Poder ver, poder saber. A fotografia nos meandros do colonialismo e pós-colonialismo (original) (raw)

Rute Vieira, "O império da visão. Fotografia no contexto colonial português (1860-1960)", Finisterra [online], 2014, n. 97, pp.158-160

Finisterra, 2014

Nos dias 26 e 27 de setembro de 2013, decorreu no Instituto de Ciências Sociais (ICS), um colóquio sobre "O império da Visão: fotografia no contexto colonial português (1860 1960)". O colóquio foi organizado pela investigadora desse instituto, Filipa Lowndes Vicente, e pretendeu reunir a diversidade de olhares que, nos anos recentes, se têm vindo a produzir na academia, sobre este período da história da cultura visual portuguesa. O colóquio foi aberto por Filipa Lowndes Vicente que apresentou o trabalho que a sua equipa de investigação tem levado a cabo no âmbito da fotografia no contexto colonial português entre 1860 1960, através do seu projecto de investigação no ICS, Goa em Exposição: Exposições, Imagens e Identidades (1850-1950), sobre a produção de conhecimento em contexto colonial, numa perspectiva histórica, mas igualmente antropológica, cultural e visual.

“A fotografia na obra de Mendes Correia (1888-1960): Modos de representar, diferenciar e classificar da ‘antropologia colonial’”, 2014, In F. Lowndes Vicente (org.), O Império da Visão: Fotografia no contexto colonial português (1860-1960). Lisboa: Edições 70. P. 45-66.

O Império da Visão: Fotografia no contexto colonial português (1860-1960) , 2014

No presente capítulo irei explorar o papel que a fotografia teve enquanto elemento de documentação de trabalhos de teor antropológico e, por vezes, como instrumento auxiliar de algumas práticas antropológicas da primeira metade do século XX. A partir da obra de Mendes Correia, antropólogo e arqueólogo, formado em medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e mentor da Escola de Antropologia do Porto, analisarei o modo como a fotografia foi utilizada em artigos científicos que se debruçavam sobre o império e como foram retratados alguns indivíduos que se encontravam sob a administração colonial portuguesa. Mostrarei como a fotografia foi sempre solicitada no âmbito das suas pesquisas e esteve presente nos vários contextos de trabalho em que se envolveu: nas sessões da SPAE; nas aulas práticas da cadeira de Antropologia da FCUP; no âmbito dos estudos de antropologia criminal; no CEEP; nas missões antropológicas e em duas das suas obras principais – Timor Português (1944a) e Raças de Império (1943). No caso deste segundo livro analisarei a obra, em geral, e as fotografias que dele fazem parte, sobretudo as que se referem ao âmbito colonial, em particular. Como veremos no final, as fotografias relacionadas com a obra de Mendes Correia eram tomadas à partida como relevantes, uma vez que ilustrariam o “real”, tomado amiúde como estando a desaparecer. As fotografias captariam o “real” e registá-lo-iam para conhecimento futuro. Tal procedimento, baseado no já referido princípio de que “to see is to know”, virá contudo a denunciar as limitações de algumas práticas antropológicas e, por outro lado, a expor as indeterminações e as dificuldades suscitadas no contexto do colonialismo português.

Notas da superfície da imagem: fotografia, pós-colonialismo e modernismo vernacular

GIS - Gesto, Imagem e Som - Revista de Antropologia

Christipher Pinney apresenta uma discussão sobre como tradições fotográficas locais respondem às demandas visuais da fotografia colonial. Enquanto os esquemas coloniais tentavam fixar identidades colonizadas dentro de certezas cronotrópicas, a fotografia pós-colonial procura negar isso colocando seus referentes na superfície. As identidade, nesse caso, são móveis. O autor começa com a perspectiva cartesiana da fotografia europeia, na qual o "mundo era uma pintura", refletindo sobre sua certeza temporal, espacial e racionalidade. O homem era separado da natureza e, portanto, possuía um olhar panóptico, divino, observador do mundo. Contra isto, Pinney descreve as "estratégias de superfície", perspectivas barrocas que emergem no contexto pós-colonial como, por exemplo, na fotografia indiana realizada em um estúdio fotográfico onde a utilização de uma miríade variada de cenários, reflete uma relutância em fixar corpos no tempo e no espaço evidenciando a mutabilidade ...

