História e devastação em Heidegger (excerto)- Wagner Félix.pdf (original) (raw)
Este texto oferece uma reflexão sobre a concepção da questão da técnica ou da maquinação na década de 1930 por Heidegger as mudanças por quais a colocação desta questão passou no período da Segunda Guerra Mundial. Argumentamos que a questão da técnica, inicialmente, ainda não significa a espécie de mobilização do espírito, da destinação historial de um povo, como nós, retroativamente, interpretamos a questão, o que revelaria que sua dignidade estaria muito além da mera crítica aos objetos da tecnologia. Ainda que a maquinação esteja desde o início vinculada aos mecanismos da subjetividade moderna e à necessidade de sua superação, Heidegger, nessa época, antecipa a possibilidade de um outro começo para o pensamento que não apenas exige, mas que também se julga capaz de produzir uma nova possibilidade para o homem. Os "Cadernos Negros" dão o testemunho de uma tensão no pensamento de Heidegger que se estende por longos anos, e não podemos pretender encontrar um ponto de inflexão cronologicamente determinado para as mudanças que encontramos na expressão de suas questões. Acreditamos, porém, que a questão da técnica só emerge de fato na maneira como a conhecemos – e que pudesse efetivamente permitir a apreensão crítica do nacional-socialismo – mais tarde, ao menos não antes dos últimos anos da guerra, e sua formulação dependerá não somente da mera revisão da abrangência da técnica moderna, que passaria a incluir a experiência do nacional-socialismo, o qual antes Heidegger acreditava apontar a direção do passo para além do esquecimento da verdade do Ser. Essa transformação dependerá de um autêntico abandono da crença na possibilidade mesma de que um projeto filosófico possa vir a decidir sobre seu próprio legado e preparar, antecipar ou pressentir um novo começo. As correntes subterrâneas mais ou menos explícitas que movem essas transformações, e vem a tornar a questão da técnica a mais proeminente para Heidegger após a guerra, são eminentemente complexas, e exigem a proposição de uma interpretação rigorosa do estado do projeto de Ser e Tempo. Momentaneamente propomos, para sustentar nossa tese, observar a reflexão melancólica que Heidegger compõe nos "Feldweg-Gespräche", particularmente o último deles, intitulado "Conversa noturna em um campo de prisioneiros de guerra na Rússia entre um mais jovem e um mais velho".