Godard: o cinema é nós mesmo(s) (original) (raw)

Sou professor de teoria(s) da imagem no Curso de Graduação em Cinema e no Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina, e também (como professor colaborador) no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4963597583878266 Si se pudiera decir: yo vieron subir la luna, o: nos me duele el fondo de los ojos, y sobre todo así: tú la mujer rubia eran las nubes que siguen corriendo delante de mis tus sus nuestros vuestros sus rostros. Qué diablos. Cortázar (Las babas del diabo) Todas as mulheres das telas de Manet parecem dizer a Godard: "je sais à quoi tu penses" (IIIa 48). 1 No rosto de Olympia isso fica muito evidente. Godard poderia ter se restringido a ela, mas não: ele diz todas. Não seria viável verificá-lo, é claro, mas não seixa de ser um exercício delicioso. A garnçonete do Folies-Bergère, por exemplo. Ela não nos olha diretamente nos olhos, seu olhar fica um pouco abaixo, vago. Tenho minhas dúvidas se ela está olhando nos olhos do homem a sua frente, de bigode e cartola, que vemos apenas no reflexo improvável atrás dela. Aquele ou aquela que o olhar encontraria não está ali, ela já sabe; não está mais, ou nunca esteve. Seu olhar vago e desolado acontece, certamente, após um leve suspiro de desânimo. É a própria melancolia que ali se instala. A jovem parece saber que olhamos para ela e já nem liga mais se sentimos pena dela ou não; já superou o estágio de se importar com nossa piedade. Mas sabe o que estamos pensando, embora não ligue pra nós. A tela realmente ajuda a inventar o cinema, mais especificamente o cinema de alta definição. Há ali vários cortes, vários planos de detalhe muito nítidos, reunidos naquela geometria ótica impossível. Sincronicamente, há toda uma sequência em que a câmera nos faz passear pelas sensações do Folies Bergère; não supostas sensações objetivas, coletivas, comunicativas, que provavelmente o cinema aqui antecipado sabe não existirem: falo de sensações que nos atingem no momento em que forjam a 1 Godard, Jean-Luc. Histoire(s) du cinéma, v. IIIa. Paris: Gallimard-Gaumont, 1998, p. 48-55. As referências seguintes a essa obra de Godard virão apenas com a indicação do volume (em romanos) e das páginas entre parênteses.