" SIM! SOU CRIANÇA EU! " . DINÂMICAS DE SOCIALIZAÇÃO E UNIVERSOS INFANTIS EM UMA COMUNIDADE MOÇAMBICANA (original) (raw)
A partir das últimas décadas, os estudos em torno da concepção da infância e com crianças e seus modos de vida têm crescido progressivamente, embora sua produção ainda seja insuficiente. Pesquisadores e estudiosos da infância buscam compreender os modos de ser criança através do cotidiano e contextos específicos das culturas e sociedades as quais pertencem, colocando-a como protagonista de sua história e buscando a desuniversalização do termo infância, que acarreta numa imagem de criança normativa ou fora da regra. As crianças africanas, por sua vez, são postas como “fora do lugar” por não seguirem os padrões e normas das crianças europeias e norte-americanas: vão de casa para a escola (quando vão para a escola), de lá para alguma outra atividade e responsabilidade: cuidam dos irmãos, ajudam em casa ou na geração de renda, entre outros. Através do quadro apresentado em experiência anterior em uma comunidade periférica próxima a capital de Moçambique, algumas indagações iniciais foram levantadas e posteriormente formuladas, trazendo para a questão o que é o ser criança em uma comunidade moçambicana. O objetivo traçado foi de conhecer e compreender as formas e dinâmicas de socialização infantis neste território. Entendeu-se que para tal era necessário uma pesquisa em que a realidade se mostrasse presente, e a opção foi pela etnografia, cuja pesquisa de campo foi realizada num bairro da Cidade da Matola durante um período de 5 meses. Foram escolhidas 5 crianças para participarem da pesquisa, cujo tempo de convivência foi de aproximadamente 20 dias com cada uma, participando de suas rotinas e atividades domésticas, comunitárias e escolares. Ao estar dentro de suas casas e em seus espaços de pertencimento, pode-se observar que a criança, neste entorno, pertence à família e à comunidade, criando laços e desenvolvimento afetivo entre pessoas de diferentes gerações e de seu convívio, e responsabilidades que culminam em sua formação. As crianças possuem tarefas e responsabilidades que lhe são atribuídas pautadas na divisão social do trabalho. Entre uma atividade e outra, via-se que o brincar e o lúdico sempre estavam presentes, fosse na casa, na rua ou na escola. O lúdico e o riso permeiam o imaginário e os mundos infantis, produzindo formas de ser, estar e atuar no mundo ao qual partilham e pertencem. A escola, outro local de pertencimento da criança e de convívio diário, foi um espaço bastante frequentado e discutido. Tais situações e momentos partilhados são trazidos em forma de narrativas, compreendendo que tal forma de escrita possibilitam a reconstrução e descrição dos momentos vivenciados e suas reflexões. Compreende-se que há uma necessidade de estudos em que se possam desconstruir os modos como as infâncias são impostas e propiciar rupturas em sua universalização, entendendo que não há uma única infância, a partir de um contexto específico, pautado pelo tempo-espaço em que vivem, buscando o direito das crianças de vir a ser e de serem protagonistas dos mundos aos quais partilham e pertencem. Tal estudo visa também contribuir para as pesquisas sobre as infâncias e sociedades africanas.