O jornalismo e a construção do real: notas para uma abordagem sociofenomenológica da teoria da notícia (original) (raw)

Habilitation Lecture - Lição de Agregação Uma questão que recorrentemente percorre a Teoria da Notícia remete para a relação entre um universo social em contínua mudança e o modo como o jornalismo e os jornalistas instauram uma ordem significativa sobre esse universo. A pergunta que se coloca é: como que o campo jornalístico e os seus profissionais inscrevem a multiplicidade de eventos e ocorrências verificáveis neste processo de constante mutação, num universo ordenado de significação? Dito de outra forma, tendo em conta que o jornalismo lida com o imprevisto como critério de noticiabilidade pelo que o acontecimento é, por definição, tanto mais digno de relato quanto mais elevada é a sua imprevisibilidade, como é que o os jornalistas instauram ordem e significado num universo em constante mudança, em que a circunstância da emergência do que é novo, contingente e aleatório, é uma possibilidade omnipresente? A pergunta remete, em última instância, para um problema determinante: como é que o jornalismo constrói a realidade social? Não sendo possível esgotar o tema, a resposta procurada nesta lição passa em grande parte por definir, à luz de contributos de inspiração sociofenomenológica, como a realidade social é construída e como a comunicação intervém na construção dessa realidade, tentando identificar quais os esquemas cognitivos, nomeadamente as rotinas, categorias e tipificações que permitem organizar a experiência de uma realidade plural, diversificada e em constante mutação. Começa-se, assim, por apresentar uma visão genérica das teorias jornalísticas que reflectem a noção de «construção da realidade». Segue-se uma revisão de conceitos sociofenomenológicos, seguida da sua aplicação ao campo jornalístico. Reconhece-se, deste modo, na Fenomenologia Social, tal como foi elaborada, em especial pelo pensador austríaco Alfred Schutz, e, posteriormente, por Peter Berger e Thomas Luckman, um conjunto de que nos ajudam a analisar os processos de construção social da realidade: destacam-se, pois, os conceitos de “tipificação”, “atitude natural”, “senso comum”, “enquadramento” e “conhecimento social”. Adicionalmente, dá-se relevo a alguns desenvolvimentos traçados pela Etnometodologia que se articulam directamente com o conceito de «atitude natural», como sejam os de «reflexividade» e «indexicalidade» Simultaneamente, admite-se a hipótese de esta abordagem solicitar um refinamento que passa por um diálogo com as tradições da crítica ideológica que explicitamente fizeram referência ao campo jornalístico como sejam as desenvolvidas por Stuart Hall (1982; 1993, 2004), Chibnall (2001) e Steve Hackett (1993) nos chamados estudos culturais e, ainda, por Teun van Dijk (1984, 2005) na Análise Crítica do Discurso. Neste plano reconhece-se que existem algumas investigações directamente inspiradas pela Fenomenologia Social que possibilitam encontrar tal refinamento crítico e que autorizam a realização de um diálogo produtivo em torno do conceito de “ideologia”. Finalmente, assinala-se o modo como o relato jornalístico vive numa espécie de «fio da navalha», uma ambiguidade constitutiva entre o velho e o novo, entre a regularidade e a diferença, entre o estabelecimento da ordem e eminência do acontecimento.