A expansão (sub)urbana no Porto romântico. O caso da freguesia do Bonfim. (original) (raw)
A partir de meados do século XIX, a liberal cidade do Porto assistiu à chegada em massa de população principalmente nortenha que fugia aos enormes problemas da ruralidade portuguesa de então, onde a fome e a pobreza grassavam. Em menos de metade de um século, os censos de 1864 e 1890 mostram que a população da cidade aumentou desmesuradamente, vendo-se esta obrigada a resolver um profundo problema de habitação. Devido a este excesso de oferta de mão-de-obra, os salários eram necessariamente baixos num período de inflação severa, pelo que a solução residencial para esta população passou, acima de tudo, pela construção de ilhas: longas filas de casas minúsculas, sem água potável, nem ventilação cruzada, que eram construídas, lado a lado, nas traseiras dos longos lotes burgueses. Estes haviam sido desenhados, na sua larga maioria, na primeira metade do século XIX mas foram apenas ocupados de forma intensa na segunda metade do século, devido a um turbulento arranque de XIX, com as invasões francesas, as epidemias de cólera e o Cerco do Porto. Ao mesmo tempo, fugindo às ameaças epidemiológicas e resguardando-se de uma população subnutrida e imbuída de " perigosas " ideias socialistas, a classe mais abastada refugiava-se em palacetes urbanos construídos nas vias Setecentistas de origem Almadina ou nas novas urbanizações que se desenvolviam na periferia da cidade ou nas velhas quintas da cidade central que, até então, tinham resistido à urbanização. Nesta altura também, a revolução dos transportes complexificava a estrutura interna da cidade, sobretudo graças à implementação e vulgarização dos transportes sobre carris em diferentes escalas. A chegada do comboio à estação de Campanhã, entre tantos outros impactos territoriais, possibilitou a chegada rápida e cómoda ao Porto da referida população migrante, vinda sobretudo do Douro, do Minho e das Beiras, mas também da Galiza. O desenvolvimento da rede interna de transportes metamorfoseou a pré-industrial mistura social do centro numa cidade de duas faces bem vincadas: a cidade da produção, onde pontificavam as fábricas, as pequenas indústrias e os bairros residenciais pobres, e a cidade do consumo, onde os palacetes da classe social mais elevada e os espaços de lazer (como os parques, jardins e as praias chiques) imperavam. O presente texto pretende compreender como decorreu este processo de (sub)urbanização do Porto, em particular na freguesia do Bonfim, e quais os padrões territoriais fundamentais que se desenvolveram. Para tal, descodificará as causas e consequências da segregação residencial de base social que decorreu na cidade de então (no Porto, como no resto das grandes aglomerações urbanas do mundo ocidental) e analisará as flutuações no tempo e no espaço dos avanços e recuos físicos da cidade. Para tal, a metodologia utilizada para este trabalho prendeu-se sobretudo com o levantamento de dados a partir de três fontes: os livros paroquiais de baptismo, as plantas ou registos cartográficos de obras públicas e os requerimentos e licenças de obras privadas submetidas à Câmara Municipal do Porto.