O Império da Visão: Fotografia no Contexto Colonial Português (1860-1960). Lisboa: Edições 70, 2014

Edições 70, 2014

Entre 1860 e 1960, a fotografia foi o principal modo de tornar o mundo visível. A hegemonia da fotografia foi contemporânea das formações modernas dos impérios europeus. Uma coincidência temporal que se reflectiu na estreita relação entre fotografia e colonialismo. As potencialidades de reprodução fotográfica multiplicaram os seus usos no espaço público: em exposições, folhetos e postais, ilustrações de jornais e de livros. Mas também no espaço privado e individual. Os arquivos coloniais do presente, sejam eles institucionais ou pessoais, são lugares instáveis, de memórias vividas e contraditórias. A fotografia não foi uma mera ilustração das colónias. A fotografia criou experiências coloniais. Os estudos recentes sobre colonialismo reconhecem como, ao lado da documentação escrita, as imagens são determinantes para se compreenderem e estudarem os impérios. Nas histórias entrelaçadas entre o império e a visão que se contam neste livro, destacam-se alguns temas: a fotografia como um instrumento inseparável dos vários saberes científicos que usaram as colónias como laboratório, da história natural à antropologia ou à medicina; a fotografia como afirmação do poder – como prova de posse, nas explorações territoriais africanas de finais do século XIX, ou como prova de violência, durante as guerras coloniais; a fotografia apropriada pelos sujeitos colonizados, como também por europeus anti-colonialistas, enquanto forma de resistência, no forjar de identidades nacionais ou, hoje, em práticas artísticas contemporâneas que reflectem sobre o passado; e a fotografia nas suas viagens num espaço globalizado, entre a sua produção, circulação e recepção em múltiplos contextos. Com a participação de trinta investigadores de diversas áreas e com diferentes abordagens e a introdução de James R. Ryan, especialista em fotografia no Império britânico, este livro coloca a experiência portuguesa no âmbito dos debates internacionais, ao mesmo tempo que constitui um contributo pioneiro para o estudo da fotografia em contexto colonial português.

Fotografia e Dominação: para uma história visual do colonialismo alemão (1884-1918)

Revista de História

A Sociedade Colonial Alemã esteve à frente do projeto de representação fotográfica da colonização alemã no continente africano entre 1884 e 1918. O aparato fotográfico foi um importante instrumento para a colonização não só pelo registro das atividades de europeus nas colônias, mas também porque foi um suporte privilegiado para a elaboração de um imaginário sobre a colonização. A partir do arquivo digital da Sociedade Colonial Alemã, buscamos compreender neste artigo o modo pelo qual o olhar fotográfico de tal instituição focalizou a paisagem colonial, fosse ela o espaço geográfico, fosse o espaço já com a interferência dos colonizadores. Além disso, buscamos também entender como tais fotografias foram responsáveis por construir uma narrativa sobre a colonização do espaço africano pelos alemães.

Possibilidades para descolonização de fotografias coloniais: reflexão a partir de livros fotográficos

Imagens&Arquivos. Fotografias e Filmes, 2021

Neste artigo apresento algumas reflexões sobre as produções da visualidades fotográficas coloniais e as possibilidades de sua descolonização a partir da leitura que faço de três livros produzidos no século XIX, The Pencil of Nature (1844) de Henri Fox Talbot, De Égypte, Nubie, Palestine et Syrie (1852) Maxime Du Camp, Basse Egypte (década de 1870) de J. Pascoal Sébah e do livro ¿História Natural? (2016) da artista Rosana Paulino. Para compreender os processos simbólicos de colonização e descolonização por meio de fotografias, mobilizo, principalmente, os conceitos de visualidade de Nicholas Mirzoeff, imagem resolutiva de Antônio Bispo dos Santos e os estudos desenvolvidos por Ariella Aïsha Azoulay sobre os arquivos e os processos de iconização.