Um bocadinho mais: o sujeito e a tela (original) (raw)
A uso de objetos com tela, o aparato integrado à mão composto de vidro e elementos eletrônicos e óticos, se intensifica a ponto de alguns pensadores considerarem o ser humano atual uma espécie de ciborgue lowtec (CASE, 2012), ou verem a evolução tecnológica como um prolongamento da própria evolução biológica do homem (SFEZ, pg. 291). O uso de algumas telas, como a do telefone celular, já justifica a criação de nova ontologia e de debates acalorados no ambiente filosófico, em busca por exemplo do conceito contemporâneo de verdade (FERRARIS, 2015). A máquina integra e prolonga o corpo, apoia ou rechaça a tomada de decisões e confere virtudes ao dono, conforme seu tamanho e outros critérios que definam poder. A relação com esse aparato técnico tem um propósito central: comunicar-se com outros, expor-se a um certo olhar e ver o que os outros expõem, característica que também nos dá a impressão de estarmos falando de um ambiente certamente contemporâneo. Nesse contexto, a provocação do grupo de pesquisa Sujeito <> Contemporâneo, do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo, para que se foque a relação da psicanálise com os dias correntes, encontra obrigatoriamente a relação do sujeito com um corpo ausente, por meio da tela. Pensamento que logo chama outro para junto de si: haveria uma clínica para a técnica, ou para seu mais recente avatar, a tecnologia? Há muitas formas de abordar essa relação no caudaloso conteúdo lacaniano. Escolho uma abordagem que seleciona e exclui, mas que acredito pode ajudar a pensar paradigmas da relação homem/técnica. Está claro que a tela afeta o estatuto do olhar do outro, põe-se em algum lugar nesse circuito, e com isso afeta a relação entre público e privado, coletivo e individual. Ela substitui o olhar do outro quando oferece observação sobre a produção textual, de imagens, a interação do sujeito com a escolha de ícones (emojis, smileys, emoticons etc). É um proto-olhar que curte, comenta e manipula algoritmos interessadíssimos em observar as preferências do sujeito. Porém, submete-se ao tempo imposto pelo sujeito, que liga e desliga, responde quando quer, autoriza ou não a interpelação. Portanto trata-se de um olhar menos poderoso do que o do outro ausente. Este faz-se apenas representar. Mas também é um olhar editado pelo sujeito, que escolhe sua cor, tipologia, enquadramento, regras de acesso, sons acoplados, volume, design etc. Não deixa de produzir uma imagem especular do eu. A tela representa portanto, paradoxalmente, uma ausência que também é um significante constitutivo. Temporalidade da tela É importante notar que esse olhar da tela, presente/ausente, manipulado pelo sujeito, é destituído do poder de causar vergonha no sentido apontado por Lacan em " O avesso da psicanálise " , ou seja, não é esse aparato, em si, que causa a principal característica da vergonha lacaniana, " a angústia de se ser excluído " (MIJOLLA, pg. 1.949). Ela não excluirá o sujeito e não retirará seu amor ou interesse pelo sujeito. Apesar disso, todas as variações entre o que se mostra e o que se esconde, suas muitas possibilidades de escolha e seleção, estão mediadas pela temporalidade peculiar da tela, onipresente,