Uma breve história do esquecimento na Idade Média: ensaio de historicidade memorial [Versão Provisória de ensaio apresentado no VII Encontro Internacional do LATHIMM; a ser publicado em: ALVES, G. et HOFFMANN, R., "Memória: questões historiográficas e metodológicas"] (original) (raw)
Atualmente, impulsionados pela elaboração da primeira versão da Base Nacional Comum Curricular que pretendia estabelecer diretrizes universais para o ensino de História em todo o país, os estudos sobre a Antiguidade e a Idade Média se viram, juntamente com outras áreas do conhecimento sobre o passado (como, por exemplo, a história indígena da América pré-colonial) virtualmente excluídos dos conteúdos escolares. Uma vez que os debates entre os profissionais da área foram, muitas vezes, segmentados, o presente ensaio pretendeu expor uma questão de suma importância, mas que ainda não recebeu a devida atenção: a historicidade de nossa noção atual de memória. Tentei aqui traçar não a totalidade de vertentes que alimentam o sentido do termo “memória” em nossos dias, mas apenas demonstrar, a partir de realidades empíricas, como o uso político atual de certo vocabulário – Aletheia e a expressão “verba volant, scripta manent” – associado à memória é tributário de uma longuíssima tradição ocidental que encontra na Idade Média, e em especial no século XII, um ponto de inflexão decisivo na transformação do sentido divino (oriundo do mundo helênico) atribuído à lembrança e ao esquecimento em um significado jurídico. Foi, paradoxalmente, o período medieval, tão conhecido pela dominação de um suposto obscurantismo religioso monolítico, que possibilitou a criação de uma noção gradativamente secularizada de memória. Nesse sentido a Idade Média oferece ao historiador aquilo que deve ser o seu pão cotidiano: o estudo da mudança ao longo do tempo, e mais precisamente no que nos interessa aqui, uma história de nossa própria noção de memória. É nesse confronto com a alteridade, seja ela em relação à nossa história nacional ou à história vinda de horizontes mais ou menos longínquos, que o historiador encontra sua razão de existir e seu exercício de cidadania.