A ONTOLOGIA (original) (raw)
A ontologia, embora disponha de um sistema de conceitos rico e coerente, permanece, no fundo, cega e falsa a respeito de seu intento mais próprio, se não esclarecer em primeiro lugar, suficientemente, o sentido do ser e se não conceber esse esclarecimento como sua tarefa fundamental (HEIDEGGER, M. Ser e tempo, § 3). A ontologia é a questão do ser! Sua tarefa consiste no esclarecimento do ser. Vamos, pois, à questão do ser! Vamos procurá-lo! Vamos nos achegar à sua presença clara e distinta junto a nós, antes, durante e depois de todos os projetos em que o vivemos. Há o ser! Sua discreta e impetuosa presença nos cerca de todos os lados. Está aqui na cotidianidade, consubstanciado no mundo que vivemos, mais próximo a nós que o ar do pulmão, que o sangue do coração. O que temos nós com o ser? Torna-se claro, nesta pergunta, que nós somos a questão do ser. Somos nós quem perguntamos, somos nós quem procuramos. A partir dessa questão compreendemos que a existência humana procura o ser, como o caminho procura a paisagem, e a lei, a justiça. A existência humana, em todos os seus aspectos, humildes e elevados, certos e errados, está na questão do ser. Sentimos no mais íntimo de nós que somos tocados para a busca. Partimos então para a existência no mundo, buscamos cá fora orientados a partir de dentro. Santo Agostinho formulou o método da questão do ser neste aforismo: Não vás para fora; volta a ti; no interior do homem habita a verdade: a necessidade da busca! (De vera religione, 39, 72). Santo Agostinho não propõe um método subjetivo em oposição ao objetivo. A questão do ser é prévia ao esquema subjetivo-e-objetivo. O voltar-se para o interior não significa ir para dentro em oposição ao vir para fora. A questão do ser é prévia ao esquema dentro-e-fora. Prévia a todos os esquemas, como o surgir da aurora é prévio a todas as modalidades de dia que ela venha a tomar. A questão do ser é a experiência interior e irrecusável da necessidade da busca. Já desde o primeiro instante estamos na vontade de alguma coisa. A existência humana resume-se na busca. Ela se perde buscando. O que mais aparece no imediato da busca é o mundo: a multiforme realidade do cotidiano, estabelecida deste ou daquele modo; sacra e profana, boa e má, útil e inútil, verdadeira e falsa, amiga e inimiga, bela e feia, natural e artificial, masculina e feminina, jovem e velha. Se a árvore, as flores e os frutos são o ser que a semente busca, é o mundo o ser da nossa busca? Sim e não! Sim, porque, como escada de Jacó, o mundo é constituído pela busca. Mas há no mundo o que importa mais que o mundo: o ser do mundo! O mundo fala do ser, como a veste fala do corpo e o corpo fala da vida. O mundo é a aparência