PARCERIAS TRI-SETORIAIS E ESFERA PÚBLICA: IMPLICAÇÕES, IMPASSES E PERSPECTIVAS ACERCA DA PROVISÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS EM TRÊS EXPERIÊNCIAS DA REDE AVINA NO BRASIL (original) (raw)
O presente trabalho tem como objetivo analisar as interações colaborativas que se estabelecem entre governos, organizações da sociedade civil (OSCs) e empresas no desenvolvimento de projetos sociais, problematizando seus desdobramentos sobre a esfera pública através da construção de políticas e projetos sociais no cenário brasileiro. A gestão de políticas públicas e projetos sociais passou por transformações e incorporou o discurso da construção de parcerias como um elemento central e essencial para sua efetivação, tendo as organizações da sociedade civil e, mais recentemente, também as empresas, papel relevante nessa dinâmica. Paralelamente às discussões sobre as condições para a concretização de políticas e projetos sociais mais efetivos e eficientes, governos, empresas e OSCs têm sido levados a repensar e reordenar seus papéis na sociedade contemporânea. A ampliação das demandas quanto à cidadania, a crise de legitimidade das instituições políticas tradicionais, novas relações entre as esferas do mercado e da sociedade e a noção de risco e urgência no equacionamento de problemas sociais são alguns dos fatores que estão por detrás de transformações nas esferas do Estado, da sociedade civil e do mercado que levariam à construção de parcerias nas políticas sociais. Interações entre governos, organizações da sociedade civil e empresas adquiriram lugar de destaque nas discussões acadêmicas e na formulação de agendas de políticas sociais a partir das últimas décadas. No passado, as dinâmicas de relacionamento entre governos, movimentos sociais e corporações caracterizaram-se pela dominância de uma lógica de embate, conflito, controle recíproco e busca de responsabilização pelos problemas sociais. Nas últimas décadas, assiste-se a uma proliferação de diferentes formas de articulação entre esses atores, muitas delas balizadas por tentativas de construção de políticas, programas e projetos sociais sob diferentes graus e formas de colaboração. Tais iniciativas recebem diferentes denominações, quer seja nos estudos acadêmicos, quer seja nas iniciativas de intervenção social, configurando uma verdadeira polissemia, na qual se inscrevem variadas formas de articulação colaborativa, ora denominadas de parceria, ora de aliança, coalizão, cooperação, intersetorialidade, complementaridade, contratação e terceirização, dentre outras. Para fins desse estudo será adotada a terminologia Parcerias Tri-Setoriais, por envolverem atores dos seguintes setores: Primeiro (Estado), Segundo (Mercado) e Terceiro (organizações não-governamentais e uma série de outros tipos de instituições da sociedade civil), conforme será melhor justificado mais à frente. Essas perspectivas de ação, baseadas em maior ou menor grau de colaboração entre governos, organizações da sociedade civil e empresas, na maioria das vezes são entendidas por muitos dos responsáveis pela implementação de programas e projetos sociais como desejáveis e claro sinal de uma construção mais avançada, plural e democrática das lutas pela melhoria da provisão de políticas sociais e ampliação da cidadania. Ao mesmo tempo, tanto a literatura acadêmica, quanto a mídia e a visão de senso comum, levantam dúvidas e questionamentos sobre a natureza desses processos de colaboração entre os três setores. Permanecem indagações acerca de seus desdobramentos efetivos sobre os programas e projetos sociais, quer seja sob o ponto de vista da capacidade concreta de equacionar e superar problemas gerenciais e sociopolíticos que marcam a trajetória da provisão de políticas sociais, quer seja quanto à construção de uma esfera pública mais participativa, democrática e voltada à ampliação da cidadania, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil. Além disso, uma indagação de maior envergadura insere-se nesses fenômenos: compreender as implicações dessas parcerias sobre as interações entre as esferas pública, do Estado e do mercado nas sociedades contemporâneas. Em realidades como a brasileira, marcadas por intrincados entrelaçamentos entre o público e o privado, que resultaram em uma construção incompleta e precária da cidadania, no acesso desigual aos direitos, sobretudo os sociais, e em capacidades econômicas e políticas muito diferenciadas entre atores sociais, esses questionamentos assumem maior relevância, urgência e complexidade. A presente investigação analisa a construção de Parcerias Tri-Setoriais em três experiências vinculadas à Fundação AVINA no Brasil. As realidades analisadas englobam diferentes agendas e serviços associados às políticas sociais (educação, pobreza, meio ambiente e infância e adolescência), variadas formas de articulação e construção de parcerias, bem como se caracterizam pela participação de variados tipos de organizações do governo e da sociedade civil, além da presença de empresas de vários setores econômicos. Em comum, têm a presença de atores dos três setores. Todas essas características denotam um mosaico interessante da construção de parcerias nas políticas sociais e permitem a compreensão dos desafios, perspectivas, armadilhas e impasses quando atores governamentais, da sociedade civil organizada e do mercado decidem atuar em conjunto. O entendimento das interações entre governos, organizações da sociedade civil e empresas acerca de temas sociais pode descortinar os caminhos que as políticas, programas e projetos sociais têm trilhado na ampliação da provisão de serviços sociais e da cidadania no país, bem como suas implicações para a esfera pública. Para tanto, cabe compreender por que e como se dão as ações de cooperação ou não entre atores governamentais, do mercado e da sociedade civil organizada, quais são as frentes e formas de trabalho que aglutinam atores e interesses e quais seus desdobramentos sobre a ampliação da esfera pública, o acesso a direitos sociais e a construção participativa da oferta de políticas sociais em países de desenvolvimento tardio como o Brasil. Este documento está estruturado em várias seções, que se iniciam com uma discussão da emergência das Parcerias Tri-Setoriais e os desafios de sua problematização como fenômeno social complexo (parte 1.1 Parcerias Tri-Setoriais como problema de investigação: em busca da complexidade). Na parte seguinte, são discutidos elementos centrais para a construção de um quadro compreensivo sobre as Parcerias Tri-Setoriais. Em seguida, analisa-se as tendências recentes que têm operado no âmbito do Estado na provisão de políticas sociais, em direção às interações com organizações da sociedade civil (analisadas no capítulo seguinte) e empresas (discutidas na parte final dessas discussões teóricas). Como partes finais do documento, encontram-se os procedimentos metodológicos implementados na análise dos casos e a discussão das experiências analisadas.