papel central às instituições e práticas jurídicas. As leituras mais usuais de sua obra a tratam meramente como uma "teoria do consenso", marcada por uma caracterização otimista e unilateral acerca das capacidades do direito conduzir a processos robustos de democratização. Veremos, entretanto, que tão importante quanto insistir nos potenciais democratizantes da livre busca do consenso, interessa ao autor investigar as possibilidades de instauração do dissenso sobre o solo das sociedades modernas, isto é, de práticas regulares e não coagidas de problematização, discordância e crítica acerca dos arranjos simbólicos e estruturais que nos cercam cotidianamente. Da mesma forma, veremos que o direito não será considerado pelo autor nem como um veículo unilateral de conquistas democráticas, nem como um simples instrumento de dominação políticoeconômica, mas como uma instância que se reproduz sob uma tensão constante entre imperativos sistêmicos e demandas provenientes da sociedade civil, na qual se manifestam de modo particularmente explícito os conflitos, as lutas e as patologias da modernidade tardia. E com isso podemos apreender já de saída a ambiguidade característica que confere ao fenômeno jurídico. Compreender a especificidade de sua teoria da modernização social e o papel cumprido pelo direito em seu interior são os objetivos principais deste capítulo. Para isso, ajuda-nos inicialmente uma rápida incursão em sua trajetória intelectual. Habermas nasce em 1929 na cidade alemã de Düsseldorf. Após uma formação profundamente interdiciplinar, que inclui estudos em filosofia, sociologia, história, psicologia, literatura e economia, Habermas passa a trabalhar em 1958 como assistente de Theodor Adorno no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt. E em 1964, torna-se professor de filosofia e sociologia da Universidade Johann-Wolfgang-von-Goethe, situada na mesma cidade,

Habermas, pragmatismo e direito

Kriterion: Revista de Filosofia, 2009

Jürgen Habermas conta-nos que fora influenciado pelo pragmatismo em três domínios de seu desenvolvimento intelectual: na epistemologia, na teoria social e na teoria política. Neste ensaio, gostaria de acrescentar mais um domínio do desenvolvimento intelectual de Habermas no qual igualmente se poderia supor a influência do pragmatismo: a filosofia do direito. A exposição será desenvolvida em duas partes. Na primeira, focalizarei especificamente as contribuições epistemológicas de Charles S. Peirce, pois é neste autor que Habermas foi buscar a base de sua teoria da racionalidade comunicativa. Na segunda, tecerei algumas considerações sobre as influências de Peirce na teoria discursivo-procedimental do direito de Habermas e apresentarei a proposta de Karl-Otto Apel como contraponto heurístico. O tema a ser explorado é a possibilidade de se enquadrar a filosofia do direito de Habermas na tradição do pragmatismo que descende de Peirce. Certamente, a defesa de uma perspectiva filosófica realista no plano da validade normativa coloca o quadro teórico de ambos em linha de continuidade e, ao mesmo tempo, em contraposição às propostas pragmatistas recentes na epistemologia e no direito.

Habermas e a tentativa procedimental de superação da discricionariedade judicial

Partindo de uma breve abordagem do lugar de fala do pensamento habermasiano dentro do processo evolutivo das tradições jusnaturalistas e juspositivistas, o presente artigo busca analisar as possíveis contribuições da teoria do direito de Jürgen Habermas para a limitação da discricionariedade judicial. A relação entre legitimidade política e

Habermas e a metodologia jurídica

Apresenta a evolução do pensamento habermasiano sobre a metodologia do direito. Inicia com considerações sobre a obra “Theorie des kommunikativen Handelns” e conclui com comentário sobre a relação direito e moral na obra “Faktizität und geltung” e a proposta de reconstrução da metodologia do direito.

Habermas, estado de direito e polìtica do reconhecimento

Logeion: Filosofia da Informação

Em 1993, Habermas publica o texto Struggles of Recognition in the democratic Constitutional State na coletânea Multiculturalism: Examining the Politics of Recognition, organizado por Gutman. Em 1996, esse mesmo texto é publicado como capítulo no livro A inclusão do outro. Este texto de alguma forma é uma resposta de Habermas à posição de Charles Taylor a 49 liberais contemporâneas. Taylor sustenta que o liberalismo clássico é