Duns Escoto e a verdade nas coisas: um estudo de "Questões sobre a Metafísica" VI, q. 3 (2015) (original) (raw)
Related papers
A metafísica de Boécio e a noção de haecceitas de Duns Escoto
Juvenal Savian Filho * É muito comum, em contexto filosófico, associar-se a noção veiculada pelo termo haecceitas exclusivamente a Duns Escoto, a ponto de muitos autores atribuírem a ele um pensamento quecomo se supõe aquicertamente não é o seu, qual seja, a concepção de todo ser como individual. Segundo a expressão de Gérard Sondag, em sua bela e rigorosa exposição de conjunto do pensamento do Doctor subtilis, publicada em 2005 (Paris, Vrin), esse costume de atribuir a Duns Escoto a concepção de todo ser como individual consiste numa tese de divulgação, aliás, vulgarizada, que se tornou um "cavalo de batalha regularmente montado, no decorrer dos séculos, por diferentes gerações de nominalistas" 1 . Como se pretende mostrar aqui, o que se convencionou chamar de haecceitas ou ecceidade refere-se à diferença individual, a qual, vista como diferença última, não impede (antes mesmo, requer) a existência de naturezas comuns. A propósito, convém apontar para o risco que o termo haecceitas comporta, uma vez que, à semelhança de termos como humanitas, animalitas etc., pode remeter o ouvinte a uma forma comum, o que seria um grave equívoco. Além disso, é preciso lembrar que Duns Escoto foi extremamente parcimonioso no uso deste termo 2 , preferindo cuidadosamente a ele expressões como entitas, realitas ou simplesmente o pronome neutro * Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 1 SONDAG, G. Duns Scot -La métaphysique de la singularité. Paris: Vrin, 2005, p. 125. 2 Na recensão de P. Minges, esse termo ocorre apenas nas Reportata Parisiensia II, 12, 5, 1 e nas Quaestiones subtilissimae in metaphysicam Aristotelis VII, q. 13, n. 26 (cf. MINGES, P. Die skotische Literatur des 20 Jahrunderts. Franziskanische Studien 4 (1917), pp. 49-67; 177-198.
Metafísica e o conceito de ente infinito em Duns Scotus
Resumo A comunicação objetiva analisar o modo pelo qual João Duns Sco-tus define o conceito ente infinito (ens infinitum). " Ente " para Sco-tus é um termo unívoco, caso negado por Aristóteles. Deste modo, num primeiro momento, aponta-se o porquê de " ente " ser conside-rado por Duns Scotus o sujeito da ciência metafísica. Para Scotus " ente " é um conceito anterior ao par substância-acidente, na medi-da em que é pressuposto por esses dois conceitos, e não se subor-dina a categoria alguma, já que se divide antes em finito e infinito do que nestas. Sendo assim explicita-se o motivo pelo qual " ente " é entendido como um transcendente. Já no segundo momento, reconstrói-se o caminho argumentativo de Scotus para provar a univocidade do conceito " ente " (ratio entis), explicitando como tal conceito pode ser predicado univocamente tanto de Deus como das criaturas. Para isso, se faz necessário analisar as quatro classes das noções transcendentes, a saber: o ente, os atributos conversíveis, os atributos disjuntivos e as perfeições puras. Feita tal análise, detêm-se nos atributos disjuntivos explicando a funcionalidade destes na filosofia de Scotus. Com tal explicação, conclui-se apontando para o caráter positivo da disjunção entre ente finito e infinito, procu-rando explicitar o motivo pelo qual conceber a noção de infinito como uma " proporção não determinada " implica em conceber tal conceito a partir de uma nova noção de modalidade, expressa pelo princípio de plenitude: " nenhuma possibilidade genuína permanece para sempre não-realizada " .
O Sentido da Perfeição: João Duns Escoto e a regra anselmiana de selecção dos atributos divinos.
Razão e Liberdade. Homengem a Manuel José do Carmo Ferreira, 959 - 975. Lisboa: Departamento e Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa., 2010
Podemos imaginar a perfeição em muitos domínios do nosso conhecimento e experiência, na natureza quer espontânea quer transformada pela civilização. Trata-se sempre, porém, de uma perfeição no seu género ou de algum género de perfeição. Podemos desejar a perfeição em muitas especialidades do nosso fazer, do nosso agir, do nosso ser. Trata-se sempre, porém, de uma perfeição à nossa medida. Corremos frequentemente o risco de perfeccionismo erigindo em absoluto qualquer destas especiais perfeições humanas. E esse é um risco de inibição do nosso fazer, do nosso agir, do nosso ser. A prevenção desse risco requer, porventura, um horizonte maior de integração de todas as perfeições que podemos imaginar de acordo com os nossos padrões civilizacionais e à medida dos nossos humanos desejos. Ora, a reivindicação de tal horizonte foi, a nosso ver, a exigência que distinguiu a filosofia na antiga disputa com a sofística, pela sua rendição à medida humana. Com efeito, pensar esse horizonte é mais do que figurar perfeições com uma imaginação espácio-temporal; é mais do que projectar estratégias ou calcular tácticas para a realização das nossas metas de perfeição; é, sobretudo, coligir, comparar e organizar as múltiplas possibilidades de perfeição com a imaginação especulativa da razão 1 . Neste caminho de pensar racionalmente a perfeição, tomamos por guias dois filósofos, Anselmo e Duns Escoto, que estão entre aqueles que não deixaram apagar-se o fulgor da clássica filosofia grega no rasto da latinidade.
