RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL DE TRABALHADORES OFF-SHORE: DIÁLOGOS ENTRE AS CIÊNCIAS DA SAÚDE E DA RELIGIÃO (original) (raw)

Essa pesquisa aborda a relação entre religião, sofrimento e trabalho, constituindo uma interface entre ciências da saúde e ciências da religião. Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI o ramo do petróleo tem atraído muitas pessoas para trabalharem em plataformas marítimas nas mais distintas funções. Esse trabalho, em geral, é organizado por escalas de 15 dias ou mais, realizado em confinamento, longe de familiares e amigos. A jornada de trabalho é de 12 horas em média, cumprida no período noturno durante sete dias e diurno nos demais, dentro dos sistemas sociotécnicos complexos e perigosos eivados de riscos químicos, físicos, biológicos e de acidentes. A adaptação a essa forma de trabalho, portanto, é muitas vezes dura, mesmo que as remunerações sejam recompensadoras. Nesses ambientes de confinamento, alto risco, jornada intensa e condições de trabalho penosas, muitos trabalhadores recorrem à religião, de forma que organizam encontros para realização de cultos e vivências religiosas, independente de doutrina, denominação ou tradição. O objetivo dessa pesquisa então é analisar as vivências e expressões da religião em trabalhadores nesses regimes de confinamento e sua relação com o sofrimento e a saúde mental. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada no cenário da Bacia de Campos-RJ, que produz 80% do petróleo nacional. Foram realizadas entrevistas individuais e grupos focais com trabalhadores de plataforma marítima, com mais de dez anos de experiência e que promovem cultos durante o período de embarque. Os resultados preliminares permitem elucidar o quanto a religião nesses espaços de trabalho é uma saída encontrada pelos trabalhadores para produzir sentido e obter suporte para as situações de sofrimento que enfrentam, tal qual a saudade dos familiares e amigos, preocupações, angústias, medos e ansiedades. Muitos trabalhadores reafirmam sua identidade religiosa nesse processo, o que acaba protegendo o trabalhador de uma descompensação psiquiátrica, na medida em que contribui para a saúde mental. Assim, em última instância, a vivência da religião “em alto mar” pode servir de apoio para que se efetive o rendimento esperado pela empresa, servindo mais como uma estratégia de sobrevivência dos trabalhadores – “o suspiro dos embarcados” – em meio às suas precárias condições.