Aby Warburg no país das maravilhas: leitura de uma tela-poema de Max Ernst (original) (raw)

Esta comunicação propõe uma leitura warburguiana de um poema surrealista de Max Ernst. O desafio de empregar elementos da pragmática desenvolvida por Aby Warburg (1866-1929) à abordagem de textos literários se respalda na afinidade entre os objetos estudados pelo historiador da arte alemão e materiais literários unidos por hipervínculos – mito, teatro, pintura, música, filosofia – em articulações interartísticas, intermidiais e transculturais. Graças a correlações de alguma forma inusitadas, é possível abordar comparativamente também valiosos mecanismos críticos que Warburg herdou de pensadores notáveis de sua geração e legou a seus seguidores declarados ou não. Tomamos como demonstrativo do emprego eficaz de critérios de análise warburguianos, na abordagem literária, a narrativa muda que explode numa tela de Max Ernst, exposta entre quatro outras, em 1958, em Paris. Os cinco títulos das telas integram o texto em prosa Poème d’Alice, do próprio pintor. A exposição e o catálogo que lhe corresponde se intitulam Cinq poèmes. Percebe-se de imediato que, em Ernst, a usual implicação texto-imagem se inverte: é a imagem que gera os títulos das telas, e estes, o poema, que por sua vez leva à fonte: Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll. Não nos propormos a levantar empréstimos, apropriações ou quaisquer outros elementos de análise ponto a ponto, mas sim evidenciar as ressonâncias de Carroll, na tela que é o verso central do poema e da exposição. O onirismo, os espaços aleatórios, o transbordamento de limites convencionais, o desejo e o medo são elementos que transitam entre o ficcionista e o pintor-poeta, transportados pela figura emblemática de Alice, pela metamorfose da borboleta e por padrões virtuais de produção de presença (Gumbrecht: 2010). Processo semelhante se verifica num poema de Oswald de Andrade, com o qual se encerrará esta comunicação.