A equivocidade do conceito de ente nas obras filosóficas de João Duns Escoto (2014)
Nas Questões sobre as Categorias, João Duns Escoto estuda o problema da predicação do conceito de ente. São apresentadas três soluções possíveis para ele: o ente predica-se por univocidade, analogia ou equivocidade. Nessa obra, Escoto determina que a predicação do conceito de ente ocorre por equivocidade, isto é, 'ente' é predicado equívoco das dez categorias, pois a univocidade e a analogia são tidas como soluções inaceitáveis para o problema. Aqui, estudamos os elementos que surgem nas Questões sobre as Categorias com respeito a esse tema tomando como auxílio outros textos filosóficos de Escoto em que o conceito de ente também seja tomado como predicado equívoco. Por fim, vemos que a resposta das Questões sobre as Categorias é a primeira resposta de Escoto ao problema, já que ela será modificada posteriormente. O presente trabalho estuda essa primeira posição adotada por Escoto face ao problema da predicação do conceito de ente.
Anselmo e Duns Escoto: variações sobre um mesmo princípio metafísico
Philosophica, 31: 77 - 90, 2008
João Duns Escoto pode contar-se entre os continuadores de Anselmo, uma vez que acolheu favoravelmente o argumento do Proslogion, ainda que na sua singular interpretação. Mas, aquém e para além deste aspecto pontual de continuidade, há aspectos de afinidade estrutural de pensamento a estreitar os laços de razão entre os dois filósofos. Estes aspectos de mais profunda proximidade não têm que ser explicados exclusivamente por uma influência directa do legado de Anselmo no pensamento de Duns Escoto, mas acusam, a nosso ver, algo como uma família de pensamento ou de espírito, ou uma orientação filosófica de fundo, capaz de atravessar os séculos e de incluir as singularidades dos diversos pensadores que nela vão tomando parte. Entre esses laços de razão, há uma afinidade fundamental ao nível da partilha de um mesmo princípio metafísico, que estrutura o pensamento quer do Doutor Magnífico quer do Doutor Subtil. Trata-se do princípio da irreflexividade das relações essenciais do ente, que Duns Escoto enuncia, como prima conclusio, no início da sua análise comparativa das ordens essenciais do ente, no Tractatus de Primo Principio. Duns Escoto assume de Agostinho a inspiração deste princípio, mas é na metafísica de Anselmo que aquele revela a força de um princípio estruturante, antes mesmo de expandir o seu alcance na metafísica escotista. O nosso propósito, neste estudo, é analisar alguns aspectos do percurso daquele princípio metafísico através do pensamento de Agostinho, do de Anselmo e do de Duns Escoto, permitindo agregar os três pensadores numa mesma família de espírito ou orientação filosófica de fundo.
KANT, I. Os Progressos Da Metafísica (Edicoes 70)
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor. Qualquer transgressão à Lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento judicial. Immanuel KANT OS PROGRESSOS DA METAFÍSICA acerca da pergunta da Academia Real de Ciências de Berlim: «quais são os verdadeiros progressos que a Metafísica realizou na Alemanha, desde os tempos de Leibniz e de Wolff?» edições 70 ADVERTÊNCIA DO TRADUTOR A ocasião para Kant escrever o presente opúsculo foi o concurso aberto pela Academia Real das Ciências de Berlim, em Janeiro de 1788, a propósito desta pergunta (originalmente formulada em francês): «Quais são os progressos reais da metafísica na Alemanha desde a época de Leibniz e de Wolfffr Como até ao expirar do prazo (1791) tivesse sido entregue apenas uma resposta, foi ele novamente prorrogado até Junho de 1795. Receberam-se então umas trinta memórias e foram premiadas as de Schwab, Reinhold e Abitch, que foram ulteulteriormente publicadas. Kant iniciou a sua resposta possivelmente no começo de 1 793> was nunca chegou a terminá-la e dela restam-nos apenas projectos soltos e todos com a marca do inacabado. Também não sabemos qual a sua intenção ao encetar uma réplica a questão da Academia; talvez divisasse nesta última a altura de pôr frente a frente a sua filosofia crítica, a filosofia dogmática e a ontologia tradicional, na linha de Wolff Assim, apenas nos ficaram os disjecta membra de uma obra que nunca o chegou a ser, mas onde, não obstante o seu estado fragmentário, lampejam os profundos vislumbres sobre o conhecimento humano, a reiterada afirmação da nossa finitude e o realce do alcance da nossa acção prática.
João Duns Escoto e o Argumento Anselmiano
Luis Alberto DE BONI (Org.), João Duns Scotus (1308-2008). Homenagem de scotistas lusófonos, Porto Alegre / Bragança Paulista, ediPUCRS / EST Edições / Universidade São Francisco, 2008, pp.156-174.
This study about John Duns Scotus and Anselm is divided in two main points: the first one concerns the question of the possibility of an a priori knowledge of God’existence; the second one considers the scotist interpretation of the ratio Anselmi (Proslogion 2). To the question firstly discussed, the answer of Doctor Subtilis is no, on the basis of the composition of distinct concepts of God, such as the anselmian concept of the supreme cogitable. Therefore the ratio Anselmi is taken by Scotus as an a posteriori argument for the existence of the supreme cogitable, as an infinite being. We think that Anselm would not dissent from this view. However the scotist interpretation assumes some other features which seem to us to be more scotist than anselmian.